01/Sep/2025
A plataforma de rastreabilidade Trase afirmou que a suspensão da Moratória da Soja pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abre flanco direto na relação comercial Brasil-União Europeia e pode favorecer concorrentes como Estados Unidos e Argentina. Qualquer desenvolvimento que aumente custos ou incertezas para obtenção de soja livre de desmatamento do Brasil arrisca minar sua competitividade frente a outros países produtores onde a verificação é mais clara e direta. A plataforma internacional de rastreabilidade Trase foi criada pela ONG britânica Global Canopy em parceria com o Stockholm Environment Institute. Usada por importadores europeus, bancos internacionais e grandes redes varejistas, a ferramenta tornou-se referência para avaliar riscos de desmatamento em cadeias de suprimentos.
A Moratória da Soja tem apoio de associações europeias como a Fediol, que reúne a indústria de óleos vegetais e farelos proteicos, e a Fefac, que representa fabricantes de ração animal, além de grandes redes varejistas como Tesco e Lidl. A Moratória da Soja fornece mecanismo estável e confiável para compradores europeus que buscam garantir fornecimento livre de desmatamento, respondendo não apenas a pressões regulatórias como a EUDR, mas também ao forte sentimento dos consumidores a favor da proteção florestal. Sem a clareza oferecida pelo acordo, fornecedores enfrentarão maiores desafios para dar garantias adequadas aos compradores. Dados da Comissão Europeia mostram que, até 1º de junho da temporada 2024/2025, os Estados Unidos embarcaram 5,7 milhões de toneladas ao bloco europeu, contra 5 milhões de toneladas do Brasil.
A Argentina figura como terceiro maior fornecedor, posicionada para ampliar participação caso o Brasil enfrente dificuldades adicionais de conformidade ambiental. O alerta da Trase confirma diagnósticos já feitos pela Associação Americana de Soja (ASA), que em carta enviada ao governo norte-americano em 18 de agosto apontou sinais de “afrouxamento” da Moratória da Soja brasileira como oportunidade de expansão no mercado global. No Brasil, a disputa jurídica ganhou intensidade em 18 de agosto, quando o Cade abriu processo administrativo contra 30 tradings e duas entidades setoriais, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), por suspeita de cartel. A Superintendência Geral suspendeu auditorias conjuntas e trocas de informações do Grupo de Trabalho da Soja (GTS), impondo multa de R$ 250 mil por dia em caso de descumprimento.
A decisão foi revertida por liminar da Justiça Federal no dia 25/08, mas o superintendente-geral do Cade, Alexandre Barreto, disse que o órgão recorrerá e sinalizou possibilidade de acordo com “medidas que mitiguem o risco concorrencial”. Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal analisa quatro ações de inconstitucionalidade contra leis estaduais que autorizam a retirada de incentivos fiscais de signatárias da moratória. O julgamento da ADI 7774, que discute a lei de Mato Grosso, foi suspenso na terça-feira (26/08) por pedido de vista do ministro Edson Fachin, após voto do ministro Dias Toffoli classificando a moratória como “sistema paralelo de governança ambiental” controlado por tradings que detêm 90% do mercado exportador. Mas, essa leitura não encontra respaldo internacional. Muitas jurisdições permitem acordos que poderiam parecer anticoncorrenciais se oferecem benefícios mais amplos aos consumidores.
China, União Europeia e Reino Unido dão peso particular a metas ambientais ao avaliar essas exceções. A fragmentação de mecanismos de verificação preocupa os importadores. Mecanismos coletivos definitivamente oferecem economias de escala e o benefício de maior certeza e previsibilidade. Onde os custos aumentarem, se serão repassados aos consumidores ou absorvidos pelos atores da cadeia de suprimentos, ainda está por ser visto. Sobre os instrumentos federais brasileiros, estudo de 2023 da própria Trase aponta que dados oficiais sobre licenciamento e regularização de desmatamento frequentemente não são disponibilizados de forma que ajudem empresas a verificar sistematicamente a conformidade com o Código Florestal. Sobre a crítica de produtores brasileiros à “dupla penalização” (cumprir o Código Florestal e ainda enfrentar restrições privadas), a Trase foi direta:
Quando compradores pedem fornecimento livre de desmatamento, buscam produtos que atendam aos padrões que valorizam. Se um produto está ligado ao desmatamento, para esses compradores, tem menos valor. Os consumidores veem isso como análogo a escolher produtos que atendam a certos padrões de saúde ou qualidade. A pressão internacional vai além da Europa. Quase 80% da produção brasileira de soja é exportada. Além da União Europeia, tanto o Reino Unido quanto, crescentemente, a China estão enviando sinais fortes de que querem desvincular sua demanda de práticas ambientalmente danosas. Essa é uma jornada sem volta. Às vésperas da COP30, em Belém (PA), a Trase advertiu: O Brasil tem algumas das proteções ambientais mais avançadas do mundo, e a Moratória da Soja é modelo amplamente reconhecido. Abandoná-la seria um golpe às fortes reivindicações que o País tem à liderança global em clima e natureza. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.