28/Feb/2025
Uma semana após o governo federal manter a mistura do biodiesel ao óleo diesel em 14%, o setor produtivo pede ao Executivo a rápida reavaliação da retomada do cronograma de aumento do teor obrigatório para minimizar eventuais impactos à indústria. O argumento da indústria é que a maior safra de soja colhida neste ano levará ao aumento do esmagamento do grão pelos processadores e, consequentemente, maior oferta de óleo de soja no mercado doméstico. O óleo vegetal é utilizado tanto para alimentação, o óleo de cozinha, quanto para a produção de biodiesel, 75% da matéria-prima é óleo de soja. O óleo de soja já está em trajetória de queda caminhando para acomodação, ao mesmo tempo que o preço do biodiesel também cai.
A elevação da mistura obrigatória para 15% não ensejará inflação de alimentos ou de combustíveis, avalia o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar. Não há motivo para o governo se preocupar com o impacto do aumento da mistura do biodiesel ao óleo diesel no preço do óleo de cozinha, sobretudo no 1º semestre quando há o pico na oferta de soja para a indústria. O Executivo alegou que vai manter a mistura do biodiesel ao óleo diesel em 14% até ver uma queda significativa do preço do óleo de soja no varejo. O governo superestimou o efeito do aumento da mistura do biodiesel ao óleo diesel para 15% na inflação.
O preço do óleo de soja já está caindo, da forma que o governo queria, embora, em cenário de elevada disponibilidade do grão e maior esmagamento, o preço do biodiesel não influencie o preço do óleo de soja envasado e vice-versa. Agora, a indústria pede que a decisão seja reavaliada o mais breve possível no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para que a programação de esmagamento seja cumprida e não trave investimentos previstos. Apesar de discordar da decisão do Executivo, o setor não vê retrocesso na política de valorização do biodiesel. O governo Lula trouxe a tão esperada previsibilidade ao biodiesel com aumento da mistura em 2023 e 2024 e inclusão na lei do Combustível do Futuro. Segue a entrevista:
O óleo de soja foi um dos principais vilões da inflação de alimentos em 2024, com alta de 29%. Qual é a perspectiva da indústria para 2025? O preço do óleo de soja de cozinha deve cair em relação a 2024?
André Nassar: O preço do óleo de soja caiu 0,87% em janeiro, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e em fevereiro acumula outra queda de 1,96%, conforme o IPCA 15 (prévia). Acreditamos que o preço do óleo de soja no supermercado vai cair porque tanto o preço da matéria-prima, o óleo degomado, quanto o do atacado, vendido pela indústria ao varejo, estão recuando. Outro motivo é que teremos muita soja disponível neste ano, cerca de 18 milhões de toneladas a mais de grão. No ano passado, o que fez o preço do óleo de soja subir no 2º semestre foi a menor safra de soja. A indústria precisou comprar soja no 2º semestre e esse produto estava mais caro, o que se refletiu em toda a cadeia. Além disso, havia uma percepção do mercado internacional de menor oferta de óleo, o que somado ao câmbio elevado, levou à valorização do óleo brasileiro no exterior, gerando um prêmio (ágio para exportação) pago sobre o produto. Em contrapartida neste ano, a tendência é de queda do preço, e já está caindo, para neutralizar o aumento que assistimos no 2º semestre do ano passado.
Qual a situação atual de oferta e consumo de óleo de soja no Brasil com a maior safra do grão? A produção é suficiente para atender ao consumo doméstico de óleo envasado, ao uso para biodiesel e também à exportação?
André Nassar: A indústria demonstra que vai aumentar o esmagamento de soja neste ano, para 57,5 milhões de toneladas e, com isso, vai produzir mais óleo. Esse incremento no esmagamento visa a atender ao crescimento do mercado de biodiesel e também ao crescimento do consumo doméstico. Estimamos que serão produzidos 11,45 milhões de toneladas de óleo de soja em 2025, sendo 3,8 milhões de toneladas destinados ao mercado alimentício e 6,7 milhões de toneladas para a produção de biodiesel. Para exportação, devem ser destinadas 1,1 milhão de toneladas e cerca de 500 mil toneladas tendem a ficar como estoque de um ano para outro. Portanto, há disponibilidade necessária de óleo de soja.
E o fator câmbio?
André Nassar: Calculamos que o câmbio foi responsável por metade do aumento do preço do óleo de soja observado no 2º semestre do ano passado. A outra metade deve-se à menor oferta de soja, o que fez o preço da oleaginosa subir e gerou impacto a toda cadeia. O preço da soja e dos derivados, negociados na Bolsa de Chicago, são muito influenciados pelo câmbio. Então, o dólar é muito determinante para os preços.
Com o pico da entrada da safra de soja no mercado em março e abril, a queda do preço do óleo de soja pode se acentuar ainda neste 1º trimestre?
André Nassar: A grande diferença neste ano é que não haverá impacto de inversão de preços no 2º semestre, porque há mais soja disponível. Não vemos o preço voltando aos níveis de 2023, mas tende a retomar a níveis próximos do 1º semestre de 2024 (valor mais baixo foi registrado em abril de 2024 a R$ 6,10 por litro no varejo ante R$ 6,91 por litro no início do mês), quando inclusive o preço do biodiesel estava equivalente ao do diesel e o preço do envasado não pressionava a inflação.
