09/Set/2021
O biodiesel vive uma gangorra, no que se refere ao teor de mistura. Não poderia ter sido diferente, então, a decisão do CNPE, órgão máximo das decisões de políticas do setor energético e de combustíveis, de reduzir o teor para 10% para a comercialização de biodiesel em novembro e dezembro de 2021. A gangorra não é figura de linguagem. Somente este ano já tivemos B12 no primeiro bimestre, B13 no 2º, B10 no 3º e 4º, B12 no 5º e agora novamente B10 para o 6º. Exceto nos dois primeiros bimestres, todos os demais desrespeitam a Resolução nº 16/2018 do CNPE, que determina B13 de março de 2021 até fevereiro de 2022. Se eu for ingênuo, talvez nutra alguma esperança do B13 chegar em janeiro e fevereiro de 2022. Sonhar não custa nada. Não adianta ficar lamentando. Vale mais a pena entender o que aconteceu e, daí, constatar a realidade.
Os produtores de biodiesel foram informados, informalmente, pelo Ministério de Minas e Energia que o teor seria reduzido para 10% no leilão 82 (lembrando, o biodiesel ainda é comercializado em leilões bimestrais, sendo o L82 o último certame de 2021). Imediatamente, com inestimável apoio da FPBio (Frente Parlamentar Mista do Biodiesel), tivemos uma reunião com o MME para entender o princípio da proposta (até então, era somente proposta, hoje já é decisão ratificada). A partir da atuação da FPBio, o MME se dispôs a abrir os cenários de mercado feitos por eles para embasar a decisão do B10. Com essa abertura, os produtores de biodiesel acreditaram que um qualificado debate técnico poderia resultar em decisão diferente do B10. O Ministério da Agricultura veio, também, para as discussões técnicas. Os produtores de biodiesel se prepararam tecnicamente e forneceram ao governo uma calculadora de simulação de custo e preço de biodiesel.
A partir dos preços futuros disponíveis em bolsa, simulamos cenários para o preço médio do L82 considerando: preços futuros do óleo vegetal, cotações futuras para taxa de câmbio, preços de outras matérias-primas utilizadas na produção de biodiesel, tais como sebo bovino, e metanol, insumo necessário para a produção e que é cotado em moeda internacional. Estressamos nossa calculadora ao máximo, e comprovamos para o governo que o preço do biodiesel, no L82, poderá subir 3% relativamente ao L81 (que será comercializado agora em setembro e outubro) fruto, sobretudo, de alguma desvalorização do Real, dado que os preços futuros em dólar do óleo vegetal estão caindo levemente. Isso resultaria um aumento do diesel na bomba de R$ 0,02. Ou seja, fruto de uma eventual variação de 3% para cima no preço do biodiesel, se mantida a demanda de B12, o diesel na bomba passaria de R$ 4,76 por litro para R$ 4,78 por litro (0,4% de aumento).
Reforço que nossas simulações foram baseadas na realidade de mercado. Coube ao MME elaborar os cenários para o L82. Depois de muitas perguntas, conseguimos entender o método utilizado pelo ministério. No tocante ao preço do biodiesel, o MME se baseia na metodologia da ANP (Agência Nacional do Petróleo) para cálculo do PMR (preço máximo de referência de cada leilão). Justamente por ser preço máximo, o PMR nunca é praticado no certame. Pelas informações que o ministério nos passou, o deságio médio do preço do leilão em relação ao PMR é de 26% (ou seja, o preço final fica 26% abaixo do PMR). Esse deságio foi utilizado pelo MME. Ocorre que a metodologia do PMR é confidencial pois ela baliza o leilão. Assim, o MME apenas nos informou o valor encontrado, sem detalhar os parâmetros. Identificamos conjuntamente algumas diferenças relevantes, como, por exemplo, preço do óleo vegetal. Os produtores de biodiesel utilizam o preço na praça produtora, que é o valor efetivo que será pago pela indústria de biodiesel.
Já o MME utiliza o preço CIF São Paulo e desconta o frete até a praça produtora. Esse frete, claro, não existe pois não tem óleo de São Paulo indo para Mato Grosso, Rio Grande do Sul ou Mato Grosso do Sul. O MME encontrou um PMR 11% acima no L82 relativamente ao L81. Com isso, aplicando o deságio médio de 26%, estimaram um aumento de preço do diesel em R$ 0,07. E defenderam que o B10 neutraliza esse aumento e, assim, advogaram pela redução do teor para 10%. A questão que colocamos ao MME foi: se a demanda não vai subir (mantidos B12, a demanda por biodiesel é a mesma no L82 relativamente ao L81), se o preço futuro do óleo vegetal está em leve queda, se não houver qualquer repique de taxa de câmbio, qual a razão efetiva para o preço do biodiesel subir 11%? O MME nos explicou que o PMR calculado para o L82, com base nas condições de mercado (mais ou menos as mesmas que nós utilizamos em nossas simulações) resultou em valor semelhante ao do L81 (ou seja, sem aumento significativo).
Mas, eles optaram por utilizar um fator de correção para cima, fundamentado em alegados erros que fizeram nos cálculos dos leilões anteriores. Erros, esses, aplicados apenas no sentido de aumentar o preço e não de diminuí-lo. Empregando o chamado fator de correção, chegaram em 11% de aumento, 3,7 vezes maior do que o valor encontrado nas nossas simulações. Minha visão: a ANP vai publicar em breve o edital do L82 e nele estará o PMR. Não pode ser o PMR com fator de correção utilizado pelo MME. Vai ser o PMR de verdade. Ele deverá vir praticamente igual ao do L81. Isso acontecendo, ficará claro que o preço do biodiesel no L82, ainda mais com redução de demanda, não vai subir. Se o preço do biodiesel ficar constante relativamente ao L81, com B10, o preço do diesel terá que cair, pelo menos, R$ 0,03 na bomba. Ou seja, é o biodiesel subsidiando o diesel mineral. Triste escolha política. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Agência Estado.