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09/Fev/2023

Transporte rodoviário: mudanças desagradam setor

A experiência na Abiove tem me mostrado que é relativamente comum termos surpresas não esperadas e negativas dos Executivos federal ou estadual no fim do ano. Em cinco anos, tive três surpresas deste tipo, o que considero um número elevado. Mas a virada de 2022 para 2023 foi a pior delas. Vamos lembrar da primeira negativa, foi em 2020, com a sanção da Lei 14.112 que alterou a lei de falências e recuperação judicial e modificou a lei da Cédula de Produto Rural (CPR). A lei foi aprovada com um dispositivo importante para o mercado de financiamento e compra antecipada de produtos agropecuários tornando a CPR extraconcursal, mas, na sanção, a Presidência da República vetou esse dispositivo. O presente veio em 24/12/2020. Afirmei que a virada deste ano foi a pior delas porque recebemos duas surpresas negativas. A primeira foi a legislação do Estado de Goiás criando o Fundeinfra. O fundo foi, em certa medida, inspirado em fundos semelhantes criados pelos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

A intenção do Fundeinfra é arrecadar do produtor rural um valor sobre o volume vendido de algumas commodities agrícolas, sendo a soja presenteada com a maior alíquota de taxação. Esses fundos são formas de contornar a Lei Kandir, aquela que desonerou exportações, mas revestidos por boas intenções, já que a arrecadação se destina a obras de infraestrutura, o que gera apelo positivo para eles, embora seja muito negativo para o produtor rural e para os compradores. Cada fundo novo que chega, como é o caso do Fundeinfra, vem com um dispositivo novo que, além de taxar a produção, cria incertezas para a cadeia de suprimento. Neste caso, o comprador é o substituto tributário, ficando responsável pela retenção. Mas quando a soja é exportada, há margens na legislação para se interpretar que o exportador é o responsável pelo recolhimento, não apenas o substituto tributário.

Claro que esse comando cria grandes riscos para os compradores porque seus fornecedores, ou seja, os produtores, que é quem o fundo quer taxar, contestam a retenção. O Fundeinfra de Goiás veio no fim do ano, mas o assunto vinha sendo discutido na assembleia legislativa de Goiás há algum tempo. Assim, foi uma surpresa sua aprovação, mas não sua intenção. A surpresa negativa totalmente inesperada foi a Medida Provisória 1.153, de 29/12/2022. Essa saiu da cartola como mágica. Mesmo o fim do governo não foi suficiente para inibir seu envio. Essa MP altera a Lei 11.442/2007, que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros. O transporte de soja, farelo de soja e de milho, que é um dos negócios principais das associadas da Abiove, é grande utilizador de transporte rodoviário de cargas. Todo tipo de mudança legislativa que reduza competição nesse setor, ou que dê condições de operação para as transportadoras melhores relativamente às condições dadas aos embarcadores (contratantes de serviços rodoviários), é do nosso interesse.

É o caso desta MP, pois coloca os embarcadores em condições de desvantagem em relação aos transportadores. Esta medida tira, lembrando que MP tem força de lei, toda e qualquer possibilidade do contratante do serviço de transporte, ou seja, o embarcador, de estimular ou negociar condições de seguro obrigatório de carga e dá todos os poderes ao transportador para contratar tal seguro. Em meu entendimento, com esse dispositivo, a MP coloca efetivamente o embarcador em posição desigual relativamente ao transportador. A vigência desta medida promove vários efeitos negativos para os contratantes de serviços de frete. O primeiro é que levará a aumento do custo do frete, quando disciplina que caberá exclusivamente ao transportador a escolha da seguradora, vedada a estipulação das condições e características da apólice por parte do contratante do serviço de transporte. Isto é, o dono da carga não tem ferramentas para determinar o tipo de seguro que necessita nem tem possibilidade de negociar seu custo, mesmo que seja ele quem vai pagar.

Segundo, deverá levar a aumento da sinistralidade, consubstanciada no incremento exponencial de roubo, furto e fraudes nos transportes de cargas, quando determina que, no caso de aquisição de coberturas de seguro adicionais contra riscos já cobertos pelas apólices do transportador, o contratante do serviço de transporte não poderá vincular o transportador ao cumprimento de obrigações operacionais associadas à prestação deste tipo de serviços, inclusive as previstas nos Planos de Gerenciamento de Riscos - PGR, impossibilitando assim a atuação regressiva contra os transportadores. Por fim, traz imediato impacto negativo nos grupos econômicos que detêm empresas próprias de transportes, uma vez que fica vedado ao contratante ou subcontratante dos serviços de transporte de cargas atuar, na mesma operação, como administrador desses serviços, de forma direta ou indireta, inclusive por meio de empresa à qual esteja vinculado como administrador ou sócio ou que integre o mesmo grupo econômico, proibição essa que, em nossa compreensão, expressamente viola o artigo 170 da Constituição Federal.

Adicionalmente, nossa avaliação é que é impossível operacionalmente implementar sistemas para atender os prazos estabelecidos pela MP, além dos seus claros, como descrito acima, efeitos negativos para a economia brasileira. Por fim, é preciso refletir sobre a oportunidade de se colocar tal modificação, ou seja, no procedimento de contratação de seguro obrigatório, por meio de medida provisória. Há diversas normas infralegais que decorrem da lei que regulam a obrigatoriedade de contratação de seguro. MPs são dispositivos legais incertos, pois ainda tramitarão no Congresso Nacional, com altas chances de serem alteradas e chances razoáveis de nem serem apreciadas. No caso específico do seguro obrigatório de cargas, o período de tramitação não justifica fazer alterações em normas infralegais, gerando grande incerteza no mercado.

Por mais nebulosas que possam ter sido as condições de planejamento e preparação desta MP, e devem ter sido, pois ela veio ao mundo no dia 29 de dezembro de um final de governo, não me cabe aqui olhar para trás pelo retrovisor. Nossa obrigação é olhar para frente e atuar para resolver os problemas que prejudicam a competitividade do transporte rodoviário de cargas. A única solução viável que enxergamos para esse texto legal é sua revogação integral para todos os dispositivos que alteram a Lei 11.442 de 2007. É nessa direção que estamos trabalhando e estamos convencidos de que nossos argumentos são fortes o suficiente para motivar a revogação desta MP. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.