15/Oct/2024
A chamada moratória da soja, que proíbe desde 2008 a compra de grãos de áreas desmatadas da Amazônia, está sob fogo cerrado. Na semana passada, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso aprovou projeto de lei impedindo a concessão de incentivos fiscais e terrenos públicos a empresas que estiverem organizadas em acordos que restrinjam a competitividade do produto. O acordo em questão é a moratória da soja, e a medida atinge principalmente as empresas que comercializam o grão (tradings). O Estado é o maior produtor de soja do Brasil, com 40 milhões de toneladas anuais, e se inspirou em medida semelhante, já adotada por Rondônia, considerado um produtor pequeno, colhendo 2,1 milhões de toneladas do grão por ano. No Pará e em Tocantins, avançam iniciativas semelhantes. A mobilização começou também entre deputados estaduais do Amazonas, Roraima e Maranhão.
Para a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), que representa gigantes do agronegócio como Cargill, Bunge, ADM, AMaggi e Cofco, e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), atacar a moratória da soja vai prejudicar a imagem do Brasil no exterior e pode afetar as vendas do agronegócio. A discussão acontece em um momento delicado. Uma lei aprovada pela União Europeia, prevista para entrar em vigor no início do ano que vem (embora haja uma discussão para ser adiada em um ano), proíbe a entrada no bloco europeu de commodities produzidas em áreas desmatadas a partir de dezembro de 2020. Além disso, o Brasil vai sediar no ano que vem a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP-30), em Belém.
Em defesa do projeto aprovado pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso, os produtores de soja afirmam que os termos da chamada moratória da soja seriam restritivos demais, além do que determina o próprio Código Florestal, que permite a abertura de até 20% das áreas de floresta na Amazônia legal (ou seja, quem desmata dentro desse limite estaria de acordo com a legislação brasileira). O projeto ainda precisa ser sancionado e regulamentado pelo governador Mauro Mendes (União Brasil), que já se posicionou publicamente contra a moratória da soja. Em vigor desde 2008, a moratória da soja faz parte de um acordo internacional celebrado em 2006 entre os representantes das grandes indústrias e tradings do setor para não comercializar a soja produzida em áreas da Amazônia. O monitoramento dessas áreas é feito por satélite e flagra desmatamentos com mais de 25 hectares (o equivalente a 25 campos de futebol).
Pelo acordo, sete Estados da Amazônia legal brasileira são monitorados. A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) espera que não haja nenhum veto. De iniciativa do deputado Gilberto Cattani (PL), o projeto de lei aprovado dispõe que as empresas que estiverem organizadas em acordos ou tratados que restrinjam a competitividade do produto e a oferta desse produto ou criem obstáculo para a livre iniciativa não farão jus aos incentivos e à concessão dos terrenos públicos. O texto mira especialmente as tradings, que vendem a soja brasileira para o exterior, e se assemelha ao aprovado pela Assembleia Legislativa de Rondônia no dia 4 de junho, e já sancionado. Os deputados favoráveis ao projeto de Rondônia alegaram que o objetivo seria “promover a livre iniciativa, o desenvolvimento dos municípios e a redução das desigualdades sociais”, mas não estabeleceram a relação dessas metas com a retirada de incentivos a empresas que seguem o pacto.
Com a lei em vigor, as empresas interessadas em obter os incentivos, como redução de impostos, crédito subsidiado e cessão de terras, deverão apresentar com o requerimento uma declaração afirmando que não participam de acordos ou compromissos que limitem a produção. A falsidade ou inexatidão da declaração sujeitará as empresas a “penalidades severas”, incluindo a revogação imediata dos benefícios, a devolução dos recursos ao Estado e indenização pelo uso indevido. Para a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), projeto aprovado pelos deputados de Mato Grosso opõem produtores a exportadores. A moratória da soja é determinante, até os dias de hoje, para evitar o desmatamento da Amazônia. Nestes 18 anos de vida, aparece como o único programa em curso que se revelou capaz de evitar o desflorestamento, segundo estudo conduzido por grupo mundial de cientistas avalizado por Oxford.
Essa é uma conquista do Brasil, onde o produtor brasileiro teve papel preponderante na sua efetivação porque revelou-se capaz de cumprir regras internacionais de preservação. As iniciativas contra a moratória podem afetar a imagem do agro brasileiro no exterior. Opor-se a esses 18 anos de luta parece um risco enorme, capaz de comprometer a imagem do País, de grande provedor de alimento para o mundo. Para a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), se o projeto for sancionado pelo governador pode levar a uma migração de empresas para outros Estados. Em Mato Grosso, o impacto pode ser muito grande. É o Estado com maior capacidade de processamento de soja, com muitos investimentos de empresas. Perder o incentivo fiscal pode colocar em risco a operação das empresas.
Sobre o argumento apresentado pelos produtores de soja de que o acordo está acima do Código Florestal, a Abiove lembrou que o acordo não foi pautado pela legislação. A moratória da soja nunca foi uma iniciativa para o desmatamento legal, sempre foi para o desmatamento zero. Quando ela foi criada, não tinha o código atual e havia desmatamento muito alto na Amazônia. Quando veio o Código Florestal, foram feitos alguns ajustes, mas se optou por manter o desmatamento zero. De acordo com números da Abiove, depois do início da vigência da moratória da soja, em 2008, o desmatamento no bioma caiu drasticamente. A taxa de desmate em municípios amazônicos, que tinha média de 10,6 mil Km² por ano antes do pacto, caiu para menos de 3 mil Km² anuais após a moratória. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.