15/Feb/2024
As diferenças nas estimativas de produção de soja desta safra estão gerando grandes controvérsias. Se ao final do ciclo o volume produzido for da ordem de grandeza defendida pelas associações de produtores, que significa 25 milhões de toneladas de quebra em relação às estimativas feitas no plantio, a lição apreendida será que não estamos preparados para avaliar impacto de clima intenso na evolução da lavoura. Caso se confirmem quebras inferiores, mais em linha com as estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ou da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), não haverá motivo para se questionar os métodos hoje utilizados de previsão. Menos do que uma controvérsia de impacto das estimativas nos preços, a contenda deveria ser no sentido de reavaliar os métodos de previsão em situação de clima muito desfavorável que, aliás, parece estar acontecendo com maior frequência. No último dia 8 de fevereiro, a Conab soltou o quinto levantamento de produção, área e produtividade para a safra 2023/2024.
Para a soja no Brasil a companhia trouxe: 149,4 milhões de toneladas de produção, 45,09 milhões de hectares e 3,31 toneladas por hectare de produtividade. No primeiro levantamento, feito em outubro de 2023, as estimativas eram: 162, 45,2 e 3,6. No segundo, de novembro, a Conab chegou a sinalizar que a safra seria maior e trouxe pequeno aumento comparativamente à estimativa anterior. A partir do terceiro levantamento (dezembro) começou a trajetória de revisões para baixo, com 160,2 milhões de toneladas de produção, 155,27 no quarto e os 149,4 do último. Ponta a ponta, a Conab reduziu em quase 11 milhões de toneladas. As estimativas da Abiove também foram revisadas para baixo em todas as divulgações. Tínhamos 160,3 milhões de toneladas em dezembro e revisamos para 156,1 agora em fevereiro. Na primeira estimativa, divulgada em novembro, chegamos a falar em 164 milhões de toneladas. Ponta a ponta a Abiove reduziu em 8 milhões de toneladas. Os produtores rurais fizeram levantamentos por meio de suas entidades estaduais e no início de 2024 informam que a safra de soja será de 137 milhões de toneladas, bem inferior aos números da Conab e da Abiove.
Muitos dos interlocutores dos produtores rurais têm afirmado que o erro nas estimativas está custando caro para o Brasil pois gerou uma expectativa negativa no mercado, reduzindo os preços em USD e mantendo o basis negativo para o produto brasileiro. Vale lembrar que os preços em USD caíram em todos os produtos da cadeia da soja: grão, óleo (que foi o que mais caiu) e farelo. Se compararmos os preços de hoje com os do início de 2022 (quando tivemos o pico mais recente), as quedas foram de 24% na soja, 50% no óleo de soja e 18% no farelo. Uma medida bastante utilizada para avaliar o nível de abastecimento do mercado e, consequentemente, servindo de medida fundamentalista para formação de preços, é a relação estoque final/uso. Como se trata de preços em USD que servem de formação de preço para os exportadores, avaliamos o estoque/uso global. Os dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) mostram o seguinte: 27%, 28,4% e 30,3% para as safras 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024 (estimativa para a safra corrente).
Isto significa que a queda dos preços da soja se explicaria pela recuperação dos estoques relativamente à demanda. Havendo mais crescimento, é esperado que os preços caiam. O estoque/uso de 30,3% tem uma safra brasileira estimada pelo USDA de 156 milhões de toneladas (a mesma da Abiove). Caso a safra venha a ser de 137 milhões de toneladas, conforme levantamento dos produtores, tudo mantido constante, a relação estoque/uso cairia para 25,3%, ou seja, inferior à safra 2021/22, quando tivemos recordes de preços. Contudo, se usarmos a projeção da Conab, chegamos em 28,4%, semelhante à safra passada. O USDA projeta que a safra argentina vai ser de 50 milhões de toneladas, o dobro da do ano passado (25 milhões de toneladas). A recuperação argentina, nesse raciocínio, estaria compensando a quebra da safra brasileira, caso ela esteja no nível do divulgado pelos produtores, ou mais do que compensando, se a safra for no nível da última estimativa da Conab. Os preços em USD, assim, refletem um nível de safra brasileira mais em linha com Conab e Abiove do que com as estimativas dos produtores. De fato, se for do tamanho do projetado pelos produtores, os preços em USD deveriam começar a reagir logo.
No entanto, a colheita já está bem avançada no Brasil, com mais de 40% colhidos em Mato Grosso, conforme informação do Instituto Mato-Grossense De Economia Agropecuária (Imea). Assim, nessa altura da colheita, as projeções já deveriam refletir com maior precisão a real safra a ser colhida. No entanto, como disse, a diferença para a estimativa dos produtores continua muito elevada. Para se ter uma ideia, Imea, que é um instituto especializado em Mato Grosso, e Conab possuem estimativas semelhantes para o Estado, ao redor de 38,5 milhões de toneladas. Os 137 milhões de toneladas dos produtores devem trazer uma safra em MT menor do que isso. Assim, estatisticamente aumenta a chance de o último levantamento da Conab representar a ordem de grandeza da produção quando a colheita em todo o Brasil terminar. Nesse caso, o estoque/uso na safra 2023/24 ficará em nível semelhante à safra passada e, portanto, mais alto do que na safra 2021/2022. Nesse cenário, os preços este ano não deveriam estar mais baixos do que os do ano passado. Mas estão. Dado que janeiro contra janeiro temos preços em USD mais baixos em 12,6%, 28,1% e 18,4% para soja, óleo de soja e farelo de soja. Uma explicação seria a menor demanda.
Os dados do USDA não mostram isso pois estimam importações mais elevadas na safra 2023/2024 (167,85 milhões de toneladas) contra 2022/2023 (164,38 milhões de toneladas). Mas o crescimento da demanda, 2,4% com base nas importações, é menor do que o crescimento de produção de 3,5%, já usando a nova estimativa da Conab para o Brasil. Melhor dizendo, a oferta está crescendo mais do que a demanda caso a safra brasileira seja de 149 milhões de toneladas. Isso explica menores preços. Além disso, a capacidade de crescimento do Brasil deve estar influenciando os preços. Ou seja, mesmo com a quebra, a área plantada cresceu 1 milhão de hectares de 2022/2023 para 2023/2024 e impressionantes 2,5 milhões de hectares de 2021/2022 para 2022/2023. O mercado já entendeu que o ímpeto de crescimento do País em área é muito grande. Faz 17 safras que a área plantada de soja no Brasil só cresce. As diferenças nas estimativas de produção de soja, e eu reconheço que a Abiove está no meio do debate porque também coloca suas estimativas, gerou grandes controvérsias.
Acusações foram feitas e teorias da conspiração foram aventadas. No entanto, diante de um intervalo tão grande de 137 milhões de toneladas para 156 milhões de toneladas em pleno fevereiro, é natural que as queixas e teorias venham à tona. Afinal, a incerteza para os produtores rurais é elevada e a tomada de decisão de venda ficou complexa, dado que pouco foi vendido de forma antecipada no pré-plantio e no cultivo. Não tem como acertar preço. O mercado é muito líquido e pulverizado e, apesar das teorias conspiracionistas, ninguém o controla. Mas essa enorme incerteza em relação às projeções de safra não é boa para os produtores e para a indústria da soja. Se a produção for semelhante à atual estimativa da Conab, a variação da primeira para a última estimativa, levando em conta os eventos climáticos do final de 2023, é aceitável na minha opinião. Mas se se confirmar a safra na ordem de grandeza dos produtores, teremos um problema sério para resolver. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.