17/Dec/2025
A decisão da China de leiloar soja importada de suas reservas estatais enquanto amplia compras dos Estados Unidos reflete uma estratégia deliberada de gestão de mercado para sustentar a indústria de esmagamento, proteger a safra doméstica e cumprir compromissos comerciais, avalia o economista Fred Gale, que atuou por 37 anos no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). O movimento ajuda a explicar dados recentes que, isoladamente, parecem contraditórios no balanço de oferta e demanda do país. A soja norte-americana adquirida nas últimas semanas não está sendo direcionada ao consumo imediato, mas ao estoque público. Ao mesmo tempo, grãos mais antigos vêm sendo liberados por meio de leilões a preços inferiores aos de mercado. Essa combinação permitiria aliviar as margens negativas das esmagadoras sem pressionar os preços internos em um momento sensível de comercialização da safra chinesa.
As autoridades chinesas estão orquestrando esses leilões e importações para satisfazer a demanda de esmagamento por grãos enquanto isolam a safra doméstica de soja dos preços internacionais mais baixos. A estratégia também ajuda a explicar por que as importações mensais da China recuaram nos últimos meses, mesmo com o esmagamento em ritmo elevado. O país acumulou estoques ao longo do terceiro trimestre, quando as compras externas superaram o consumo. Agora, com margens comprimidas e custos de importação em alta, a liberação de soja das reservas funciona como uma válvula de ajuste. O leilão de grãos baratos das reservas complementa o fluxo decrescente de importações e constitui um subsídio para evitar que as esmagadoras vejam suas margens negativas crescerem ainda mais. Outro ponto central da análise é o papel do Estado.
As compras de soja norte-americana foram concentradas na Cofco, empresa estatal que importa em nome da Sinograin. Isso reforça que a operação tem caráter mais político e estratégico do que comercial. A tarifa adicional de 10% sobre a soja dos Estados Unidos segue inviabilizando compras privadas, o que sugere que o governo está disposto a absorver custos para cumprir o acordo firmado com os Estados Unidos em outubro. A liberação seletiva dos estoques também revela uma tentativa clara de sustentar os preços da soja produzida internamente. Os leilões foram concentrados em regiões consumidoras e evitaram as principais áreas produtoras do país, onde a soja doméstica está sendo ofertada a valores superiores aos da importada. O preço dos grãos domésticos excede o preço dos grãos importados, então nenhum leilão de reservas foi realizado nas principais áreas de produção de Heilongjiang, Jilin e Mongólia Interior.
A China provavelmente quer desacelerar o ritmo das importações enquanto a safra doméstica é comercializada para manter o nível geral de preços elevado. Chama atenção o custo dessa estratégia. Parte da soja leiloada foi importada em 2022 e 2023, quando os preços internacionais estavam no pico. No leilão de 11 de dezembro, foram vendidas 397 mil toneladas a preço médio de US$ 55800 por tonelada, enquanto o custo médio de importação foi de US$ 659,00 por tonelada, segundo dados da alfândega chinesa. Somados juros e custos de armazenagem, a perda total pode ter atingido pelo menos US$ 83 milhões apenas nesse leilão. Ainda assim, o prejuízo faz parte de um objetivo maior: estabilizar o mercado antes da chegada de uma nova safra volumosa do Brasil, que tende a pressionar os preços internacionais no primeiro semestre de 2026.
O governo parece disposto a pagar esse preço agora para evitar uma queda desordenada mais adiante. Por fim, a possibilidade de atrasos deliberados na liberação alfandegária de cargas importadas reforça a leitura de um controle fino sobre o fluxo de soja. Segundo relatos de mercado, as autoridades chinesas estariam se preparando para retardar as inspeções de soja importada, estendendo o prazo de desembaraço para até 25 dias, movimento semelhante ao ocorrido no início de 2025 e normalizado apenas com a chegada da safra brasileira em abril. O conjunto das medidas indica que a China não está apenas reagindo ao mercado, mas conduzindo ativamente a transição entre estoques antigos, compromissos internacionais e a expectativa de oferta abundante no próximo ciclo. Os dados só fazem sentido quando vistos como parte de uma política coordenada. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.