Recentemente o presidente Lula disse que queria entender se o biodiesel estava causando algum problema no preço do óleo de soja. Há uma disputa real entre biodiesel e óleo de soja de cozinha?
André Nassar: É intuitivo pensar que se há produção de determinada quantidade de óleo, com uso maior para biodiesel faltaria óleo para o mercado alimentício e faria o preço subir. Entretanto, em 2023 o governo elevou a mistura de biodiesel ao óleo diesel de 10% para 12% e não houve qualquer impacto no preço do óleo de soja no varejo. Em 2024, no 1º semestre, a mistura foi elevada novamente de 12% para 14% e também não houve nenhum impacto no preço do óleo para alimentação. O impacto ocorreu no 2º semestre, por causa da quebra na safra de soja e à pressão adicional do câmbio.
Mas o governo manteve o B14, afirmando justamente que vai esperar uma queda significativa do preço do óleo de soja no varejo. O setor foi pego de surpresa?
André Nassar: Entendemos que havia visões diferentes dentro do governo e prevaleceu a visão de que era preciso esperar o preço do óleo de soja cair mais para elevar o cronograma de mistura. Como o preço já está caindo, espero que esses interlocutores que insistiam na questão da queda do preço reconheçam logo que as cotações estão cedendo e se movimentem para revisar a decisão. Acreditamos que essa decisão já pode ser revista, porque o preço já está caindo da forma que o governo queria, embora, em cenário de elevada disponibilidade do grão e maior esmagamento, o preço do biodiesel não influencie o preço do óleo de soja envasado e vice-versa. O nosso pedido é que o governo revise o porcentual de mistura obrigatória de biodiesel ao óleo diesel o mais rápido possível.
Então, não era necessário manter o B14 para esperar a queda do preço do óleo de soja?
André Nassar: Não era necessário. O próprio governo reconheceu que o óleo de soja já estava em queda, afirmando que a elevação da mistura interromperia essa trajetória. Se há entrada da safra de soja e não há pressão do câmbio, não haveria qualquer mudança na formação do preço do óleo envasado pelo aumento de um ponto porcentual na mistura, assim como o impacto ao preço final do diesel na bomba era muito pequeno, estimado entre R$ 0,01 e R$ 0,02 por litro. A elevação da mistura obrigatória para 15% não ensejará inflação de alimentos ou de combustíveis.
A indústria já estava preparada para aumentar a mistura para 15% a partir de 1º de março, com o cronograma anunciado há mais de um ano, e já havia se preparado com esmagamento para atender esse volume. Diante disso, quais impactos da manutenção em termos de prejuízos econômicos?
André Nassar: A manutenção é um sinal ruim para o setor privado, mas, a meu ver, as empresas tendem a esmagar maior volume de soja, em manter o compromisso em processar essa soja aqui no Brasil, em produzir o óleo e o farelo necessário. Entendo que, mesmo com a postergação do B15, a indústria vai manter o seu planejamento de processar maior volume de soja, o que vai acarretar maior oferta de óleo. A indústria já está pronta, e trabalhando com cenário de ampliar esmagamento e oferta de derivados de soja. Há uma preocupação agora com a demora para a retomada da mistura, porque há um processo lento de tomada de decisão dentro do governo. É preciso convocar uma reunião extraordinária do CNPE no máximo até abril e é preciso haver consenso - na última reunião ficou claro que houve divisão.
O setor vinha, de certa forma, traumatizado nos últimos anos com políticas que privilegiavam o preço do óleo diesel final na bomba em detrimento do uso do biodiesel na mistura. A manutenção do B14 agora pelo governo é um passo atrás na política de valorização do biodiesel? É um retrocesso?
André Nassar: Não vejo como um passo atrás, porque ouvimos do próprio presidente Lula o valor que ele dá para o biodiesel. O presidente Lula trouxe a discussão da questão da qualidade do biodiesel e enterrou esse assunto, um debate que era politizado para não deixar a mistura subir. O governo Lula trouxe a tão esperada previsibilidade ao biodiesel, elevando o teor de 10% para 12% e de 12% para 14%, além de apoiar a inclusão do biodiesel na Lei do Combustível do Futuro com metas para até B25. Acho que a direção do governo está claríssima. O governo continua apoiando o biodiesel, mas ficou circunstancialmente preocupado com a inflação. Foi um efeito superestimado olhando para a alta do passado e não para a queda do preço no presente e no curto prazo.
Qual será o impacto do B15 no preço do final do diesel ao consumidor, na bomba?
André Nassar: Calculávamos impacto entre R$ 0,01 e R$ 0,02 por litro de diesel com aumento da mistura. Como o preço do biodiesel está caindo desde o início do mês, o impacto tende a ser ainda menor, a depender também se o preço do diesel se mantiver constante. Vemos hoje um teto de R$ 0,015 por litro de diesel, um impacto limitado. (O preço médio do biodiesel praticado no País ficou em R$ 5,91 por litro ao fim da semana de 16 de fevereiro, e o do óleo diesel atingiu R$ 4,07 por litro, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)
Fonte: Broadcast Agro.