24/Nov/2025
Mesmo antes dos anúncios mais recentes de compras chinesas, os Estados Unidos haviam embarcado cerca de 10 milhões de toneladas de soja na safra 2025/2026 sem registrar 1 única tonelada vendida para a China. Os números mostram que o país consegue manter fluxo relevante de exportação quando oferece preço competitivo em relação ao Brasil. O mercado norte-americano vem desperdiçando essa vantagem ao reagir de forma exagerada a notícias pontuais sobre possíveis negócios com a China, o que encarece rapidamente o produto dos Estados Unidos. O volume já enviado pelos Estados Unidos para outros destinos até meados de novembro só encontra paralelo recente em 2018/2019, período da primeira guerra comercial entre Estados Unidos e China. Naquele ciclo, como agora, a China se manteve ausente nos primeiros meses da safra e o “resto do mundo” assumiu parcela maior das compras.
Em anos considerados normais, a China teria absorvido entre 11 milhões e 18 milhões de toneladas até esta altura da temporada, enquanto outros importadores ficariam entre 5 milhões e 7 milhões. Em 2025/2026, o padrão se inverteu: China zerada e cerca de 10 milhões de toneladas absorvidas por outros compradores. Quando a China não aparece, outros compradores entram, desde que os Estados Unidos estejam baratos o suficiente. Esse diferencial de preço é o ponto central da temporada. Historicamente, entre outubro e novembro, durante a colheita norte-americana, o preço FOB no Golfo tende a negociar com desconto em relação ao Porto de Paranaguá (PR), abrindo a principal janela de embarques dos Estados Unidos enquanto o Brasil está na entressafra. Esse movimento costuma se estender até dezembro e, em alguns anos, até janeiro. Esse padrão está se rompendo em 2025/2026.
A reação do mercado ao relato de que a China havia reservado sete cargas de soja para embarque entre dezembro e fevereiro parece exagerada. Sete cargas não caracterizam um retorno estrutural, são mais um ‘aperitivo’. A reação imediata dos preços futuros na Bolsa de Chicago e das ofertas FOB no Golfo eliminou o desconto que vinha sustentando os embarques a outros destinos. O mercado está se preocupando demais com as ‘migalhas’ da China enquanto ignora os clientes que estão efetivamente comprando e embarcando grandes volumes. A soja norte-americana chega ao fim da colheita sem estar particularmente mais barata que a brasileira, justamente quando deveria registrar seu maior diferencial competitivo. Em séries históricas, há períodos claros em que o Golfo oferecia desconto consistente frente ao Porto de Paranaguá. Em 2025/2026, a vantagem aparece de forma mais tímida e menos duradoura.
Na prática, esse movimento tem impacto direto nos embarques futuros. Cada alta provocada por expectativas sobre a China leva outros importadores a recuarem, porque o produto norte-americano deixa de compensar na comparação com o Brasil. Ao mesmo tempo, a indústria de esmagamento dos Estados Unidos paga mais pelo grão, comprimindo margens. Os Estados Unidos acabam desperdiçando sua melhor janela sazonal para conquistar e fidelizar compradores de longo prazo. O atual comportamento do mercado pode ser caracterizado como uma “dinâmica de refém”: a China faz negócios suficientes (ou gera ruído suficiente) para mexer com os preços, enquanto boa parte das compras efetivas se concentra no Brasil.
Narrativas estão movendo mais os preços do que os fundamentos, já que poucos carregamentos e declarações vagas sobre acordos comerciais são suficientes para alterar o humor do mercado, mesmo quando comunicados oficiais da China e ajustes do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) sugerem um quadro mais contido. A safra 2025/2026 revela a capacidade dos Estados Unidos de sustentar exportações sem a China, e até ganhar espaço em outros destinos, desde que o país preserve o desconto típico de colheita frente ao Brasil. O risco é continuar reagindo a cada ‘manchete’ sobre a China, abrir mão desse desconto e depois se perguntar por que as inspeções de exportação recuam mais adiante na temporada. A mensagem dos dados é direta: quando os Estados Unidos mantêm o preço mais baixo, os compradores aparecem. Quando trocam essa vantagem por movimentos de curto prazo impulsionados por rumores, as vendas arrefecem. Essa pode ser a principal lição deste ‘ano sem a China’, pelo menos até agora. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.