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05/Out/2021

Trigo tropical poderá garantir a autossuficiência

A dependência do Brasil na importação de trigo representa uma vulnerabilidade inaceitável do ponto de vista da segurança alimentar. No País, 60% do consumo interno vem de fora e, deste total, 85% são provenientes de um só país, a Argentina. Uma crise internacional ou em um país fornecedor pode ameaçar o fornecimento e o suprimento internos da matéria-prima utilizada para produzir pães, massas, bolos e biscoitos. Desde 2019, antes da crise da pandemia, que, no início, criou problemas para a importação de trigo da Argentina, pela ameaça de fechamento de portos, a Associação Brasileira Indústria Trigo (Abitrigo) propôs ao governo atual o exame e a discussão de uma Política Nacional do Trigo, com o objetivo de diversificar a geografia do plantio do trigo, aumentar a variedade de sementes e incrementar a produção doméstica, a fim de reduzir a dependência do mercado externo e possibilitar o aumento, hoje reduzido, das exportações do cereal. O trigo é o único grão que o Brasil importa. Todos os outros têm produção que atende ao mercado interno e gera divisas, com grande exportação.

Atualmente, 90% da produção nacional de trigo está concentrada na Região Sul, principalmente Rio Grande do Sul e Paraná, onde o clima subtropical garantiu uma melhor adaptação dos cereais de inverno. No total, a produção brasileira em 2021 está próxima dos 8 milhões de toneladas do cereal, frente a uma demanda nacional de 12,5 milhões de toneladas. O cultivo de grãos nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina está concentrado no verão, quando a monocultura da soja predomina, com a crescente redução das áreas de milho. Nos dois Estados, são contabilizados 9 milhões de hectares em cultivo de grãos no verão, e aproximadamente 1,3 milhão de hectares no inverno. Aproveitar a área de inverno, que muitas vezes fica sem plantio ou com plantas de cobertura que não geram renda, para suprir a demanda de matéria-prima para ração na indústria de carnes e derivados é o objetivo da Embrapa junto a lideranças políticas, instituições financeiras, cooperativas, extensão rural, pesquisa, entidades federativas e outras, relacionadas ao setor de proteína animal.

A Embrapa, responsável em grande parte pelo suporte técnico que permitiu a explosão do agronegócio nas últimas décadas, tem tido, por outro lado, uma atuação importante para a expansão do trigo em outras regiões com clima diferente. O trabalho da Embrapa para a tropicalização do trigo começou na década de 1970, mas foi intensificado nos anos 1980, com a geração dos primeiros resultados mostrando a viabilidade do cultivo em Minais Gerais e Goiás. Um esforço conjunto entre produtores, instituições de pesquisa, extensão e poder público resultou em estudos sobre rotação de culturas, arranjos temporais (diferentes épocas de plantio) e espaciais (densidade de semeadura, população de plantas), adubação e fertilidade do solo, manejo integrado de pragas e doenças, manejo de restos culturais, zoneamento agroclimático e viabilidade socioeconômica, entre outros. O trabalho para o cultivo do trigo tropical envolve duas unidades da empresa: Trigo (sede em Passo Fundo, RS) e a Embrapa Cerrado (em Planaltina, DF).

O trigo do Nordeste envolve, além dessas duas unidades da Embrapa, a Embrapa Agroindústria Tropical (trigo no Ceará) e Tabuleiros Costeiros (trigo em Alagoas), além da parceria com produtores, indústria moageira e institutos federais de pesquisa. Para gerar informações que atendam ao zoneamento climático, a pesquisa está avaliando o potencial de viabilidade da cultura nos diferentes sistemas de cultivo (irrigado ou sequeiro), estabelecendo experimentos em várias épocas de semeadura em cada local, avaliando risco de pragas e doenças, além da adaptação ao sistema de produção na região. A Embrapa tem conseguido avanços substanciais em pesquisas dirigidas, ao prover solução para a brusone, principal doença regional e limitadora da produção, com destaque para a oferta de cultivares de valor comercial elevado. A empresa também constituiu uma rede de articulação institucional e de transferência de tecnologia que permitiu a expansão recente da cultura no Cerrado.

Dado este contexto, foi proposta a elaboração de um projeto de expansão da triticultura na região tropical, com foco especial no bioma Cerrado, porém sem ignorar as áreas potenciais do bioma Mata Atlântica, que abrange os Estados de São Paulo e Minas Gerais, unindo e permitindo o acompanhamento das diversas políticas públicas ou privadas direcionadas ao setor tritícola nacional na operacionalização do crédito e seguro rural para trigo de sequeiro e irrigado no Brasil. Também será possível harmonizar os mecanismos de fomento, como EGF, AGF, percentagem para projetos de assistência técnica e PEP, com foco nos moinhos do interior do País. Esta seria uma agenda planificada para 2021/2022, considerando que o Brasil tem pesquisa organizada, estoque tecnológico e tem gerado, todos os anos e de forma multi-institucional, as indicações técnicas para a cultura. Essa iniciativa que envolve diversos órgãos governamentais, coordenada pela Embrapa, e com protagonismo de moinhos, cooperativas e produtores de sementes, basicamente visou desenvolver a quantidade de sementes necessária para a expansão da área de trigo e a capacitação de novos técnicos e produtores para a cultura, tanto no sistema irrigado como de sequeiro.

