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15/Set/2022

UE pode banir soja da produção de biocombustíveis

O Parlamento Europeu vai promover mudanças na Diretiva de Biocombustíveis da União Europeia (UE), conhecida por RED (Renewable Energy Directive). A votação no Parlamento das mudanças em discussão aconteceu nesta quarta-feira (14/09). Foi votada uma proposta bastante prejudicial à soja, que comprova que a discussão sobre biocombustíveis na UE é totalmente politizada e não orientada por argumentos técnicos. Se aprovada, a soja será classificada como uma lavoura de alto risco de provocar mudança indireta no uso da terra e, assim, será banida como matéria-prima para produção de biocombustíveis. Ou seja, indústrias europeias produtoras de biodiesel, HVO (diesel verde) ou SAF (bioquerosene de aviação) não poderão utilizar óleo de soja como matéria-prima, terão a opção de utilizar resíduos animais, óleo de canola, óleo de girassol, óleo de cozinha usado, mas não óleo de soja. O derivado de soja cairá na mesma classificação do óleo de palma, que já está banido desde a última revisão da RED em 2018.

Quando a RED foi lançada, em 2009, houve um grande debate sobre o iLUC (efeito indireto no uso da terra). A orientação política era que a União Europeia não admitiria matérias-primas de base agrícola na produção de biocombustíveis que promovessem desmatamento. Na época, a União Europeia não conseguiu desenvolver critérios técnicos para avaliar o iLUC e optou por não definir políticas apenas com base em modelos de equilíbrio de mercado. A decisão, assim, ficou postergada. Na revisão de 2018, a União Europeia decidiu desenvolver um método simples e intuitivo para medir o iLUC das matérias-primas de base agrícola. Como já se sabia que a medição por meio de modelos de equilíbrio trazia muita incerteza, foi criado o conceito de risco de iLUC, e definido que lavouras com este potencial elevado seriam banidas da RED. Esta revisão definiu que lavouras com expansão ocorrendo até 10% em áreas com alto estoque de carbono seriam consideradas de baixo risco de iLUC, e aquelas com expansão acima disso classificadas como de alto risco.

Conforme mencionado, apenas a palma caiu no grupo acima dos 10%. Os resultados obtidos em 2018 foram: 8% para soja (baixo risco), 23% para palma (alto risco), nenhum número foi estimado para cana-de-açúcar e milho, sendo atribuído baixo risco. Importante explicar que a RED estabeleceu risco de iLUC para lavouras, não para regiões. Assim, a palma foi banida como matéria-prima independentemente de onde ela foi produzida. Se o mesmo ocorrer com a soja, as sojas do Brasil, dos Estados Unidos, da Argentina e do Paraguai serão banidas. O racional que justifica os 10% de limite foi o seguinte: a Comissão Europeia estimou que a redução de emissões promovida por biocombustíveis é mais do que compensada por emissões pela conversão de áreas com alto estoque de carbono quando a relação é de 14%. Ou seja, se na expansão de uma lavoura, 14% ocorrer sobre área de alto teor de carbono, as emissões associadas a este porcentual neutralizam a redução das emissões no tanque de combustível ao substituir fóssil.

A Comissão Europeia, assim, disse que seria conservadora e adotaria 10% para se garantir. A RED voltou a ser discutida no Parlamento Europeu em 2022. Esse debate abriu espaço para a apresentação de uma emenda sugerindo a mudança do limite estabelecido em 2018 de 10% para 7,9%. Essa emenda foi aprovada no Comitê responsável pelo assunto. Na justificativa da emenda, fica claro que não há base técnica para a redução proposta. E, observando os resultados de 2018 para a percentagem de expansão sobre áreas com alto estoque de carbono, já mencionadas acima (8% para soja), observa-se que a intenção do Parlamento Europeu foi adicionar, de forma deliberada, mais uma matéria-prima no grupo dos banidos. Sendo assim, a soja se juntaria à palma. Em paralelo ao processo legislativo, a Comissão Europeia encomendou um estudo para revisar os cálculos de risco de iLUC por commodity (www.Iluc.guidehouse.com).

O estudo cumpriu sua fase 1 e está com consulta pública aberta para envio de críticas e sugestões. Esta etapa do estudo trouxe o cálculo da soja para 9,5%, aumentando o valor verificado pela Comissão Europeia na revisão de 2018 da RED. Essa é outra frente de batalha na qual o Brasil precisa atuar. A fórmula para cálculo de risco de iLUC em vigor na RED é bastante intuitiva. O estudo da Guidehouse calculou o seguinte para soja: expansão global da área de 2008 a 2019 de 25 milhões de hectares, sendo 2,4 milhões em áreas de floresta. O fator de produtividade da soja é assumido como 1. Assim, 2,4 dividido pelos 25 milhões de hectares, obtêm-se 9,5%. Deste modo, não apenas o percentual estabelecido na norma vai cair (de 10% para 7,9%), como o valor atribuído à soja pode subir a depender dos resultados da próxima fase do estudo da Guidehouse. Logo, a chance de a soja ser banida como matéria-prima para produção de biocombustíveis é muito alta. Sendo banida, nem mesmo biodiesel ou diesel verde produzidos no Brasil a partir de óleo de soja poderão ser exportados para a União Europeia

Mudar a decisão do Parlamento, se ela se confirmar, considero impossível. Mesmo diante de um casuísmo sem justificativa técnica, de baixar o limite de 10% para 7,9% com a única intenção de converter a soja em commodity de alto risco de iLUC, o Parlamento deverá decidir em função dos interesses comerciais e políticos da União Europeia. Será muito ruim para a soja ser banida. Se essa decisão ocorrer, ela vai reforçar a imagem internacional de que a soja cresce associada ao desmatamento e que os biocombustíveis produzidos a partir de óleo de soja não são sustentáveis. Sabemos no Brasil que isto não corresponde à realidade e que a União Europeia está ajustando sua metodologia para chegar no resultado que quer, não no resultado real. Após a decisão do Parlamento, se se confirmar a mudança para baixo do limite, precisamos como País organizar os demais produtores mundiais de soja para questionar a eventual decisão. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.