ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

04/Jul/2023

Brasil e os benefícios da expansão do trigo tropical

O mundo passa por grandes transformações geopolíticas, econômicas e comerciais. A guerra da Ucrânia desorganizou e trouxe instabilidade ao mercado energético e agrícola. A triticultura global não é exceção. O cultivo do trigo está entrando em uma nova fase com o plantio em áreas tropicais, o que poderá mudar a médio e longo prazo a dinâmica do mercado global do cereal. Com os recentes resultados na produção nacional, o Brasil poderá se posicionar de uma forma diferente no mercado mundial do trigo, não só mais como um importador, mas também como um vendedor do cereal para outros países e com inovações tecnológicas. Com o desenvolvimento de variedades adaptadas ao clima brasileiro, o Brasil pode se tornar um protagonista nas exportações e assumir a médio prazo um papel de destaque no cenário global.

O avanço das novas fronteiras do trigo tropical é tido como promissor e é visto como um divisor de águas pela cadeia produtiva, desde os produtores até a indústria de processamento, e não apenas do ponto de vista mercadológico. O aspecto que mais se beneficia com a expansão do cultivo em áreas mais quentes, como no Brasil e em outras regiões com características climáticas semelhantes, é a questão do fornecimento de produtos de alimentação. Hoje, mais de 61 milhões de brasileiros enfrentam algum grau de insegurança na obtenção de alimentos, segundo o relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo produzido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU). O mesmo estudo aponta que mais de 800 milhões de pessoas no mundo são afetadas pela fome.

Produzir mais trigo é sinônimo de maiores reservas nacionais e mundiais do cereal, o que representa mais matéria-prima para a produção de alimentos que podem ser acessados por uma quantidade mais elevada de pessoas. À medida que isso pode resolver desequilíbrios na questão alimentar, essa eventual nova dinâmica do trigo também poderá atenuar, inclusive, questões de desequilíbrio de poder entre as nações, pelo potencial de avanços tecnológicos. Em meio aos entraves de natureza climática e geopolítica que o setor tritícola vem enfrentando nos últimos anos, a resiliência de todo o segmento produtivo se provou essencial para se reorganizar e encontrar perspectivas realistas em novas áreas de desenvolvimento. Ao longo da história, países do eixo norte em relação à linha do Equador foram dominantes em relação a revoluções comerciais, mercadológicas e de tecnologias.

Caso essa "nova ordem mundial do trigo" realmente prevaleça a longo prazo e os demais Estados possam se tornar menos dependentes do mercado internacional, isso poderá representar uma das maiores mudanças no balanço de poder, principalmente econômico. O Brasil se encontra na linha de frente desse processo desbravador do cultivo de trigo em áreas tropicais e de novos desenvolvimentos tecnológicos. Além de garantir o aumento significativo de produção a médio prazo, o Brasil poderá almejar posições mais ativas a médio e longo prazo no mercado global, sendo um importante agente da garantia da segurança alimentar no mundo com reduzido impacto negativo sobre o meio ambiente e a mudança de clima. A Embrapa e as empresas produtoras de sementes de trigo trabalham na pesquisa e desenvolvimento de cultivares cada vez mais adaptadas ao clima e solo de regiões como o Cerrado, por exemplo, que demonstra potencial de alavancar a produção nacional junto ao cereal produzido nos estados do Sul do País e em São Paulo.

O aumento de produção de trigo no Cerrado não deverá beneficiar os moinhos já instaladas porque uma pequena parcela está próxima dessa nova zona produtora. Poderá, contudo, incentivar o desenvolvimento de nova indústria na região, como ocorreu no Paraná nos anos 90 e 2000, em virtude da mudança de regulamentação interna. Aumentar a produção de farinha de trigo significa ampliar as possibilidades de negócios com outros elos da cadeia produtiva e diretamente com o consumidor final. Cabe ressaltar que estudos e testes ainda estão sendo executados para que todo esse movimento possa se concretizar. Alguns fatos novos poderão impactar a triticultura nacional: a utilização do trigo como matéria prima para produção de etanol, com a criação de unidades produtoras no Rio Grande do Sul e o potencial descarbonizante do cereal, ressaltado por pesquisa da Embrapa, que comprova que o trigo retém mais carbono no solo do que emite GEE na atmosfera.

O resultado da pesquisa poderá abrir caminho para o trigo participar no mercado de carbono no Brasil. De qualquer forma, ainda há um longo caminho a percorrer. Levando em conta a expansão da fronteira agrícola em função do desenvolvimento de novas sementes e novas áreas de plantio, surgem algumas questões concretas do ponto de vista da produção e de políticas do governo brasileiro que deverão ser respondidas com visão de médio e longo prazo. Qual o grau de competitividade que o trigo do Cerrado teria frente a trigos de outras origens no mundo? Quais culturas o trigo "deslocaria" para ganhar área no Brasil, visto que ele tem que ser mais rentável ao produtor (frente a alternativas de uso da terra) para que seja a opção escolhida para produção e qual seria a solução logística (corredor de exportação, silos, portos) a ser utilizada para viabilizar os novos fluxos? Fonte: Rubens Barbosa. Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). Broadcast Agro.