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10/Jun/2021

Biodiesel: setor passa por transformação de regras

O ano de 2021 é decisivo para o biodiesel. É, certamente, o setor do mercado de energia que está passando pela mais intensa transformação regulatória. Essa transformação em curso, no aspecto tributário, é o objeto deste artigo. O biodiesel cresceu muito nos últimos dez anos. O programa com mistura obrigatória foi iniciado em 2008, com 2% de mistura no diesel. Naquele ano, foram produzidos 1,2 milhão de m3 de biodiesel para cumprir essa mistura. Em 2020, que passou o ano com mistura variando entre 12% e 10%, foram produzidos 6,4 milhões de m³, seis vezes mais do que 2008. O programa de biodiesel, viabilizado pela mistura obrigatória para atender à parte da demanda que substitui o diesel mineral, foi alicerçado num sistema próprio de comercialização baseado em leilões públicos. Os leilões públicos ainda são o sistema corrente de comercialização. São esses leilões que possuem data para acabar, justificando minha afirmação de que a transformação regulatória no biodiesel é profunda.

São realizados seis leilões públicos anualmente, os quais garantem o abastecimento bimestral de biodiesel e, assim, o cumprimento da mistura. As usinas de biodiesel colocam suas ofertas de volume e preço e, no decorrer do certame, as distribuidoras, que são responsáveis pela mistura do biodiesel no diesel mineral, fazem suas aquisições conforme suas perspectivas de demanda. O preço de venda do biodiesel é resultado do leilão, em função dos lances feitos pelos compradores (distribuidores) e da oferta de cada produtor participante (usina de biodiesel). O leilão é regulamentado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e executado pela Petrobras. A Petrobras é a adquirente do biodiesel para fins fiscais. O produto físico, no entanto, é entregue pela usina para as distribuidoras de acordo com as vendas feitas no leilão. No aspecto tributário, a usina emite uma nota fiscal contra a Petrobras e destaca ICMS nela.

A Petrobras emite nota de venda às distribuidoras e as usinas emitem nota fiscal de remessa para as distribuidoras, referenciando a nota da Petrobras, para garantir o fluxo físico. O produtor de biodiesel, portanto, montou seu negócio e aumentou sua produção sob esse modelo, ou seja, de venda tributada com ICMS para a refinaria. Por ser contribuinte de ICMS na venda de biodiesel, a usina tem a possibilidade de utilizar créditos de ICMS oriundos da compra de insumos. O sistema atual é muito eficiente pois todos os créditos são aproveitados pelas usinas de biodiesel e pela Petrobras. Faço essa afirmação porque as refinarias são os substitutos tributários nos combustíveis pagando pelo ICMS delas mesmas e aquele incidente sobre a venda ao consumidor final feito pelas distribuidoras. Ou seja, a refinaria concentra todo o ICMS dos combustíveis até o consumidor final. Mas, os leilões públicos vão acabar e, com seu fim, as usinas de biodiesel vão vender diretamente para as distribuidoras, sem a intermediação da Petrobras.

Na venda para as distribuidoras, caso nenhum novo sistema seja implementado, vai valer o que ocorre com o etanol anidro: o ICMS do biodiesel passa a ser diferido, ou seja, sem incidência na saída da usina. A usina de biodiesel, nesse cenário, vai se converter, da noite para o dia, numa acumuladora de crédito de ICMS. Os créditos de ICMS advindos dos insumos adquiridos se transformarão em custos para o produtor de biodiesel. Evidentemente, o montante de acúmulo de créditos de ICMS vai variar de produtor a produtor em função da localização da usina, do perfil de aquisição de insumos, incentivos fiscais estaduais, entre outros fatores. Mas, independentemente deste montante, todas as usinas verão seus créditos serem transformados em custo. Os produtores de biodiesel, caso um novo sistema não seja implementado, se encontram numa encruzilhada: se não forem capazes de precificar os créditos no valor de venda do biodiesel, vão incorporar os créditos como custo, se forem capazes de repassar esse custo no preço de venda do biodiesel, vão promover aumento nos preços do diesel comercial ao consumidor.

É uma situação que nenhuma empresa gostaria de estar no lugar: ou não incorpora no preço e acumula em prejuízo financeiro ou incorpora no preço e promove aumento do diesel ao consumidor. A mudança abrupta de sistema de comercialização, que é o que apregoa o grupo de trabalho governamental, liderado pela ANP, que trata do tema, torna impossível aos produtores de biodiesel repassar o custo dos créditos de ICMS ao preço de venda. A competição entre usinas de biodiesel será enorme no sistema de venda direta até que o mercado se ajuste ao novo modelo de comercialização. A entrada em vigor da venda direta, portanto, vai apertar as margens dos produtores de biodiesel. Com margens baixas e aumento de custo proveniente dos créditos de ICMS, a chance de usinas enfrentarem prejuízo financeiro é muito alta.

Nunca foi intenção do grupo governamental mudar a regulação do biodiesel para gerar prejuízo aos seus produtores. O grupo quer promover mais competição no setor, mas não sua canibalização. O governo precisa, então, fazer sua parte: defender uma transição programada do sistema de leilão para o de venda direta, num horizonte de tempo suficiente para que, das duas uma, ou as usinas de biodiesel incorporem os créditos de ICMS no preço de venda do biodiesel ou um novo sistema de cobrança de ICMS que não gere créditos seja implementado. A segunda opção é a mais eficiente, pois não gera custos adicionais aos consumidores e não prejudica os produtores de biodiesel. Fonte: André Nassar, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Agência Estado.