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12/Ago/2021

Biodiesel: tributação pode prejudicar consumidor

As usinas de biodiesel dialogam com o governo federal desde 2020 a respeito de um novo modelo de comercialização. O atual, em vigor, compreende a compra e venda do biocombustível aditivo ao diesel comercial na forma de leilões públicos organizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Os leilões públicos já têm quase 15 anos de experiência, foram gradualmente aperfeiçoados ao longo do tempo de forma a proporcionar transparência, segurança, qualidade, oferta e menor preço. Neste período, o MME e a ANP souberam incorporar elementos que beneficiaram, em última instância, o consumidor brasileiro com um produto sustentável. Há uma particularidade adicional nos leilões de biodiesel. Trata-se da participação da Petrobras em duas etapas importantes do processo, papel que lhe foi atribuído pelo seu envolvimento dominante no abastecimento de diesel.

A primeira é a execução do leilão em si, o qual compreende a plataforma de comercialização, a organização das entregas e retiradas e um sistema de arbitragem para eventuais divergências entre usinas e distribuidoras. A segunda, mais importante para fins deste artigo, é a atuação da empresa na incidência de ICMS. Há vários anos este tributo estadual é objeto de amplos debates que discutem sua incidência (origem ou destino) e tratamento dos créditos decorrentes das movimentações interestaduais, entre outros pontos relevantes. A cadeia produtiva do biodiesel não passa pelas agruras de praticamente todos os demais segmentos. Atualmente, após a homologação dos resultados dos leilões pela ANP, as usinas realizam uma venda à ordem na qual o produto é carregado nas usinas por nota de remessa para as distribuidoras e a Petrobras recebe as notas fiscais com o ICMS próprio do Estado de origem destacado.

O segundo componente, ICMS-ST (de substituição tributária), incide sobre os preços informados periodicamente pelo Confaz do diesel B nos postos (também conhecido por diesel comercial, mistura de diesel mineral com biodiesel). Pela legislação, este valor é repassado pelas refinarias e aos estados consumidores seguindo fórmula que evita a dupla tributação. Portanto, o modelo atual respeita plenamente a legislação federal com os derivados de petróleo tributados no destino e os demais produtos na origem. Ou seja, por esse arranjo, as usinas de biodiesel sempre dispuseram de um modelo tributário perfeito. Não acumula créditos, pois o ICMS das matérias primas é compensado com o ICMS próprio nas vendas para a Petrobras. Não gera dupla tributação, dado que o tributo sobre o diesel comercial no destino respeita do valor pago nas primeiras etapas dos componentes da mistura.

Retomando a questão da comercialização de biodiesel, o governo federal determinou a mudança do modelo atual para um novo cujas operações sejam realizadas diretamente entre usinas e distribuidoras. A motivação foi o plano de desinvestimentos da Petrobras no refino e a orientação para um sistema com menor participação pública. Formalmente, a mudança foi publicada pela Resolução nº 13/2020 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Este ato normativo foi expresso em suas determinações à ANP para a construção de um novo modelo que preveja atributos fundamentais na defesa dos interesses públicos: Estado, sociedade e empresas. Dentre as atribuições mais relevantes para esta discussão, destacamos a proteção dos interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos (art. 2º, I) e a promoção da livre concorrência (art. 2º, II). Após quase nove meses de avaliações, mostra-se evidente que o prazo dado pelo CNPE é insuficiente para que o Brasil efetivamente disponha de um modelo adequado de comercialização que preserve os interesses da sociedade.

Existem diversos pontos de preocupação, mas o principal deles é a tributação. Com a saída da Petrobras do modelo, as usinas de biodiesel serão automaticamente enquadradas no Convênio Confaz nº 110, que determina que o produto seja vendido com diferimento para as distribuidoras. Ou seja, passarão a acumular créditos das matérias primas. O acúmulo de créditos não será um problema trivial. Estimam-se impactos médios de 10% a 11% sobre os preços do biodiesel. De forma agravante, esses impactos serão distintos por usina e dependerão da localização, dependência de óleos e gorduras de outros estados, verticalização etc. Ou seja, efeitos claramente contrários às diretrizes formuladas pelo próprio CNPE, pois o consumidor será onerado e a concorrência será prejudicada. A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) já viu isso acontecer com as indústrias esmagadoras de soja cerca de 25 anos atrás. Com o acúmulo de créditos, o parque industrial passou por sérias dificuldades com fábricas sem acesso a matérias-primas e outras sendo obrigadas a se concentrar em alguns estados com abundância de soja como forma de evitar esse custo.

A tributação não deve ser um fator de localização das fábricas. Deve ser neutra, caso contrário gerará ineficiência locacional. Não se deve aceitar o mesmo erro em uma cadeia produtiva que cresceu e se desenvolveu sem esses entraves. O setor de biodiesel está preparado para um novo modelo e tem trabalhado de forma construtiva com a ANP. Mas, o passo adiante só será seguro e firme se as diretrizes do CNPE forem respeitadas e, para isso, é fundamental estender o sistema atual por mais alguns meses até que o Confaz tenha condições de apreciar e aprovar uma legislação adequada. Para isso, a nova legislação deve garantir que as usinas continuem destacando o ICMS próprio nas notas fiscais e que as refinarias repassem o ICMS-ST, da mesma forma como se faz hoje. Somente assim teremos um novo modelo e ainda melhor. Para tanto, é fundamental ter mais tempo. O consumidor não deve ser prejudicado por uma ineficiência tributária! Fonte: André Nassar (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais - Abiove). Agência Estado.