24/Sep/2025
A colheita de soja nos Estados Unidos começou em setembro sem nenhum pedido do maior comprador mundial: a China. Os produtores americanos estão colhendo uma safra que o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) estima em 4,3 bilhões de bushels, e não há indicação de quando os embarques para a China serão retomados. Em um ano típico, a China compra mais da metade de todas as exportações de soja dos EUA. Enquanto isso, o Brasil bateu recorde de embarques para a China de janeiro a agosto de 2025. Neste artigo, apresentamos os fluxos comerciais de soja dos EUA e do Brasil para a China nos últimos dois anos, analisamos a relação comercial entre esses países desde antes da primeira rodada da guerra comercial de 2018 e consideramos as possíveis consequências caso um acordo não seja fechado neste outono.
Exportações de Soja dos EUA Congeladas por Tarifas
A China é de longe o maior comprador de soja dos EUA. Em 2024, os Estados Unidos embarcaram quase 985 milhões de bushels para a China, representando 51% do total das exportações do país naquele ano. Em 2025, as exportações de soja dos EUA para a China, de janeiro a agosto, somaram apenas 218 milhões de bushels – 29% do total exportado no período. Em junho, julho e agosto, os embarques para a China foram praticamente zero.
A combinação de uma tarifa retaliatória de 20% com o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e tarifas da Nação Mais Favorecida (NMF) elevou a alíquota total sobre a soja americana a 34% em 2025. Embora essa nova tarifa retaliatória seja 5% menor que a da guerra comercial de 2018, os encargos adicionais devem manter os preços da soja dos EUA mais altos que os da América do Sul antes da colheita americana deste outono, afirmou a American Soybean Association em carta enviada à Casa Branca em agosto.
Com a colheita já em andamento em algumas regiões, os produtores dos EUA estão preocupados com sua capacidade de comercializar a safra, especialmente diante da capacidade limitada de armazenagem e da previsão de uma safra recorde de milho – superando 16 bilhões de bushels pela primeira vez. Em partes do Meio-Oeste, a produção de grãos pode ultrapassar o espaço disponível para armazenagem. Essa situação pode pressionar os diferenciais de base na colheita e aumentar a demanda por armazenagem temporária.
Demanda Recorde da China pela Soja Brasileira
Enquanto os produtores dos EUA aguardam um possível acordo comercial para voltar a acessar o mercado chinês, o Brasil exportou um recorde de 2,474 bilhões de bushels de soja para a China de janeiro a agosto deste ano, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Brasil). Esse volume representou 76% das exportações brasileiras de soja no período. Só em agosto, a China comprou 290 milhões de bushels do Brasil, um recorde mensal, com 85% de participação nas exportações brasileiras de soja.
A atual participação da China nas exportações brasileiras de soja é historicamente alta – comparável apenas a 2018, quando o presidente Trump iniciou a primeira guerra comercial com a China. A diferença é que, desde então, a produção de soja do Brasil saltou 40%, o que significa que os volumes atuais são muito maiores. Da safra 2017/18 até 2024/25, o Brasil aumentou sua produção de soja de 4,5 bilhões de bushels para 6,3 bilhões, segundo a Conab.
As importações chinesas de soja atingiram níveis recordes nos últimos três meses, levantando especulações de que os compradores podem estar acelerando embarques para evitar recorrer aos Estados Unidos. Em agosto, a China importou um recorde de 451 milhões de bushels, sem nenhum embarque vindo dos EUA. De maio a agosto deste ano, a China importou 1,837 bilhão de bushels de soja, segundo a Administração Geral de Alfândegas da China, sendo cerca de 90% vindos da safra recorde brasileira.
Esse contexto influenciou diretamente os preços da soja no mercado interno do Brasil. Enquanto os preços da soja nos EUA caem devido ao embargo chinês, os preços no Brasil vêm subindo desde março – justamente quando os chineses começaram a comprar grandes volumes de soja brasileira. Mesmo após uma safra recorde, concluída em maio, os prêmios de exportação nos portos brasileiros permanecem incomumente altos para esta época do ano, ajudando a compensar os preços internacionais mais baixos e a valorização do real frente ao dólar.
