10/Sep/2024
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instaurou um inquérito administrativo para investigar se há manipulação de mercado pelas empresas exportadoras e processadoras de soja com a adoção da moratória da soja. O inquérito foi requerido pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. Não há previsão legal de conclusão do inquérito. A Comissão de Agricultura da Câmara pediu ao Cade a abertura de um inquérito administrativo para apurar a prática de manipulação de mercado referente a "acordos de não aquisição de produtos agropecuários", conforme documento enviado pela comissão ao Cade. O pedido não cita nominalmente a moratória da soja, que é especificada no requerimento anexo ao ofício que foi aprovado pelos deputados da comissão.
A moratória da soja é um pacto multissetorial, entre setor privado (tradings e compradores de grãos), organizações não governamentais e órgãos do governo, de não comercializar, financiar ou adquirir soja produzida em áreas desmatadas na Amazônia após 22 de julho de 2008, data da aprovação do Código Florestal Brasileiro. A comissão pede ao Cade, além da instauração do inquérito administrativo, a "suspensão imediata" da prática como medida preventiva e, posteriormente, a adequada punição às empresas. A comissão afirma que há "conduta ilegal" por parte das empresas com a moratória da soja e cita a "prática de cartel". O inquérito instaurado pelo Cade, que tem caráter sigiloso, é uma apuração preliminar e antecedente à investigação. Por exigência legal, pedidos encaminhados pelo Congresso precisam ser apurados pelo órgão antitruste. Na prática, nessa fase, o Cade vai avaliar se existe questão concorrencial a ser investigada posteriormente pelo colegiado.
O requerimento alega que há possível infração à ordem econômica referente aos acordos, o que pode violar o artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, conhecida como lei da concorrência brasileira, além de violar a livre iniciativa, o direito de propriedade e o desenvolvimento sustentável. “Disfarçado sob o véu de preocupação ambiental, a moratória da soja pode estar sendo utilizada oportunisticamente como instrumento para atender a exclusivos interesses econômicos de suas signatárias e de burla à autoridade e às normas concorrenciais", justificou. Não há isenção legal antitruste por razões de ordem ambiental. Ainda, a moratória pune quem produz em áreas desmatadas após 2008, mesmo que a abertura de área respeite a legislação e tenha autorização prévia. Um "acordo privado" entre concorrentes tem funcionado como política gestora do bioma amazônico, estando "inconsistente" com o ordenamento jurídico-econômico.
O acordo privado é consideravelmente mais rigoroso que o Código Florestal, no que concerne à preservação do meio ambiente, injustificadamente. Ademais, sua implementação, ao longo de todos esses anos, tem revelado prática comercial discriminatória. O Código Florestal determina que propriedades rurais na Amazônia Legal devem possuir 80% de reserva legal em áreas de floresta, 35% em áreas de cerrado, 20% em áreas de campos gerais. Nas demais regiões do País, o porcentual mínimo obrigatório de reserva legal é de 20%. A prática de mercado tem gerado obstáculos para obtenção de financiamento e comercialização da produção a sojicultores que estão produzindo dentro da legalidade e em observância às normas do Código Florestal. No caso do acordo comercial em questão, a elevada participação de mercado das empresas envolvidas, associada à implementação de exigências lineares entre elas para aquisição de grãos, apontam para uma prática potencialmente violadora das normas concorrenciais, acusa o requerimento, mencionado que a moratória "elimina parcela substancial da concorrência".
"Vetar o cultivo de uma cultura por acordo comercial que atende interesses diferentes do Brasil, considerando sua soberania, mostra-se extremamente preocupante", conclui o requerimento. Produtores e empresas discordam quanto à moratória; indústria vê risco de retaliação O pedido de investigação da Comissão de Agricultura ao órgão antitruste é apoiado por entidades que representam os produtores rurais, como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil). A Aprosoja Brasil afirmou que desconhece a instauração do inquérito e que, havendo abertura para entrada de terceiros interessados, pretende se habilitar para acompanhar a investigação. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) vai solicitar a entrada no inquérito como parte interessada. Os produtores elevaram o tom contra a moratória da soja neste ano, pedindo a suspensão da prática pela indústria e alegando que o acordo fere o Código Florestal Brasileiro, que permite a supressão vegetal de determinados percentuais de área por bioma.
Produtores, sobretudo de Mato Grosso, acionaram o Legislativo estadual e federal contra a medida. O tema foi alvo de audiência pública na Câmara dos Deputados. A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) esclarece que a moratória é um pacto multissetorial, entre empresas, organizações da sociedade civil e avalizada pelo Ministério do Meio Ambiente, entre outros órgãos ambientais do governo, portanto não se tratando de um "acordo privado". Trinta empresas são signatárias do acordo, entre multinacionais e grupos nacionais. A entidade, que representa a indústria processadora de soja, nega as acusações de manipulação de mercado pela moratória, problemas concorrenciais ou de prática de cartel. "É uma iniciativa multissetorial envolvendo a sociedade civil, para a qual os produtores foram convidados para participar. O pacto tem a governança, operação e compliance geridos pelo Grupo de Trabalho da Soja (GTS), com publicação 100% transparente dos resultados, visando à preservação do mercado de exportação de soja e derivados e do meio ambiente", afirmou a Abiove.
A Abiove refuta o argumento de que a moratória limita a expansão do cultivo de soja no bioma amazônico e tenha impedido o avanço do desenvolvimento agrícola da região. Dados do Grupo de Trabalho da Soja mostram que na safra 2006/2007, anterior ao Código Florestal e à moratória, havia 1,41 milhão de hectares plantados com a oleaginosa na Amazônia Legal. Na temporada 2022/2023, conforme os dados mais recentes, foram registrados 7,43 milhões de hectares com soja no bioma amazônico. Portanto, na vigência da moratória da soja, a área plantada aumentou 6 milhões de hectares. De que forma que a moratória não prejudicou a expansão. Talvez tenha, sim, garantido mercado para assegurar a expansão. A moratória protegeu o mercado da soja desde sua adoção e viabilizou o crescimento das lavouras com uma gestão territorial. Nos municípios monitorados pelo pacto multissetorial, houve uma queda de 3,2 vezes no desfloramento desde a adoção da moratória, revelam os dados.
Para a Abiove, há risco de retaliação dos importadores internacionais em caso de uma eventual uma suspensão da moratória. O mercado europeu já tomou sua decisão de desmatamento zero nas importações. Hoje, a China, principal destino da soja brasileira, consulta se o exportador é signatário da moratória. Se cai essa política, não será assegurado que o grão não provém de áreas desmatadas da Amazônia. Para a Abiove, há um risco enorme de retaliação e de perda de acesso a mercados importantes. A moratória garante a imagem da soja brasileira no exterior. A Abiove, citada no requerimento de abertura de inquérito, ainda não foi notificada pelo órgão antitruste. A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) também informou que não foi notificada pelo Cade sobre a abertura do inquérito até o momento. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.