20/Aug/2025
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instaurou processo administrativo contra 30 empresas e duas entidades signatárias da Moratória da Soja e determinou medidas preventivas que suspendem de imediato a troca de informações comerciais entre concorrentes, atingindo o núcleo operacional do pacto firmado em 2006. O despacho nº 13/2025, assinado no domingo (18/08), lista as tradings ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, Cofco, Amaggi, Viterra e outras, além da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), e prevê multa diária de R$ 250 mil em caso de descumprimento. As determinações proíbem o Grupo de Trabalho da Soja (GTS), coordenado por Abiove e Anec, de "coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar informações comerciais referentes à venda, produção ou aquisição de soja", com destaque para "informações referentes a preço, volume e origem do produto comercializado".
O Cade também suspendeu auditorias conjuntas e vetou que as signatárias publiquem relatórios, metodologias ou listas de conformidade. O despacho obriga que critérios de aquisição sejam utilizados "de maneira independente, adstritos à legislação nacional, sem compartilhar entre si as informações concorrencialmente sensíveis". Com isso, o órgão inviabiliza o modelo coletivo do pacto, sem extinguir políticas individuais de compra sustentável, mas retirando a coordenação entre concorrentes que sustentava a Moratória da Soja. A Superintendência-Geral cita possível infração ao artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, que tipifica práticas de cartel, conduta concertada e restrição à livre concorrência, classificando a situação como risco de "danos graves e de difícil reparação" à ordem econômica caso a prática não fosse interrompida imediatamente. A instauração decorre de representação apresentada em dezembro de 2024 pela Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, com a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) listada como terceiro interessado.
Desde então, a entidade articulou ofensiva contra a Moratória da Soja em várias frentes: além da denúncia ao Cade, ajuizou ação civil pública de R$ 1,1 bilhão em Cuiabá (MT) contra 33 réus, incluindo tradings e entidades setoriais, e mobilizou 127 câmaras municipais para solicitar auditoria no Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT). O relatório do TCE, apresentado em abril, apontou que signatárias receberam R$ 4,7 bilhões em incentivos fiscais entre 2019 e 2024, o equivalente a 28,72% do total de renúncias concedidas pelo Prodeic no período. A Bunge concentrou R$ 1,56 bilhão (32,8%), seguida pela ADM com R$ 1,31 bilhão (27,5%), Cofco com R$ 661 milhões (13,8%) e Cargill com R$ 594 milhões (12,4%). A decisão do Cade ocorre em paralelo ao julgamento suspenso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da Lei nº 12.709/2024 de Mato Grosso, que autoriza o Estado a excluir signatárias da moratória de benefícios fiscais a partir de 2026.
O relator Flávio Dino reconheceu a legalidade do pacto como iniciativa privada, mas defendeu a autonomia estadual em política tributária, afirmando que o poder público não é obrigado a conceder novos benefícios a empresas que resolvam exigir o que a lei não exige. Alexandre de Moraes acompanhou, e o julgamento foi interrompido em junho por pedido de vista de Dias Toffoli, deixando o placar em 2 a 0 pela norma estadual. Recentemente, a Aprosoja-MT afirmou que as empresas da Moratória da Soja compõem um cartel responsável por 95% do mercado comprador de soja e que o objetivo é acabar com o pacto. A entidade argumenta que apenas 300 mil hectares foram desmatados em Mato Grosso após 2009 dentro do escopo do pacto, mas que 2,7 milhões de hectares permanecem bloqueados, atingindo áreas regularizadas pelo Código Florestal. Os produtores denunciam ainda a existência de listas de bloqueio compartilhadas entre tradings, sem transparência nos critérios de inclusão ou exclusão.
As tradings defendem o acordo como diferencial competitivo diante da Regulamentação Europeia de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), que entra em vigor em dezembro e exigirá rastreabilidade integral da produção agrícola importada pela União Europeia, destino de 14% das exportações brasileiras de soja. Segundo a Abiove, dos 7,3 milhões de hectares cultivados com soja na Amazônia em 2022/2023, apenas 250 mil estavam em desacordo com a Moratória da Soja, e 97,7% dos imóveis bloqueados em Mato Grosso não possuíam licença ambiental válida para desmatamento. A associação afirma que o pacto fortaleceu a credibilidade internacional da soja brasileira e contribuiu para reduzir o desmatamento na Amazônia. O processo administrativo segue em fase de instrução, com prazo de 30 dias para apresentação de defesa. Cada investigada poderá indicar até três testemunhas para serem ouvidas na sede do Cade. A decisão final pode levar meses e, caso haja condenação, resultar em multas bilionárias.
