03/Nov/2025
Quando se fala em agronegócio, muitas pessoas quase imediatamente relacionam a atividade a desmatamento. Para Rossano de Angelis Junior, que comanda as operações da Bunge Brasil, porém, essa é uma ideia equivocada, que precisa ser desmistificada. "O agronegócio brasileiro é tecnológico, fomenta boas práticas e tem um potencial que nenhum outro país tem. Mostrar isso para o mundo é essencial", diz. Segundo ele, no caso da Bunge há dez anos foi iniciado um programa que tinha como meta ter uma cadeia produtiva 100% livre de desmatamento, objetivo que foi alcançado.
"Para garantir uma cadeia livre de desmatamento, precisávamos saber rastrear e monitorar desde a origem", afirma. Para o executivo, a COP30 será uma oportunidade para o agronegócio brasileiro mostrar ao mundo o que tem feito em relação à sustentabilidade. "É até fácil falar de sustentabilidade, porque é fácil mostrar quando as boas práticas já são feitas." Com sede nos Estados Unidos, a Bunge é uma das maiores empresas do mundo nas áreas de agronegócio e alimentos, com receita de mais de US$ 53 bilhões no ano passado. Segue a entrevista:
Dentro do universo de vocês, o que a palavra 'sustentabilidade' representa?
Rossano de Angelis Junior: Diria que sustentabilidade e estratégia de negócio, na Bunge, hoje se confundem, no melhor sentido da palavra. No final das contas, é a mesma estratégia. Isso começa há dez anos. Em 2015, a Bunge fez um compromisso global: até 2025, nossa cadeia de suprimentos seria 100% livre de desmatamento. Ali foi dado o pontapé inicial de tudo o que entendemos por sustentabilidade na companhia. A partir disso, começamos a investir pesadamente em monitoramento e rastreabilidade. Para garantir uma cadeia livre de desmatamento, precisávamos saber rastrear e monitorar desde a origem. E isso é um desafio enorme, principalmente quando falamos de fornecedores indiretos.
Como foi o processo de estruturar a rastreabilidade?
Rossano de Angelis Junior: Primeiro trabalhamos com os fornecedores diretos, que teoricamente são mais fáceis. Mas, mesmo assim, foi um trabalho intenso de engajamento. Criamos parcerias, como com a Vega - empresa de tecnologia de monitoramento - e desenvolvemos uma plataforma que nos permitiu atingir 100% de rastreabilidade dos fornecedores diretos. Depois veio o maior desafio: os fornecedores indiretos. Desenvolvemos mecanismos para que eles também pudessem usar a plataforma ou para que nós fizéssemos o monitoramento por eles. Sem rastreabilidade, não tem negócio. Em 2024, atingimos 100% de rastreabilidade também nos indiretos, sendo a primeira empresa do agronegócio a conseguir isso. Hoje são 90 revendas na plataforma, cobrindo cerca de 36 milhões de hectares monitorados em zonas de risco, principalmente no Cerrado.
Essa rastreabilidade envolve só questões ambientais?
Rossano de Angelis Junior: Não. Além da parte ambiental, desmatamento, uso da terra, também monitoramos direitos humanos e boas práticas. Ao ter acesso à propriedade, conseguimos mapear muito além do impacto ambiental. Nosso objetivo é manter os 100% que conseguimos e fazer com que o setor inteiro avance junto. A plataforma foi desenvolvida em parceria, e acreditamos que a sustentabilidade só se consolida se for coletiva.
O sr. comentou que, depois da rastreabilidade, vem um segundo passo: agricultura regenerativa.
Rossano de Angelis Junior: Exato. A partir de 2020, a sustentabilidade deixou de ser uma área corporativa e passou a estar dentro da área de negócios. A estratégia é a mesma: gerar valor para o produtor e para o cliente final. Foi aí que lançamos o Programa de Agricultura Regenerativa, começando com 250 mil hectares e chegando hoje a 345 mil. O produtor que adere ao programa recebe um prêmio de entrada. Nós fornecemos tecnologia e dados por meio da empresa parceira xFarm, que mede emissões. A Orígeo - nosso braço de originação e assistência técnica - faz um diagnóstico e um plano de implementação. O mais interessante é que o produtor brasileiro já tem práticas regenerativas: não desmata, faz rotação de culturas, usa cobertura vegetal, fertilizantes biológicos, agricultura de precisão.
E como isso gera valor?
Rossano de Angelis Junior: Esses produtos certificados têm emissões mapeadas e documentadas. Clientes, principalmente da Europa, valorizam isso. Além disso, grandes empresas de alimentos estão se tornando patrocinadoras do programa. Desde o início, foram investidos cerca de US$ 20 milhões.
Quais são os principais gargalos para o avanço do agronegócio brasileiro?
Rossano de Angelis Junior: O agronegócio brasileiro cresceu como nenhum outro no mundo nas últimas décadas. Temos produtividade, tecnologia, rotação de culturas, exportação. E também somos líderes em boas práticas sustentáveis, embora isso muitas vezes não seja reconhecido. Nosso desafio é desmistificar a imagem de que agronegócio é sinônimo de desmatamento. É o contrário: temos uma história forte e dados concretos para mostrar.
O sr. sente que estão conseguindo mostrar isso?
Rossano de Angelis Junior: Sim. Pela demanda crescente, pelas certificações que colocamos no mercado e pelos acordos com clientes, é um caminho sem volta. O Brasil está muito bem-posicionado. Em mercados como a Europa, sustentabilidade já virou uma commodity - é requisito mínimo para fazer negócios. A Bunge está no meio da cadeia: conectamos o produtor ao consumidor final. Ouvimos o que vem das duas pontas e construímos soluções.
O sr. fala em desmistificar a imagem do agronegócio. A COP-30, em Belém, pode ser um palco para isso?
Rossano de Angelis Junior: Com certeza. A COP é uma plataforma crucial para mostrar. É até fácil falar de sustentabilidade, porque é fácil mostrar quando as boas práticas já são feitas. O agronegócio brasileiro é tecnológico, fomenta boas práticas e tem um potencial que nenhum outro país tem. Mostrar isso para o mundo é essencial.
Fonte: Broadcast Agro.