07/Fev/2023
O cenário global do trigo continua instável em virtude do contexto geopolítico mundial e as consequências econômicas, logísticas e de reorganização do mercado global. O conflito entre Rússia e Ucrânia teve e continua tendo um forte impacto sobre o mercado, em virtude da importância dos dois países como fornecedores globais de trigo (cerca de 35% do suprimento mundial). O resultado foi um aumento considerável das cotações nos mercados de Chicago e Kansas. Ao completar um ano de guerra, o mercado de energia e de alimentos começa a se estabilizar com os preços retornando ao nível de fevereiro de 2021. Pela evolução de políticas para ampliar o fornecimento de gás, de petróleo e de alimentos, o mundo começa a absorver o choque da guerra da Rússia. Um dos poucos elementos positivos ao longo dos últimos meses foi o acordo para que a Rússia permita o escoamento da produção agrícola da Ucrânia pelo Mar Negro via Porto de Odessa. Além disso, a grande safra de trigo russo, que subiu a cerca de 100 milhões de toneladas, também foi um motivo de redução da pressão sobre os preços internacionais mais recentemente.
A África e o Oriente Médio, duas das áreas mais afetadas pela redução do fornecimento da Ucrânia foram as regiões que mais sentiram os reflexos desse cenário de desorganização do mercado global. A situação de quebra de safra da Argentina em 2022/2023 também influenciou o comércio global do trigo, principalmente no que diz respeito ao Brasil. Em 2022, as importações da Argentina representaram 80% do total importado pelos moinhos para atender o mercado interno. Em 2023, a dependência do mercado argentino deverá reduzir-se sensivelmente. A estiagem influenciou em demasia o desenvolvimento da cultura, reduzindo em aproximadamente 39% a produção em solo argentino. Isso fez com que os moinhos nacionais buscassem novas fontes de trigo para importação. Por um lado, essa nova demanda global representa uma oportunidade para o trigo brasileiro, que já apresentou resultados positivos em 2022, com aumento da safra total do País e, consequentemente, dos Estados produtores, como Rio Grande do Sul e São Paulo, por exemplo.
No Rio Grande de Sul, foram produzidos mais de 5 milhões de toneladas de trigo. Já em São Paulo, os números da safra superaram as 500 mil toneladas, com condições favoráveis ao desenvolvimento do cultivo ao longo do ano. O segundo Estado produtor, o Paraná teve problemas climáticos e sua produção ficou afetada. Essa evolução na produção nacional vem na direção de uma política de segurança alimentar que visa a autossuficiência do cereal, sabendo que o consumo no Brasil continua ao redor dos 12 e 13 milhões de toneladas, segundo levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A alta nos números da safra brasileira, que fechou 2022 nos 9,7 milhões de toneladas de acordo com a Conab, também é positivo para as exportações brasileiras. O País elevou o volume de trigo comercializado para outras nações, totalizando 3,17 milhões de toneladas exportadas ao longo do último ano, aponta estimativa da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
Segundo o acompanhamento que a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) realiza junto a produtores e à cadeia do cereal, o volume total de produção em 2022 pode ser ainda maior, acima de 11 milhões de toneladas. Caso esses números se confirmem, o Brasil surgirá como um exportador crescente de trigo para o mercado internacional. O aumento da produção poderá também beneficiar o programa pró-etanol do governo do Rio Grande do Sul, que conta com investimentos de R$ 1 bilhão para a produção de etanol de trigo em três usinas com capacidade para atingir 300 milhões de litros por ano. A principal aposta para seguirmos elevando o volume produzido do grão no Brasil é o cultivo no Cerrado. De acordo com a Embrapa Trigo, a produção de trigo avança em sinergia com o emprego de tecnologias para assegurar uma produtividade rentável ao crescimento da triticultura tropical, principalmente no que se refere aos desafios impostos pelo clima quente e úmido da região.
O último Estado incluído para a expansão do trigo nessa fronteira agrícola brasileira foi Mato Grosso do Sul, em projeto que será capitaneado pela Embrapa Trigo e a Embrapa Agropecuária Oeste. A projeção é do cultivo de 300 mil toneladas de trigo por ano pelos próximos três anos, elevando em mais de 100 mil hectares a atual área plantada, que foi de 20,5 mil hectares em 2022. Apesar do consistente crescimento da produção de trigo no Brasil nos próximos anos, mesmo autossuficiente, a importação do produto continuará pelas características do mercado continental brasileiro. A Argentina continuará a exportar para o Brasil, mas em quantidades menores e o Brasil se consolidará como um exportador confiável, com trigo de qualidade. Novos investimentos deverão ser feitos no setor e o trigo a médio prazo deixará de ser um dos poucos produtos agrícolas que o Brasil depende do Exterior. Fonte: Rubens Barbosa. Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). Broadcast Agro.