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09/Dez/2021

Biodiesel: decisão do governo prejudica sociedade

O governo federal, por meio do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), colegiado de ministérios tais como Economia, Agricultura, Minas e Energia, Meio Ambiente e Infraestrutura, decidiu fixar em 10% o teor de biodiesel no diesel para o ano de 2022. Se o governo seguisse o cronograma estabelecido pelo próprio CNPE (Resolução nº 16/2018), o teor em janeiro e fevereiro de 2022 deveria estar em 13% e de março a dezembro, subir para 14%. As estimativas da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) indicam que se o cronograma fosse cumprido, a produção de biodiesel em 2022 seria de 8,6 bilhões de litros. Com a fixação em 10% (B10), a produção deverá ser ao redor de 6,2 bilhões de litros. Os produtores de biodiesel deixarão de produzir, portanto, 2,4 bilhões de litros (redução de 28%). A decisão foi baseada no argumento de que, ao aumentar a teor da mistura, o preço do diesel ao consumidor subiria. As declarações recentes do presidente da República de que os preços dos combustíveis vão começar a cair comprovam que a única variável considerada foi o impacto no preço do diesel.

De fato, se o teor fosse elevado para 13%, nas condições de preço de biodiesel e diesel de hoje, o preço do diesel ao consumidor subiria aproximadamente R$ 0,14 por litro, mas cabe lembrar que as seguidas subidas do diesel na refinaria, de janeiro até novembro de 2021, fizeram o preço do diesel ao consumidor subir R$ 1,20 por litro. A despeito dessa elevação estimada em R$ 0,14 por litro, o governo ignorou o efeito de redução de custo da proteína animal que a maior produção de biodiesel geraria, caso o teor fosse elevado em 2022, conforme programado. A maior demanda por biodiesel requer maior produção de óleo vegetal, o que só pode ser feito com mais processamento de soja e, desse modo, produzir mais farelo proteico, na proporção 80:20. Mais soja processada, por sua vez, resultaria em maior oferta de ingredientes essenciais para as rações animais. Visando medir esse efeito positivo do biodiesel sobre a produção de farelo de soja, a Abiove avaliou, com base na capacidade instalada de processamento de soja, qual deveria ser a mistura para utilização dessa capacidade.

O Brasil tem disponível, para uso imediato, 5,0 milhões adicionais de capacidade de processamento de soja em relação à projeção de 48,0 milhões de toneladas em 2022. Para o aproveitamento integral desse volume, o teor deveria subir para 12% em janeiro e fevereiro e para 13% de março a dezembro. Ao processar 5,0 milhões de toneladas adicionais de soja, seriam produzidas 1 milhão de toneladas adicionais de óleo para atender o mercado de biodiesel e outros 4 milhões de toneladas de farelo. É nesse ponto que identificamos falha grave na análise, visto que incompleta, que levou à decisão de manter o teor em apenas 10%. Se mais farelo fosse produzido, o preço dele cairia. Baseando-nos em dados históricos recentes de efeito do biodiesel no preço do farelo de soja, verificamos que o biocombustível é capaz de reduzir os preços do farelo no mercado doméstico em até US$ 40,00 por tonelada no volume adicional e US$ 15,00 por tonelada para todo o volume consumido internamente. A redução foi apresentada em dólares porque o preço do farelo de soja é formado no mercado internacional e as diferenças são dadas pelos prêmios de ajuste no mercado doméstico.

Com base nesses valores, para uma taxa de câmbio de R$ 6,00/US$, estimamos uma economia para os consumidores de farelo de soja entre R$ 960 milhões e R$ 1,6 bilhão. Vamos, agora, olhar o balanço da decisão do governo. Um aumento do teor de biodiesel, para 12%/13%, resultaria em incrementos de R$ 0,09 a R$ 0,14 por litro de diesel. O consumidor brasileiro gastaria, assim, R$ 790 milhões a mais no consumo de diesel. No entanto, é necessário observar o efeito para o consumidor da maior oferta de farelo pressionando os custos da proteína animal com efeitos estimados entre R$ 960 milhões e R$ 1,6 bilhão a menos devido à queda no preço do farelo de soja. O efeito líquido seria uma economia para a sociedade variando entre R$ 170 e R$ 830 milhões que, ao final da produção da proteína animal, chegaria no bolso dos brasileiros. Isso sem contabilizar no balanço a economia com importações de diesel de US$ 605 milhões (R$ 3,6 bilhões) em relação ao B10, nem outros ganhos com a melhoria da qualidade do ar e redução das despesas públicas com Saúde.

A decisão do governo é errada pois se baseou em análise parcial, esquecendo-se da integração positiva entre o mercado de biodiesel e o mercado de alimentos, algo inexistente no setor de combustíveis fósseis (e por isso a mera comparação de preços é enganosa). No lugar de se capitalizar politicamente demonstrando que tomou decisão que reduz preços dos alimentos, preferiu olhar apenas o efeito nos preços dos combustíveis. Alimentos e combustíveis são de enorme importância para a economia brasileira e os preços de ambos têm elevada visibilidade na opinião pública. Não se discute, assim, o setor de maior relevância. O governo tinha em suas mãos a possibilidade de reduzir o custo dos alimentos ou reduzir o custo do diesel. A redução do custo dos alimentos traz economia maior do que a redução do custo do diesel, além de mais PIB e arrecadação, pois teremos que importar essa energia. A opção escolhida foi aquela que menos beneficia o consumidor, a sociedade e o próprio governo, que atuou contra todos esses interesses por desconsiderar uma cadeia produtiva mais complexa. Fonte: André Nassar. Agência Estado.