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17/Jul/2020

Science relaciona carne e soja com desmatamento

No auge da cobrança de investidores estrangeiros ao Brasil sobre o aumento da devastação da Amazônia, um estudo divulgado nesta quinta-feira (16/07), na revista Science estima o peso da contribuição do desmatamento ilegal em propriedades privadas cuja produção é exportada para a União Europeia. Cruzando dados de satélite sobre a perda de floresta, com informações de registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um grupo de pesquisadores do Brasil, dos Estados Unidos e da Alemanha estima que, embora apenas 2% das propriedades localizadas na Amazônia e no Cerrado sejam responsáveis por 62% do desmatamento ilegal na região, uma parcela dessa devastação está ligada a commodities agrícolas de exportação. Os pesquisadores, liderados por Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais, da Universidade Federal de Minas Gerais, estimam que cerca de 20% da soja e pelo menos 17% da carne produzidas nos dois biomas e exportadas para a União Europeia estão “potencialmente contaminadas” com o desmatamento ilegal.

A entidade que congrega as traders exportadoras de soja (Abiove) afirmou que o trabalho traz uma visão distorcida. No artigo publicado na Science, o grupo classifica essas propriedades como “maçãs podres do agronegócio brasileiro”, mas sugere que, com as ferramentas já disponíveis, é possível que o governo aja com precisão a fim de conter o problema. Tanto as tradings da soja quanto os frigoríficos que exportam a carne assumiram compromissos de não comercializar produtos provenientes de desmatamento ilegal, como a moratória da soja, o termo de ajustamento de conduta da pecuária, mecanismos que ajudaram a reduzir os níveis de desmatamento. Mas há, ainda, algumas brechas e falhas no rastreamento de toda a cadeia, principalmente no caso do gado, que facilitam a ocorrência de cortes da floresta. Além de avaliar a rastreabilidade das cadeias como um todo e esses compromissos com desmatamento zero, os pesquisadores buscaram refinar a investigação até o nível da propriedade, avaliando onde provavelmente ocorreu desmatamento ilegal e foram produzidas as commodities exportadas.

Foram cruzados mapas de uso de solo e de desmatamento com informações de 815 mil propriedades com registro no CAR. No cadastro, há informações declaradas pelos próprios proprietários sobre seu cumprimento ao Código Florestal, como a presença de Reserva Legal e de área de preservação permanente. Um plantio ou uma pastagem dentro dessas áreas, por exemplo, foi considerado ilegal. Eles compilaram também dados da Trase, uma ferramenta internacional de transparência focada em avaliar o risco para a floresta das cadeias de suprimento, e da guia de transporte animal (GTA), emitida quando bovinos são comercializados entre propriedades e frigoríficos. Com base nessas informações, foi desenvolvido um software para calcular o nível de cumprimento da lei de cada propriedade, de modo a tentar diferenciar o que seria desmatamento potencialmente legal e ilegal junto com a produção de gado e de soja. De acordo com trabalho, 45% das propriedades rurais da Amazônia e 48% do Cerrado que fornecem soja e carne para exportação não cumprem os limites do desmatamento estabelecidos no Código Florestal.

Os pesquisadores afirmam que, das 53 mil propriedades produtoras de soja nas duas regiões, 20% cultivaram soja em terras que tiveram algum tipo de desmatamento depois de 2008, eles estimam que metade dessa soja foi produzida em terras recentemente desmatadas ilegalmente. Como a moratória da soja é uma medida bem mais restrita, os pesquisadores olharam para desmatamento na propriedade como um tudo, e não somente para a área desmatada que seja ocupada com o plantio da soja. Neste caso, a estimativa é que apenas 1% da soja seja cultivado em local desmatado ilegalmente. Mas, o valor sobe para algo entre 18% e 22%, quando considerado o imóvel rural como um todo. Se a moratória está sendo efetiva para evitar desmatamento nas áreas de soja, isso não significa que o sojicultor não desmate ilegalmente, justifica Rajão. “Ele pode ser limitado pela moratória, mas não deixa de desmatar. Ele diversifica a estratégia dele de desmatamento (colocando pasto ou outros cultivos, por exemplo), para evitar as imposições. Por isso falamos que a soja está ‘contaminada’ com o desmatamento”, diz.

Ele lembra ainda que há uma pressão constante por parte dos produtores para que a moratória seja derrubada, o que, eventualmente, poderia legitimar uma soja que venha a ser plantada no futuro em um desses desmatamentos na propriedade. De acordo com os pesquisadores, cerca de dois milhões de toneladas de soja cultivadas em propriedades que tiveram algum tipo de desmatamento ilegal podem ter chegado aos mercados da União Europeia por ano (desde 2008 até o ano passado): 500 mil toneladas seriam provenientes da Amazônia. Trabalhos anteriores já tinham alertado que a situação da cadeia da carne é a mais complicada, porque há muitas etapas. Em geral o bezerro nasce num lugar, engorda em outro, vai sendo transportado de uma propriedade a outra até chegar à final, que vende para o frigorífico. As empresas em geral monitoram o cumprimento da lei deste fornecedor direto, mas não dos indiretos, de modo que o desmatamento acaba passando na cadeia.

Na análise, os pesquisadores calcularam que entre as 4,1 milhões de cabeças negociadas em matadouros pelo menos 500 mil cabeças provêm diretamente de propriedades que podem ter desmatado ilegalmente. Isso representa 2% da carne bovina produzido na Amazônia e 13% no Cerrado. A base de dados usada foi restrita aos dados do Pará e de Mato Grosso por dificuldade de acesso ao CAR de outros Estados. Quando avaliados os fornecedores indiretos, por meio do fluxo de gado entre as fazendas, os autores estimam que cerca de 60% de todas as cabeças abatidas poderiam ter sido potencialmente contaminados com o desmatamento ilegal (44% na Amazônia e 66% no Cerrado) em algum ponto da cadeia de suprimentos. Foram mapeados os fluxos de gado de ponta a ponta. Se uma fazenda que não desmatou comprou 20% de seu gado ou mais de outras fazendas que desmataram, já é considerado que todo o gado dela estava contaminado com desmatamento. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.