Mudança nos Padrões Globais do Comércio de Soja
A China comanda o comércio global de soja, respondendo por cerca de 60% das importações mundiais. Em 2024, 23% da produção de soja dos EUA e 48% da produção do Brasil foram exportados para a China. Historicamente, os EUA foram um dos principais fornecedores da China, mas essa tendência mudou na última década. De 2011 a 2017 – os sete anos anteriores à guerra comercial – as exportações americanas para a China representaram, em média, 60% do total exportado. Nos sete anos seguintes, de 2018 a 2024, essa média caiu para 47%. No mesmo período, a fatia do Brasil subiu levemente de 73% para 74%.
A participação da China nas exportações americanas voltou a crescer desde 2020, mas ainda não retornou aos níveis pré-guerra comercial e, em 2025, corre o risco de cair novamente de forma acentuada. Caso nenhum acordo seja firmado nas próximas semanas, as exportações brasileiras para a China devem voltar a níveis vistos em 2018. Com o aumento das compras chinesas, a interdependência entre Brasil e China está se aprofundando, levantando dúvidas se esses laços representam mais oportunidades ou risco de dependência excessiva.
Os EUA foram, por muitos anos, o maior exportador mundial de soja. Em 2013, o Brasil ultrapassou os EUA pela primeira vez em embarques, após uma das últimas grandes secas americanas. Desde então, a fatia do Brasil no comércio global de soja vem crescendo de forma consistente, atingindo 3,63 bilhões de bushels em 2024. No mesmo ano, as exportações dos EUA somaram 1,93 bilhão de bushels, segundo o USDA.
É importante notar que o papel reduzido dos EUA no mercado global reflete não apenas os laços comerciais mais fracos com a China, mas também o aumento da demanda interna. A capacidade de processamento de soja nos EUA vem crescendo desde 2020, impulsionada principalmente pela crescente demanda por óleo de soja, em especial do setor de diesel renovável. Nos últimos cinco anos, o boom desse biocombustível criou nova demanda para o óleo de soja como insumo.
Embora o Brasil também venha aumentando sua produção de biodiesel nos últimos anos, apoiado por políticas de incentivo do governo, o país expandiu igualmente sua área plantada de soja, principalmente pela conversão de pastagens degradadas em áreas agrícolas no Cerrado. Um estudo liderado pela Embrapa, com base em bancos de dados geoespaciais, aponta que o Brasil ainda tem potencial para converter mais 70 milhões de acres de pastagens em áreas de produção agrícola.
Possíveis Consequências de um Acordo Comercial Mal-Sucedido entre EUA e China
Se um acordo não for alcançado neste outono, os produtores de soja dos EUA dependentes da China poderão sofrer perdas significativas, aumentando ainda mais a pressão financeira nas fazendas. O aumento dos custos de insumos – como fertilizantes, defensivos e sementes – combinado com a queda dos preços domésticos, já vem reduzindo as margens. Além disso, muitos produtores podem ser forçados a estocar a soja colhida em vez de vendê-la com grandes prejuízos, impactando toda a cadeia – desde armazéns e processadores até a malha ferroviária que transporta a safra pelo país.
Mesmo antes do recente recuo das exportações, as margens já eram projetadas como relativamente baixas. A atual situação agrava o problema. Algum alívio pode vir de pagamentos do governo federal aos produtores, como ocorreu na primeira rodada da guerra comercial, mas, em muitos casos, esse auxílio pode não ser suficiente para evitar o aumento da pressão financeira. No médio prazo, a prolongada incerteza pode afetar as decisões de plantio para a safra de 2026 e reduzir a capacidade dos agricultores de pagar dívidas e investir em suas operações.
Enquanto as exportações dos EUA para a China recuam, corroendo ainda mais a fatia de mercado perdida desde 2018, espera-se que os compradores chineses continuem redirecionando suas compras para o Brasil e outros fornecedores. Assim, Brasil e demais produtores da América do Sul – como Argentina, Paraguai e Bolívia – podem aumentar a área de soja já neste ano, com o plantio da safra 2025/26 prestes a começar no Hemisfério Sul.
Além disso, o anúncio da Argentina de que eliminará os impostos de exportação (chamados retenciones) sobre todos os grãos até 31 de outubro, em esforço para reforçar suas reservas em dólar, deve estimular ainda mais as exportações do terceiro maior exportador mundial de soja e maior exportador de farelo e óleo de soja. Essa medida dará à China mais uma opção atraente para a compra de soja e derivados no mercado global neste outono. Fonte: Joana Colussi e Michael Langemeier – Purdue University. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.