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22/Sep/2025

Os possíveis impactos do tarifaço na soja brasileira

Brasil e Estados Unidos são concorrentes na soja e seus derivados (farelo, óleo e biocombustíveis). Por isso, o tarifaço imposto pelos Estados Unidos não afeta diretamente o comércio Brasil-Estados Unidos no setor, pois não há, salvo em anos ou meses excepcionais, comércio entre os dois países. Mas, a nova política comercial norte-americana, da qual o tarifaço é parte, pode trazer impactos relevantes no mercado internacional do complexo soja e, por consequência, afetar o Brasil. Vejamos quais. Diversos artigos apontam que a China ainda não está contratando soja dos Estados Unidos neste ano, apesar de a colheita estar começando, o que em breve deixará os norte-americanos com produto disponível para exportação. Em anos anteriores, por esta época, cerca de 20% da soja exportável dos Estados Unidos já estaria vendida para a China. Produtores norte-americanos demonstram forte preocupação, pressionando o governo Trump por uma solução.

Do lado chinês, mesmo com estoques para garantir o abastecimento (a chamada “reservação”), a atenção tende a aumentar até a entrada da safra da América Latina no mercado, por volta de fevereiro de 2026. Como a safra brasileira nem sequer foi plantada, ao deixar de comprar dos Estados Unidos, a China assume algum risco de abastecimento até que se definam os termos de um eventual entendimento com os norte-americanos. Em temas estratégicos, porém, os chineses são cautelosos nas sinalizações; manifestações públicas de preocupação só ocorreriam num cenário realmente crítico, o que não parece ser o caso. Cabe lembrar que, repetidas vezes, a china sinalizou a intenção de elevar a autossuficiência na alimentação animal, seja diversificando fontes de proteína vegetal, seja ampliando a produção doméstica de soja. Portanto, lhe interessa concentrar ainda mais suas importações no Brasil, como ocorreria se nenhum entendimento com os Estados Unidos fosse alcançado logo.

Caso a negociação se arraste até a entrada da safra brasileira, a China comprará do Brasil, como ocorreu em 2020, deixando a safra norte-americana 2025/2026 em segundo plano. Dito isso, parece que o maior incentivo por um entendimento está do lado dos Estados Unidos, não da China. O pacote em negociação, no entanto, é muito mais amplo que a soja. A trégua de 90 dias vence no fim de outubro. Minha percepção é que Estados Unidos e China deverão chegar a um acordo abrangente, do qual a soja fará parte, e que a produção da safra 2025/2026 dos Estados Unidos voltará a entrar na China antes da colheita brasileira, alterando o cenário atual. Isso não significa perda de mercado para o Brasil, mas sim que a demanda chinesa em 2026 será normal, diferente dos momentos extraordinários de 2018, na primeira guerra comercial, e de 2020, ano da pandemia. Apesar das preocupações dos produtores de soja dos Estados Unidos, expressas pela ASA (American Soybean Association), o país tem outras “armas”, além de um possível acordo com a China. Uma delas é o forte estímulo à industrialização da soja.

Segundo o USDA, os Estados Unidos devem processar 59% da produção. Enquanto o volume processado cresce 3,9% ao ano nos últimos cinco anos, as exportações caíram de 58,5 para 46,4 milhões de toneladas (-5% ao ano). Em 2025, os Estados Unidos processarão 22 milhões de toneladas a mais do que exportarão. No Brasil, apesar do avanço no processamento, ainda exportamos cerca de 40 milhões de toneladas a mais do que processamos. Nos dois países, esse movimento é impulsionado pelo mercado de combustíveis, que valoriza biodiesel, diesel verde e bioquerosene de aviação produzidos de forma renovável a partir dos óleos vegetais. Historicamente, o Brasil sempre foi relevante exportador de farelo. Já os Estados Unidos, que não tinha grande presença, tornaram-se importantes exportadores, competindo hoje com Argentina e Brasil. Esse processo é positivo para a produção de proteína animal, que passa a contar com mais farelo disponível, mas acirra a concorrência no mercado global.

Caso não haja acordo seja obtido com a China, os Estados Unidos podem intensificar ainda mais o processamento, aumentando a disputa justamente no mercado onde o Brasil atua fortemente. Assim, há dois cenários possíveis: (i) China e Estados Unidos chegam a um entendimento, reativando os fluxos de soja norte-americana e ampliando a competição com a brasileira; ou (ii) os Estados Unidos expandem o processamento doméstico, intensificando a disputa no mercado internacional de farelo. Em ambos os casos, o mercado de soja enfrentará turbulências e incertezas adicionais em 2026. Os Estados Unidos têm ainda uma segunda “arma”: forçar acordos comerciais com países em troca de um alívio do tarifaço unilateral. Se isso ocorrer com países que são importadores do farelo de soja brasileiro, podemos assistir um desvio de comércio negativo para nós. A guerra comercial de 2018 e a pandemia de 2020 criaram distorções que beneficiaram o Brasil. O tarifaço de 2025 também vai gerar distorções, mas sou cético quando aos efeitos positivos dela para o Brasil. Um raio não cai três vezes no mesmo lugar. Fonte: André Meloni Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.