É importante levar em conta também o fator cambial, com o incremento do dólar, combinado com o aumento do custo das farinhas e os riscos associados à paralisação de exportação de diversos países, a exemplo da Rússia e Ucrânia, e com as incertezas vividas pela Argentina. Em consequência disso, não se pode ignorar o possível impacto em produto muito sensível para a base alimentar dos brasileiros. Em vista desse quadro, é não só oportuno, mas necessário, o desenvolvimento de alternativas que aumentem a produção nacional de trigo. O projeto especial de expansão do Trigo Tropical no Brasil Central pode ser viabilizado financeiramente pela redução de gastos (em dólar) das importações do produto, com resultados que afetam o balanço de oferta e demanda do produto no País, pela ampliação da segurança alimentar e pela dinamização, ainda mais, da economia do Brasil Central. A Embrapa, segundo pronunciamentos públicos de seus dirigentes, está pronta e capacitada para contribuir para superar este desafio com as seguintes proposições:

- Organizar a produção de sementes para garantir a expansão da área de trigo tropical;

- Transferir tecnologias para produção de trigo em regime de sequeiro e irrigado;

- Apoiar a governança da cadeia produtiva de trigo no ambiente tropical;

- Comunicação e divulgação em apoio ao desenvolvimento do trigo tropical;

- Zoneamento agrícola de risco climático para a cultura do trigo na área de expansão da atividade tritícola na região tropical;

- Fortalecimento do Núcleo de Pesquisa e Transferência de tecnologia para trigo tropical em Uberaba;

- Pesquisa e desenvolvimento em manejo e melhoramento genético para tolerância/resistência e controle de brusone no ambiente

O fomento do cultivo do trigo no Cerrado pode ser estratégico, nos próximos anos, para a autossuficiência nacional, evitando a evasão de divisas. Somente em 2020, o Brasil gastou em torno de R$ 10 bilhões na importação de trigo grão e farinha de trigo. A alta produtividades de trigo no Cerrado, que contribuirá para reduzir a vulnerabilidade do Brasil, é devida, em grande parte, ao cultivo em dois sistemas de produção: trigo irrigado e trigo de 2ª safra na região. A cultivar de trigo irrigado BRS 264, desenvolvida pela Embrapa e que ocupa 70% da área cultivada com trigo na região, bateu novamente o recorde mundial de produtividade diária: 9.630 quilos por hectare, isto é, 80,9 quilos por hectare por dia ou 160,5 sacas de 60 Kg por hectare, colhidos pelo produtor Paulo Bonato, de Cristalina (GO). Esse produtor já era o recordista mundial de produção de trigo por hectare/dia. Em setembro de 2020, ele colheu 8.544 quilos por hectare, isto é, 74,9 quilos por hectare por dia, ou 142,4 sacas de 60 Kg por hectares de grãos da cultivar BRS 264 em uma área de 50,8 hectares, sob pivô central de irrigação. "Acreditávamos mesmo que ele poderia aumentar essa produtividade. Para isso, foram feitos ajustes no manejo durante o ciclo da cultura.

O potencial dessa cultivar é impressionante em termos de produtividade e precocidade", afirma Cláudio Malinski da COOPDF. A expectativa é de que, em dois anos, a cultura avance mais 100 mil hectares no Cerrado, sendo 75 mil em sequeiro e 25 mil irrigado. Para a balança comercial brasileira, significa mais 300 mil toneladas de trigo e menos R$ 450 milhões de despesas com importação de trigo. O dinheiro que sai para o exterior para comprar trigo ficaria na economia interna, com os fornecedores de insumos, com os produtores de sementes, com os agricultores. Enfim, seria um ganho para toda a cadeia produtiva. Além disso, a indústria moageira que está distante dos portos (Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bahia) e tem um aumento no custo por questões de logística, pode ser suprida em parte com produto de excepcional qualidade, beneficiando o consumidor final. As informações técnicas foram retiradas de trabalhos que me foram disponibilizados pela Embrapa. Os objetivos e a coordenação com o setor privado dessa importante ação coincidem com as prioridades da Abitrigo propostas na Política Nacional do Trigo. Fonte: Rubens Barbosa. Agência Estado.