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03/Dez/2019

Os riscos do fim da moratória da soja para o Brasil

Um acordo envolvendo grandes exportadores de soja e sociedade civil, em vigor desde 2006 e que reduziu em cerca de 80% o desmatamento de áreas na Amazônia para plantar o grão, está sob pressão de produtores agrícolas para ser revogado, com o apoio de integrantes do governo Jair Bolsonaro. Reconhecida por grandes empresas brasileiras e europeias como uma iniciativa voluntária de sucesso para reduzir o desmatamento, a chamada moratória da soja foi estabelecida para atender a uma pressão de consumidores críticos a produtos que pudessem estimular a derrubada de floresta na região amazônica. Para evitar danos de reputação e assegurar a entrada da soja em mercados exigentes, especialmente o europeu, as empresas que compram o grão dos produtores brasileiros e o processam e exportam, como Amaggi, Cargill e Bunge, se juntaram a entidades da sociedade civil.

Com o objetivo de estabelecer um mecanismo de monitoramento, as empresas se comprometeram a não comprar soja de áreas da Amazônia desmatadas após julho de 2008, data limite para anistia de desmatamentos ilegais estabelecida pelo Código Florestal. Agora, parte dos produtores de soja contrários à moratória articulam uma forma de derrubá-la, com o aval de membros do alto escalão do governo Bolsonaro. Eles são representados pela Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil). No início do mês, o presidente da entidade, Bartolomeu Braz Pereira, anunciou que sua entidade apresentaria uma reclamação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão de defesa da concorrência, alegando que a moratória era um mecanismo de reserva de mercado e que deveria ser revogada. O Código Florestal autoriza proprietários de áreas na Amazônia legal a desmatarem até 20% de suas propriedades. Os produtores argumentam que a moratória impede que aqueles que plantam soja em áreas desmatadas legalmente a coloquem no mercado.

Braz se reuniu em 11 de setembro com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e no mês seguinte o secretário-especial de relacionamento externo da pasta, Abelardo Lupion, declarou que as grandes exportadoras de soja que patrocinam a moratória “cometem um crime quando fazem distinção entre produtores rurais” e que o governo iria “jogar muito pesado” para reverter o instrumento. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, informou que a moratória da soja é uma questão entre entes privados, mas que pessoalmente, a considera um “absurdo”. Segundo ela, o produtor brasileiro cumpre o Código Florestal, que, no caso da Amazônia, determina a proteção de 80% da área da propriedade. Até o momento, o governo ainda discute o tema e não anunciou medida concreta a respeito. Uma das dificuldades de atender à demanda da Aprosoja é que, hoje, não há instrumentos para exportadores e compradores avaliarem se um determinado produtor agrícola está em terras da região amazônica desmatadas regularmente.

O outro empecilho é que há uma demanda consolidada, especialmente em países europeus, por soja que não seja ligada a qualquer tipo de desmatamento na Amazônia, mesmo que autorizado pela lei. Não há como comprovar nem demonstrar para os compradores se houve desmatamento seguindo ou não o rito legal, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), uma das signatárias da moratória da soja. Mesmo que um instrumento desse tipo seja estabelecido, a Abiove diz que seguiria com o monitoramento da moratória para atender aos consumidores que desejam a soja livre de desmatamento. Segundo o Greenpeace, o critério temporal, que autoriza a compra de soja de áreas desmatadas antes de julho de 2008, é benéfico para muitos produtores. Se a moratória fosse discutir legalidade, muitos produtores que não conseguem comprovar que estão em áreas legais ou em dia com suas obrigações de reflorestamento ficariam de fora.

De 2006 a 2018, a área de soja plantada na região da Amazônia subiu de 1,4 milhão de hectares para 5,0 milhões de hectares, mas apenas 2% dessa área foi desmatada com esse fim após julho de 2008. A moratória foi um sucesso, a área plantada aumentou, a produção aumentou, e o desmatamento caiu. Os compradores internacionais têm a preocupação de verificar se a soja foi plantada em área desmatada na Amazônia porque o desmatamento é um vetor do aquecimento global, por meio da queima ou decomposição de material vegetal, no alvo do Acordo de Paris. A Abiove, afirma que, caso o Cade aceite abrir uma investigação sobre a moratória, haverá preocupação enorme no setor. Quem importa e não quer comprar soja de área desmatada vai atribuir maior risco de isso ocorrer com a soja brasileira, e vai aumentar a exigência de garantias, segundo a entidade, apontando que a derrubada da moratória traria prejuízo não apenas aos que hoje plantam na Amazônia, mas aos produtores de todo o país.

50% do farelo de soja exportado pelo Brasil vai para a Europa. Caso o Brasil perca esse mercado, haveria um aumento dos estoques de soja no país e uma queda do preço. Essa iniciativa dos produtores conspira contra os interesses do próprio agronegócio. A moratória é uma guardiã de um mercado para soja. Esses produtores não conseguem entender a máxima de que o consumidor tem sempre razão, segundo o Greenpeace. A soja na Amazônia representa 13% da soja plantada no país. A maior parte da produção do grão ocorre hoje no Cerrado, que não é abrangido pela moratória. Organizações ambientalistas estão pressionando os grandes exportadores a aplicarem a mesma regra a esse bioma, mas não há consenso no setor. A iniciativa da Aprosoja seria também uma estratégia preventiva para se opor à aplicação da moratória no Cerrado.

Nathalie Lecocq, diretora geral da Fediol, que representa a indústria europeia de óleos vegetais e de proteína animal, afirmou que a entidade recebeu com preocupação a proposta de acabar com a moratória da soja, atualmente o único instrumento que oferece garantias de que não há desmatamento no bioma amazônico. Segundo ela, empresas europeias importam e processam soja do Brasil no valor de 4,2 bilhões de euros por ano (R$ 20 bilhões de reais), que seriam colocados em risco com o fim da moratória. As exigências ambientais se tornaram mais importantes para as companhias, e o consumidor europeu espera que a União Europeia aja para enfrentar o desmatamento no fornecimento de matérias-primas, segundo Lecocq. Ela aponta que os últimos dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia, associados ao debate sobre o fim da moratória, podem levar consumidores europeus a aumentarem sua rejeição a produtos que possam conter desmatamento e forçar legisladores e governos a adotarem medidas para evitar que esses produtos entrem no mercado europeu. Fonte: Deutsche Welle. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.