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16/Oct/2023

Brasil e Índia firmam parceria no setor de oleaginosas

Estive em Mumbai, Índia, no final do mês de setembro por duas razões. A primeira é a parceria firmada entre a Abiove e a Solvent Extractor's Association of India (SEA), a associação local que representa os esmagadores de oleaginosas e refinadores de óleo vegetal. A segunda foi para participar do Globoil 2023, evento destinado a discutir vários aspectos do mercado indiano de óleos vegetais e, também, da Ásia como um todo até pela proximidade geográfica e de modelo de negócios entre os países. A Índia é o segundo maior consumidor de óleos vegetais do mundo, atrás apenas da China. Seu consumo é predominantemente para cozimento e alimentação. Países como Estados Unidos, Indonésia e Brasil são grandes consumidores também, mas uma parcela relevante se destina à produção de biocombustíveis, o que não é o caso da Índia. Do ponto de vista de consumo, óleo de palma é o primeiro, seguido de soja, mostarda (semelhante a canola) e girassol.

A Índia tem autossuficiência na produção de óleo (produção doméstica frente ao consumo) de 35% apenas, ou seja, é um grande importador mundial. Alguns pontos chamaram a minha atenção na interação com os indianos, os quais exponho neste artigo. Começo destacando a boa qualidade das mesas de discussão, debates e apresentações feitas no evento. É comum irmos a eventos em que o único propósito deles é o networking, ficando as apresentações e mesas de discussão em segundo plano. Este não foi o caso. Os painéis foram interessantes e valiam a pena ser assistidos. E quanto às palestras, em parte por interesse pessoal de conhecer melhor o mercado da Índia, foram o ponto forte. As exposições sobre perspectivas tanto do mercado indiano como do mercado global de óleos vegetais foram de ótima qualidade, cheias de números e projeções. Outro ponto que vale ressaltar é a visão indiana com respeito ao Brasil, como exportador de óleos vegetais para aquele país.

A Índia demonstrou de forma clara a intenção de diversificar fornecedores de óleo vegetal e, nesse sentido, tem insistido que o Brasil deveria ocupar um lugar nesse processo de diversificação. Não é um papel óbvio, pelas razões que apresentarei a seguir, mas é um relacionamento institucional que precisa ser semeado dado o tamanho do mercado indiano, hoje já com população maior do que a China. O Brasil não é um tradicional exportador de óleos vegetais. No entanto, nos últimos três anos, por conta de uma estabilização da demanda doméstica por biodiesel, aumento dos preços dos óleos vegetais no mercado internacional, e eventos negativos na oferta de tradicionais exportadores, tais como Ucrânia e Rússia (óleo de girassol) e Argentina (óleo de soja), o Brasil passou a direcionar mais da sua produção de óleo de soja para fora. Em 2020, o Brasil exportou 1,1 milhão de toneladas de óleo de soja. Em 2022, 2,6 milhões, portanto mais do que duplicou. Na Abiove, projetamos exportações em 2023 de 2,5 milhões de toneladas, muito próximo de 2022.

Só que 2023 tem duas características diferentes: o teor de biodiesel aumentou no Brasil, o que demonstra que a indústria de esmagamento de soja trabalhou para ter disponibilidade de óleo para atender o crescimento da mistura e a manutenção das exportações, o que é ótima notícia. Deu força à indústria de esmagamento brasileira neste ano a perda de safra na Argentina, o que estimulou nossas empresas a cobrirem os mercados globais de óleo e farelo de soja. Assim, mesmo que na safra 2023/2024 a Argentina recupere sua produção de soja e volte a exportar óleo e farelo em níveis normais, se o Brasil também tiver uma safra grande de soja, a intenção da indústria de esmagamento brasileira é processar soja para sustentar as exportações de óleo em 2024, tendo a Índia como grande mercado consumidor do nosso produto. Adicionalmente, nosso setor tem pleiteado a antecipação do aumento do teor de biodiesel para 15% em março de 2024, no lugar de 13% conforme já aprovado por resolução do Conselho Nacional de Política Energética.

Esse movimento de buscar maior demanda para o óleo vegetal brasileiro via exportações para Índia e via mercado interno com biodiesel está justificado pelo grande crescimento do esmagamento observado nos últimos três anos de 14%. O terceiro ponto é a enorme proximidade comercial e institucional que a Índia possui com os grandes produtores de óleo de palma, Indonésia e Malásia. Tanto empresários, quanto autoridades governamentais destes países estiveram presentes, participaram dos painéis e fizeram apresentações. Ficou claro, também, que há investimentos indianos nestes países, demonstrando a busca por segurança de fornecimento de óleo vegetal. Com respeito às palestras sobre mercado, observo os seguintes aspectos. Há consenso de que o consumo per capita de óleos vegetais vai continuar a crescer na Índia. As estimativas apresentadas apontam para incremento entre 2,5 e 4 Kg/habitante para os próximos sete anos, junto com um crescimento populacional de 1% ao ano. Ou seja, entre 4 e 6,5 milhões a mais de toneladas de consumo.

É um grande volume adicional que terá que ser abastecido, em grande parte, pelo mercado internacional. Do lado da oferta, predomina a visão de que a de óleo de palma não vai crescer nos próximos três anos devido à maior destinação para biodiesel (sobretudo na Indonésia), estagnação da área plantada, por conta dos requisitos de zero desmatamento e replantio de palma. A mensagem, então, é que a Índia vai precisar de mais óleo vegetal e o crescimento não virá da palma. Nos dois últimos anos, o óleo que mais ganhou mercado na Índia foi o de girassol, fruto da guerra Ucrânia-Rússia. Ambos os países estão, por razões distintas, com dificuldade de escoar sua produção, e o fizeram para o mercado indiano. Assim, o óleo de girassol se transformou na opção preferida pelos indianos por ter menor custo de importação. De fato, as palestras do evento demonstraram que as melhores margens de refino para a indústria indiana estão no óleo de girassol, com margens negativas para óleos de soja e de palma.

Isso deve estimular uma ainda maior demanda por óleo de girassol. Contudo, trata-se de um efeito conjuntural que muda muito rapidamente de acordo com as condições de oferta. Ao mesmo tempo, a análise dos indianos sobre o mercado de óleo de soja vai na direção de que Estados Unidos e Brasil vão aumentar o consumo para biodiesel, diesel verde e bioqav. Mas eles analisam que os Estados Unidos não têm potencial de crescimento na produção de soja. Embora o processamento da oleaginosa vá crescer nos Estados Unidos, a oferta está limitada. Já do lado do Brasil, e acho que minha apresentação ajudou os indianos a formarem opinião, a visão é que a soja vai continuar crescendo e que a indústria de processamento no Brasil está pronta para aumentar a oferta de óleo desde que os incentivos corretos de mercado ocorram, gerando margens positivas de esmagamento. Daí meu discurso de que estimular biodiesel no Brasil vai ajudar os indianos, pois mais soja será processada, e mais óleo estará disponível para ambos, biodiesel e Índia. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.