ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

10/Jul/2025

Biodiesel: Brasil precisa investir para atender B20

O Brasil terá de continuar investindo em novas capacidades industriais de produção de óleo vegetal caso o governo mantenha o plano de aumentar progressivamente a mistura de biodiesel ao diesel até 20% (B20) em 2030, como está previsto na Lei do Combustível do Futuro. Essa é a conclusão do estudo da consultoria Bain, que indicou que o País corre risco de viver um déficit de oferta a partir de 2030 se não surgirem novos projetos de ampliação de capacidade industrial do setor. Atualmente, a mistura está em 14%, e subirá para 15% (B15) a partir de agosto, conforme aprovado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em junho. Pela lei do Combustível do Futuro, a mistura deve crescer 1% ao ano até chegar aos 20% em 2030.

A projeção leva em consideração a capacidade industrial existente hoje para produzir óleos vegetais e os investimentos já anunciados e planejados para os próximos anos. Além disso, o cálculo considera somente a demanda do setor de biodiesel por óleos vegetais, e não leva em conta a demanda por outras indústrias de biocombustíveis, como a de combustível sustentável de aviação (SAF) e o diesel verde (HVO), que ainda não existem em operação no País. As indústrias de óleos vegetais do País têm uma capacidade ociosa hoje em torno de 12% a 13%, e os novos projetos anunciados até agora preveem um acréscimo de capacidade de 1 milhão de toneladas a 1,5 milhão de toneladas por ano até 2027. Mesmo com essa ampliação industrial, a demanda por óleos vegetais deve crescer mais até lá, fazendo com que a capacidade ociosa do setor caia para 9% nesse prazo, se não houver novos projetos.

A situação pode começar a apertar em 2028. Nesse ano, a ociosidade deve ficar abaixo de 1 milhão de toneladas, e em 2029 a produção e a demanda por óleos vegetais deve praticamente empatar. Sem novos investimentos, o Brasil corre o risco de chegar em 2030 com um déficit de 800 mil toneladas de óleos vegetais. Diante dessa perspectiva, o setor precisa se debruçar já sobre novos projetos de expansão de capacidade. Para um investimento começar a operar em 2028, precisa ser formalizado até 2026. É preciso ter projetos no curto prazo considerando os mandatos de mistura. Desde o último ano, a indústria já vem anunciando investimentos mesmo com a existência de capacidade ociosa. Os projetos já estão acontecendo e os investimentos não vão acontecer somente após se esgotar a capacidade, avalia a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).

Em junho, quando o CNPE aprovou o B15, o Ministério de Minas e Energia (MME) afirmou que a mistura impulsionaria mais de R$ 5 bilhões em investimentos. Antes da Lei do Combustível do Futuro ser aprovada, a Abiove projetava que o setor investiria US$ 10 bilhões em novas indústrias nos próximos anos diante da demanda esperada. Neste ano, entre os maiores anúncios de investimento esteve o da Cocamar, que vai investir R$ 750 milhões em uma nova esmagadora de soja em Maringá (PR). No ano passado, um dos maiores anúncios foi o da cooperativa Comigo, que anunciou um projeto de R$ 1,3 bilhão em uma esmagadora em Palmeiras de Goiás (GO). A lei do Combustível do Futuro já está gerando investimentos na cadeia produtiva. A produção de biodiesel não é o único destino dos óleos vegetais no Brasil.

O produto é usado ainda no mercado doméstico de alimentos e para exportação, destinos que representaram 45% das vendas de óleo vegetal no ano passado. As estimativas já consideraram que o aumento da mistura de biodiesel poderia “roubar” óleo vegetal desses segmentos, que passariam a ter uma participação reduzida nos próximos anos. Essa demanda crescente do biodiesel poderia fazer o consumo de óleo vegetal nos alimentos e para exportação cair 14,4% até 2030. Porém, se esses segmentos aumentarem sua demanda pelo óleo vegetal brasileiro, há ainda maior risco de estrangulamento da oferta. O aumento do consumo de biodiesel também pode reduzir a parcela da soja destinada para exportação.

No ano passado, 64% da soja em grão colhida no País foi exportada, mas com o aumento da mistura e o crescimento orgânico do consumo de combustíveis, a fatia “exportável” pode cair para 59%. O motivo é que, ainda que a produção brasileira de soja possa crescer a uma média de 4% ao ano até o fim da década, o consumo de biodiesel tende a ter um incremento de 8% ao ano. Se as políticas de mandatos e misturas de biocombustíveis convencionais e avançados de diferentes países forem cumpridas pelos próximos anos, vai faltar matéria-prima para atender toda a demanda até o fim da década. Haverá um déficit de 20% de matérias-primas de óleos e gorduras para atender a necessidade de biodiesel, de diesel renovável (HVO, quimicamente igual ao diesel fóssil) e de combustível sustentável de aviação (SAF).

A estimativa leva em consideração o uso de óleos vegetais, gordura animal e óleo de cozinha usado para atender a futura demanda por biocombustíveis, e constituem a rota de produção “HEFA”. Para produzir esses biocombustíveis, portanto, será necessário ou ampliar a produção de óleos da rota HEFA ou também apostar em novas rotas de produção. Sem isso, o déficit só tende a aumentar de 2030 em diante. A projeção leva em consideração a taxa histórica de evolução da produtividade dessas matérias-primas, sem ampliação de área cultivada em nenhum lugar no mundo, e o maior aproveitamento possível de resíduos dentro do que é logisticamente viável. É preciso fazer algo a mais. Isso pode envolver tantas melhorias em genética agrícola, cultivar mais safras em uma mesma área (como já é feito no Brasil) e investir em ganhos de produtividade.

Se o aumento da oferta de matéria-prima tiver que passar pela expansão de plantios, há áreas em nível global que podem ser alvo de ampliação sem expandir a área sobre floresta. No campo dos resíduos, é possível aumentar a oferta de matéria-prima seja com maior uso de sebo bovino, de resíduos agrícolas, e de saneamento. Há muitas alavancas para fechar esse gap, mas precisa de investimento. O mundo deverá se dividir entre países que terão mais demanda por biocombustíveis do que suas produções de matéria-prima são capazes de atender, enquanto outros países terão produção de matérias-primas além do que precisam para satisfazer suas políticas internas.

Nesse balanço, o setor poderá seguir os passos da indústria mundial de óleo e gás, na qual muitos países buscaram construir uma infraestrutura de refino, ainda que não tenham acesso a bacias de petróleo. Nesse setor, o comércio de matéria-prima é muito superior ao do produto terminado. Deve acontecer algo similar em biocombustíveis. Nesse caso, a tendência seria que muitos países busquem ter uma infraestrutura de processamento das matérias-primas, ainda que nem sempre suficiente para atender as políticas locais. No setor de biocombustíveis, porém, além da questão estratégica, é preciso contar também a pegada de carbono, o que pode estimular mais investimentos em processamentos nos locais onde já há matéria-prima para evitar emissões no transporte dos produtos. Fonte: Globo Rural. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.