A medida preventiva, segundo o despacho, visa "resguardar a ordem econômica de danos graves e de difícil reparação" durante a tramitação da investigação. A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) comemorou a decisão do Cade de instaurar processo administrativo contra as signatárias da Moratória da Soja e impor medidas preventivas que paralisam o funcionamento coletivo do pacto. A entidade afirmou que a decisão representa "um marco histórico na defesa da livre concorrência e da produção legal no campo". Interpretou a medida como "suspensão dos efeitos da Moratória da Soja". A decisão "devolve segurança jurídica e dignidade aos milhares de produtores que sempre atuaram em conformidade com o Código Florestal e as leis ambientais brasileiras". A entidade sustenta que, ao reconhecer indícios de cartel e as distorções geradas por esse mecanismo, o Cade cumpre seu papel institucional de combater práticas anticoncorrenciais e preservar o ambiente de mercado justo e competitivo.
A Aprosoja-MT recordou que há anos vinha denunciando que um acordo privado, sem respaldo legal, vinha impondo barreiras comerciais injustas aos produtores, sobretudo os pequenos e médios, impedindo a comercialização de safras cultivadas em áreas regulares e licenciadas. Para a entidade, a decisão do Cade representa um passo essencial para o Brasil reafirmar que sustentabilidade e legalidade não se opõem, e reforça que não se pode simular políticas ambientais como pretexto para a exclusão econômica. O texto conclui que a associação seguirá vigilante e atuante para garantir que produtores que respeitam a lei também tenham o direito de produzir, prosperar e contribuir com o desenvolvimento do País. A decisão da Superintendência-Geral do Cade ocorre em meio ao julgamento suspenso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei nº 12.709/2024 de Mato Grosso, que autoriza o Estado a vetar benefícios fiscais a signatárias da moratória a partir de 2026, e à proximidade da entrada em vigor da Regulamentação Europeia de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), prevista para dezembro.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato) divulgaram notas oficiais comemorando a decisão do Cade de suspender os efeitos da Moratória da Soja. A CNA afirmou ter solicitado providências imediatas por considerar que o pacto gera danos concretos aos produtores que não podem aguardar a tramitação do processo, enquanto a Famato classificou a medida como "marco importante para o setor produtivo". Segundo a CNA, o processo teve início a partir de representações feitas pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, pela própria CNA e pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), mas apenas a confederação apresentou pedido cautelar. A entidade acrescentou que o parecer econômico entregue ao Cade demonstrou prejuízos financeiros inclusive em regiões com alta conformidade ambiental, como é o caso do estado de Mato Grosso.
A Famato afirmou que a decisão reconhece algo que o setor já vinha alertando: não é aceitável impor restrições que extrapolam a legislação brasileira e penalizam produtores que atuam dentro da lei, especialmente em estados como Mato Grosso, onde produção e preservação caminham juntas. A CNA teve uma atuação firme e técnica ao demonstrar os prejuízos causados pela Moratória da Soja. O setor cumpre o Código Florestal, investe em sustentabilidade e produtividade e não pode aceitar que barreiras comerciais prejudiquem quem trabalha corretamente. O debate envolve dados divergentes sobre a efetividade da Moratória da Soja. Estudo técnico divulgado pela Abiove em julho mostrou que 97,7% dos imóveis rurais bloqueados pela Moratória da Soja em Mato Grosso não tinham licença integral para desmatamento das áreas onde há cultivo de soja. Do total de 2.168 imóveis identificados em desacordo, apenas 50 casos apresentaram coincidência total entre o desmatamento e uma licença registrada. A área em desacordo foi estimada em 190.922 hectares, representando 1,6% da área de soja do Estado na safra 2022/2023.
O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura Pecuária, Guilherme Campos, classificou como positiva a decisão do Cade. Para ele, a medida dá previsibilidade ao mercado e reforça que a legislação brasileira deve ser o parâmetro regulatório. A grande discussão é uma imposição de fora versus uma regulamentação aqui no Brasil. A partir do Código Florestal, está claro o que pode e o que não pode ser feito. Ele destacou que a decisão dá clareza sobre a legislação e evita que fique vinculado a operações no mercado, triangulações para escoar a soja que não estava dentro daquilo que se imaginava que poderia ser feito. Campos defendeu que discussões como essa sempre serão usadas como tentativa de frear o crescimento do agronegócio brasileiro.
O País, pelo espaço que conquistou na produção de grãos, proteína animal e bioenergia, vem ocupando posições cada vez mais relevantes e é hoje um grande protagonista. Em sua visão, barreiras tarifárias e não tarifárias ainda pesam sobre as exportações nacionais, muitas vezes apoiadas em argumentos que não refletem a realidade do campo. O Brasil tem produção em áreas ocupadas há muito tempo e está recuperando terras subaproveitadas. Tem também exemplos importantes, como a logística reversa de embalagens de defensivos agrícolas, onde o Brasil recicla quase 100% do que é colocado no mercado, sendo referência mundial. Com a entrada em vigor da Regulamentação Europeia de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) prevista para os próximos meses, Campos defendeu que o Brasil tem condições de atender às exigências, mas alertou para a escalada de novas demandas. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.