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07/Jun/2022

Brasil deveria reduzir dependência externa do trigo

A guerra da Rússia contra a Ucrânia continua a ter consequências importantes para a economia global. A desaceleração da economia de quase todos os países e o aumento da inflação estão acompanhados pela desorganização dos mercados de produtos agrícolas, em especial, o trigo, a soja e o milho, e o energético, de petróleo e gás, com altas expressivas nas cotações desses dois setores. Assim, os impactos do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, desde fevereiro, acarretaram frequentes mudanças comerciais e, até mesmo, políticas e sociais. O mercado do trigo mundial segue em alta e com desafios constantes. Os preços do grão, que já alcançavam índices recordes em abril superaram ainda mais as altas históricas no mês de maio. A falta do trigo Ucraniano no mercado e as incertezas quanto à produção dos demais países acabaram por provocar um movimento mais do que preocupante no mercado, que passou a olhar o trigo com mais atenção e cautela.

Recentemente, a França, por meio do escritório agrícola FranceAgriMer, reduziu sua previsão de exportações de trigo soft nesta temporada, citando a demanda internacional em queda. Em suas perspectivas de maio para oferta e demanda de safras de cereais, o escritório cortou sua projeção de exportações de trigo soft para fora da União Europeia na temporada 2021/2022 para 9,25 milhões de toneladas, de 9,5 milhões estimados em abril. Além disso, o mês também foi marcado pelo anúncio da Índia sobre a restrição das exportações de trigo, o que pegou o mercado de surpresa, tendo em vista que o país vinha mostrando sinais de ampliar sua exportação nos últimos meses. Esse fato evidenciou ainda mais a perspectiva sombria para o mercado global de trigo. A decisão do país só faz crescer a onda de protecionismo na produção de alimentos, fenômeno que vem aumentando desde o início da guerra na Ucrânia.

Expande-se, em todo o mundo, o movimento de governos que buscam garantir suprimento local de alimentos enquanto os preços disparam no setor agrícola. As previsões para o preço do trigo seguem indicando alta, sem uma sinalização de estabilidade ou queda, fator que dificulta ainda mais a vida dos moinhos brasileiros. Só em 2022, os preços subiram ao redor de 60%. A volatilidade dos preços poderá ser uma tendência nos próximos meses, como aconteceu recentemente. Em função da perspectiva de abertura de um corredor de exportação, nos portos do Mar Negro, que beneficiaria cerca de 20 milhões de toneladas de produtos agrícolas da Ucrânia houve queda momentânea nas principais bolsas de cereais. As condições impostas pela Rússia para isso dificilmente poderão ser cumpridas, o que voltará a colocar pressão sobre as cotações. A guerra na Ucrânia teve uma outra consequência para o Brasil.

As vulnerabilidades na economia nacional ficaram expostas, pela grande dependência em termos de trigo e de fertilizantes, por exemplo, além de produtos para a saúde (insumos farmacêuticos), industriais (semicondutores) e energético (diesel). Esta situação do Brasil torna o País ainda mais vulnerável em tempos de crise, como o que vivemos. No campo do trigo, essa fragilidade é ainda maior. Apesar do agronegócio ser uma força da economia nacional, o Brasil é dependente de trigo importado, numa demanda de 6 milhões de toneladas ao ano, o que representa cerca de 60% de suas necessidades de consumo. Sendo o País dependente do fornecimento de trigo internacional, estamos condicionados a regras e movimentos do mercado mundial. Quando olhamos para os aumentos no preço do grão desde fevereiro e as estimativas para os próximos meses, que indicam a continuidade da alta sem uma possibilidade de previsão de quanto será essa evolução, temos um cenário de muitos desafios para os moinhos brasileiros.

Como toda empresa, uma indústria de moagem precisa se planejar estrategicamente para empregar racionalmente seus recursos e esforços. Esse planejamento é determinado por fatores como preço, disponibilidade e transporte do trigo, por exemplo. Uma conjuntura volátil do mercado do cereal tem impacto direto nos resultados destes moinhos. Em paralelo a esse cenário, temos o programa da Embrapa de ampliação da área plantada de trigo no Cerrado brasileiro, ação que pode auxiliar, a médio prazo, na redução dessa dependência, fornecendo à indústria moageira uma opção do grão com qualidade em solo brasileiro. É importante termos em mente que o trigo do Cerrado será um incremento para o mercado internacional do grão, oferecendo novas origens não só para o Brasil, mas também para outros importadores mundiais, que poderão buscar o grão do Centro-Oeste e suprir suas necessidades. É a máxima: quanto mais trigo tivermos no mercado mundial, melhor.

A Abitrigo tem encabeçado, junto a outras entidades e elos da cadeia, há anos, ações que incentivem o aumento da produção nacional do trigo no Brasil e ofereçam maior segurança alimentar ao nosso país continental, com mais de 213 milhões de habitantes. Dentre elas está a Política Nacional do Trigo, projeto que foi desenvolvido e entregue ao governo federal no início de 2019. O trigo é o único grão que o Brasil importa. Termos uma produção de trigo, com maior qualidade e volume, é um passo importante para reduzirmos não só a dependência internacional, mas também reforçarmos a nossa vocação de grande produtor global, com a produção para o mercado interno e para exportação de uma das mais importantes bases da alimentação mundial.

O aumento da produção de trigo contribuirá para reforçar a política de sustentabilidade ambiental, uma vez que a cultura do trigo, sendo de inverno, alternando com as culturas dominantes no Brasil que ocorrem no verão, não demandarão nenhuma necessidade de área agrícola adicional. Como benefício complementar na cultura do trigo, estudos científicos sobre o tema identificaram no balanço de carbono do ciclo de produção agrícola condição favorável para a redução de gás carbônico (CO2) do meio ambiente. Outras reduções, como a de combustíveis e energia elétrica nos processos logísticos pela importação do trigo, também representarão resultados positivos, do ponto de vista do meio ambiente e das mudanças do clima. Fonte: Rubens Barbosa é presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). Broadcast Agro.