22/Apr/2025
O professor de economia aplicada Wendong Zhang, da Universidade Cornell, no Estado de Nova York (EUA), avalia que, mesmo que os Estados Unidos e a China cheguem a um acordo para encerrar a disputa envolvendo a questão tarifária, os chineses dificilmente voltarão a importar soja do país nos mesmos volumes de antes, a menos que haja uma mudança política dramática. Na semana passada, o governo Donald Trump afirmou que as tarifas aplicadas contra produtos chineses chegaram a 245%, após sucessivas rodadas de sobretaxas. Do outro lado, a China impôs retaliações, elevando a até 84% taxas de importação sobre bens norte-americanos.
Trump justifica as medidas como forma de pressionar a China por acordos comerciais mais vantajosos. A China classificou a atitude como "erro sobre erro" e prometeu lutar "até o fim". Em meio a esse embate, o agronegócio brasileiro observa com atenção os desdobramentos. Uma reaproximação comercial entre Estados Unidos e China, como já ocorreu no primeiro acordo entre os dois países em 2020 (chamado de "Fase 1"), poderia afetar diretamente os embarques brasileiros de soja e carne, produtos que hoje lideram a pauta de exportações do Brasil para o mercado chinês. Zhang é especialista em comércio agrícola, China e política internacional. Segue a entrevista:
A China está formando estoques e ampliando o plantio de soja, enquanto aumenta as compras do Brasil. Como o senhor analisa essa estratégia? É uma mudança estrutural ou apenas um reflexo da guerra comercial com os EUA?
Wendong Zhang: Nos últimos anos, a China aumentou seus estoques de soja em mais de 25%, principalmente através da empresa estatal Sinograin. Isso dá ao país margem para pausar ou redirecionar compras em momentos de tensão política. Junto com os esforços para expandir a área plantada internamente, essa estratégia claramente reduziu a dependência chinesa da soja americana no curto prazo. Não é apenas uma questão de estabilizar preços, mas de garantir segurança caso as relações se deteriorem novamente. Ao mesmo tempo, vemos a forte preferência chinesa pela soja brasileira como parte de um realinhamento de longo prazo, não apenas uma reação de curto prazo. Em 2024, o Brasil forneceu mais de 70% de todas as importações chinesas de soja, número que seria considerado alto mesmo uma década atrás. Os importadores chineses preferem os grãos brasileiros não apenas pelo preço, mas pela logística mais previsível e pelas relações comerciais mais amigáveis. Com empresas estatais chinesas investindo diretamente em portos brasileiros, isso parece mais uma mudança estratégica do que um ajuste temporário.
Quanto impacto a guerra comercial de 2018/2019 causou às exportações norte-americanas? Os agricultores dos EUA conseguirão recuperar o espaço perdido no mercado chinês?
Wendong Zhang: A guerra comercial de 2018/2019 deixou marcas duradouras. As exportações americanas de soja para a China caíram drasticamente, e, mesmo com a recuperação parcial dos volumes, o dano à reputação não foi totalmente reparado. Em 2024, a participação dos EUA nas importações chinesas de soja permaneceu em torno de 26%, bem abaixo dos níveis anteriores à guerra comercial. Um estudo do Centro de Pesquisa Agrícola mostrou que, embora os agricultores americanos tenham recebido dinheiro do governo como compensação, as relações comerciais foram enfraquecidas e a confiança foi perdida. Isso é muito mais difícil de restaurar com um cheque. Nossas projeções indicam que a participação dos EUA nas importações chinesas ficará entre 28% e 32% em 2025/26, dependendo da evolução das tarifas e do clima. Isso está bem abaixo dos níveis de 40-45% antes de 2018. Mesmo com safras americanas mais fortes, não acredito que veremos o retorno aos números antigos, a menos que haja uma mudança política dramática ou um problema grave na oferta de outros países. O mundo mudou, e a forma como a China compra também.
O Brasil conseguirá manter sua posição de liderança, apesar dos problemas de infraestrutura? E como secas ou enchentes extremas podem afetar esse cenário?
Wendong Zhang: O Brasil fez progressos reais, não há como negar. A expansão do Arco Norte (sistema de portos nas Regiões Norte e Nordeste) e os investimentos em ferrovias ajudaram a aliviar os congestionamentos. Mas gargalos sazonais e custos de frete interno ainda são barreiras. Meus modelos sugerem que o Brasil poderia atingir cerca de 100 milhões de toneladas de soja em exportações até 2026, se tudo correr bem. Mas isso pressupõe investimento contínuo e logística mais eficiente da colheita ao porto. Então sim, a infraestrutura é uma limitação - mas uma que está melhorando com o tempo. Os impactos climáticos são extremamente importantes nessa equação. Vimos isso durante a seca argentina de 2023/24 - a China rapidamente redirecionou compras para o Brasil e, em menor medida, para os EUA. Se Mato Grosso enfrentasse uma seca severa ou inundações, eu estimaria um redirecionamento de 5 a 8 milhões de toneladas de demanda. Os choques climáticos são o fator imprevisível nesse sistema, e eles forçam a China a manter planos B e fornecedores alternativos.
Muitos analistas falam em "desglobalização". O senhor concorda? Como essa tendência afeta o comércio agrícola global?
Wendong Zhang: Eu chamaria de desglobalização seletiva ou estratégica. Os países ainda comercializam, mas estão mais cautelosos agora. Após a pandemia, a guerra na Ucrânia e as tarifas EUA-China, as nações importadoras de alimentos estão repensando os riscos. O comportamento de compra da China - construindo estoques, diversificando fornecedores, investindo em logística - mostra uma clara mudança do comércio baseado na busca pelo menor preço para um comércio baseado em segurança. É um padrão que espero que continue. Essa nova lógica mudou fundamentalmente os fluxos globais. Em 2024, a China importou quase 9 milhões de toneladas da Argentina, Uruguai e Rússia - países que vendiam muito menos há uma década. E não são apenas as importações - a China também está investindo em alternativas proteicas e aumentando a produção doméstica de soja. O resultado é um sistema mais flexível e menos dependente dos EUA. Mesmo que as tarifas desapareçam, não espero que a China retorne aos padrões de compra anteriores a 2017 tão cedo. Nossas simulações mostram que a guerra tarifária custou cerca de 2,5% do PIB aos EUA e ainda mais à China. As exportações agrícolas norte-americanas caíram mais de US$ 25 bilhões entre 2018 e 2020. Os estados do Meio Oeste norte-americano, onde se concentra a produção de soja, foram os mais afetados, mesmo com os pagamentos do governo. As tarifas chamaram atenção para os desequilíbrios comerciais? Sim. Mas trouxeram mudança estrutural na China? Não, longe disso. No final, os agricultores norte-americanos pagaram um preço alto por uma mensagem política.
Fonte: Broadcast Agro.