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09/Jun/2022

Brasil: revisão do padrão de classificação da soja

O padrão oficial de classificação de soja utilizado no Brasil, determinado pela Instrução Normativa número 11 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) está em vigência desde 2007. Por decisão do próprio Mapa, fruto de demanda dos produtores de soja e até pela razão de que a China, nosso maior importador do grão, está revisando suas normas de classificação para o produto, o Ministério decidiu revisar o padrão de classificação corrente. Seguindo o procedimento correto, e importante dizer com transparência e diálogo aberto com todos os agentes da cadeia da soja, o Mapa abriu consulta pública para a minuta de nova regulamentação para o padrão de soja. A consulta pública foi encerrada em final de maio e, a partir das contribuições, o Mapa poderá coordenar o debate que se seguirá para tentar buscar aproximar as diferenças.

A visão que trago aqui é do comprador de soja, que vai fazer sua industrialização ou sua exportação em grãos. Vou me concentrar em três pontos da nova proposta, sendo que dois deles, em minha visão, vão resultar em retrocessos se não forem revisados e um ponto é um avanço. O ponto positivo é a proposta de redução da umidade de 14% para 13%. A provável razão para o Mapa propor essa redução é a exigência chinesa de 13%. Há, corretamente, uma percepção no Mapa de promover algum alinhamento com o padrão do nosso maior consumidor. Reduzir a umidade é necessário também porque nossos concorrentes exportam soja com 13% de umidade. A redução da umidade faz sentido para a indústria de processamento e para o produtor. Para a indústria, é menos água no transporte, seja da fazenda aos seus armazéns, seja dos armazéns para os portos de exportação.

Melhora o rendimento industrial na extração do farelo e do óleo. Ou seja, vai reduzir custos nas etapas de industrialização e transporte. É positivo, também, para o produtor porque, embora ele passe a entregar soja com menos umidade, o que pode representar algum aumento de custo, esperamos que o basis da soja brasileira suba. Maior basis significa melhores prêmios, os quais são repassados pelos exportadores aos produtores. Ou seja, o preço ao produtor, por conta de maiores prêmios, deverá subir. Agora os pontos negativos. O primeiro deles é a definição de grão fermentado. Sua presença no armazenamento promove deterioração dos grãos e piora a qualidade dos produtos processados trazendo, por exemplo, acidez ao óleo produzido. Ou seja, os grãos fermentados aumentam os custos da indústria. O objetivo, portanto, é reduzir ao máximo o volume de grãos fermentados recebidos dados os problemas que eles causam no armazenamento e no processamento.

O Mapa está propondo uma alteração na definição que obrigaria o comprador classificar o grão como fermentado apenas quando metade de sua parte interna apresentar escurecimento. A atual normativa diz que o grão fermentado é aquele que apresenta alteração de cor do cotilédone. Mesmo sem entrar nas questões técnicas de fisiologia vegetal, fica claro que esta alteração representa uma mudança relevante. A indústria, pela proposta do Mapa, somente poderá classificar como fermentado um grão em estágio muito avançado de fermentação, sendo obrigada a receber um produto que piora a qualidade do óleo e da proteína vegetal contida no farelo. Esta mudança de definição é um pedido antigo de entidades de produtores de soja. O argumento por eles utilizado é que a indústria aproveita todo tipo de grão e, assim, não há por que classificar como fermentado um produto utilizado no esmagamento.

Estas entidades, adicionalmente, alegam que o grão fermentado não prejudica a proteína contida nele. Para isso, fazem uso de um estudo que alimentou caprinos com grãos de soja fermentados sem ter havido prejuízo à digestibilidade dos animais. A indústria não reconhece esse estudo porque os animais consomem em grande volume ração com farelo proteico, o qual é produzido a partir do processamento da soja, e não grãos de soja. Além disso, os caprinos não são os principais consumidores de farelo de soja, sendo aves e suínos os mais relevantes. Por fim, o estudo não refuta a evidência já demonstrada em vários outros trabalhos que grãos fermentados prejudicam a solubilidade da proteína e aumentam acidez do óleo. Ou seja, o grão fermentado prejudica o esmagamento e obriga a indústria a corrigir o processo de extração dos derivados a fim de entregar farelo de soja de elevada qualidade para a indústria de rações animais.

Alterar o padrão para permitir que grãos altamente fermentados sejam, por meta classificação, considerados não fermentados, vai prejudicar a qualidade dos derivados de soja. O segundo ponto negativo se refere à classificação da soja em tipos de acordo com os limites máximos de tolerância para alguns atributos. Na regulamentação atual, a soja destinada para industrialização tem limites máximos estabelecidos em um tipo, sendo 8% de grãos avariados como máximo tolerado. A proposta do Mapa é estratificar a soja destinada para indústria em cinco tipos, começando com 8% de limite máximo de avariados e chegando até 18%. Temos várias preocupações aqui. A primeira é que os compradores não vão segregar a soja fisicamente em cinco tipos. A segunda é que os compradores, que hoje trabalham com um padrão de soja com avariados máximos de 8%, serão obrigados a receber soja com até 18% de avariados.

O comprador, por exemplo, que opta por trabalhar com política de prêmio para menores índices de avariados e descontos para maiores índices de avariados, estimulando o produtor que entrega soja de melhor padrão, vai perder esta ferramenta. A terceira é que o padrão dos nossos compradores, notadamente o chinês, trabalha com limites máximos de avariados menores para cada tipo. Atualmente a soja padrão brasileira tem, no máximo, 8% de avariados. Não há qualquer fundamentação técnica para o Mapa estratificar em cinco tipos estimulando o mercado a definir como padrão uma soja com maior conteúdo de avariados. Mesmo que o Mapa opte por estratificar a soja em tipos, ele não deveria interferir na forma como o mercado funciona hoje, que é a soja padrão com 8% de avariados no máximo. A grande maioria da soja hoje recebida nos armazéns dos compradores chega com 8% ou menos de avariados. Não há, portanto, qualquer evidência que sustente limites máximos superiores a este.

O processo de revisão da norma que estabelece o padrão de soja no Brasil deve se alongar e muitas discussões técnicas deverão ser travadas até que o consenso possível seja atingido. O que não pode acontecer neste debate é contaminar uma discussão de natureza técnica com descontentamentos com práticas comerciais utilizadas no mercado. O mercado certamente vai se ajustar ao novo padrão, quando ele vier, e vai se ajustar mais rapidamente se o novo padrão não se desviar demais do atualmente vigente, dado que o presente atende perfeitamente às necessidades dos clientes dos exportadores e processadores de soja. O ponto de partida, no entanto, foi de desvios elevados na definição de grãos fermentados e nos limites máximos de avariados para tipos de soja. Esses desvios precisam ser corrigidos sob pena de prejudicar a imagem de alta qualidade da soja brasileira hoje predominante nos mercados consumidores. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.