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24/Out/2019

Soja RR: Monsanto vence a disputa sobre royalties

Sindicatos rurais do Rio Grande do Sul e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS) tentam reverter decisão da Justiça sobre pagamento de royalties à Monsanto por sementes de soja produzidas pelos próprios agricultores a partir da soja transgênica Round-up Ready (RR). No dia 9 de outubro, a segunda seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso do setor produtivo que questionava o pagamento de royalties pelas sementes reservadas para replantio em lavouras próprias, de venda da safra como alimento ou matéria-prima e, no caso de pequenos agricultores, doação ou troca com seus pares. A decisão do STJ é considerada importante, pela possibilidade de nortear o posicionamento dos tribunais em processos similares. Na tentativa de reverter a decisão, representantes dos produtores entraram, na semana passada, com embargo de declaração no STJ, que ainda não tem prazo para julgar a questão. O processo diz respeito à soja RR, resistente a herbicidas formulados à base de glifosato.

A Monsanto, que foi adquirida pela alemã Bayer, ao patentear a tecnologia, estabeleceu um sistema de cobrança de royalties e outras taxas pela utilização da soja RR. Na visão dos representantes dos produtores, o tema deveria ser analisado sob o ponto de vista da Lei de Proteção de Cultivares (LPC), e não da Lei de Propriedade Industrial (LPI). A LPI prevê a possibilidade de patentear micro-organismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, mas não seres vivos, como plantas e animais, ou parte deles. Já a LPC permite a outorga de um Certificado de Proteção de Cultivar, que garante ao titular direitos sobre o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta. Essa mesma legislação, porém, contempla o chamado "privilégio do agricultor". Pelo artigo 10 da lei, não está violando o direito de propriedade o produtor que reserva e planta sementes para uso próprio; usa ou vende a produção obtida a partir das sementes "salvas" como alimento ou matéria-prima; e, no caso de pequenos agricultores, multiplica essas sementes para doação ou troca exclusivamente com outros pequenos produtores.

Porém, no entendimento do STJ, a proteção à qual está submetida a tecnologia da Monsanto não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares. A decisão indica que as patentes não protegem a variedade vegetal, mas a tecnologia de inserção do gene que modifica o DNA da soja RR, além do próprio gene. Para o STJ, como as patentes em questão foram concedidas em razão da inserção de um gene que conferiu à planta uma função distinta da que naturalmente possuía, os direitos do inventor incidem sobre o "atributo inoculado", ou seja, a tecnologia em si. Se a soja for reproduzida e a nova geração conservar o atributo, os direitos de royalties previstos na LPI continuam se aplicando. Patentes e proteção de cultivares, como visto, são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há, por isso, incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se tratam de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta, consta na decisão judicial.

Com relação ao percentual de royalties estabelecido, o STJ também negou pedido dos produtores para que fosse judicialmente estabelecido percentual não abusivo, em índices que variam entre 0,06% a 0,10% sobre o valor da soja transgênica comercializada. Segundo o STJ, não é possível cogitar a utilização, pelo Judiciário, do regime legal de proteção à propriedade intelectual para, por via indireta, corrigir eventuais imperfeições concernentes ao funcionamento do mercado. Nada impedia que os agricultores empregassem a soja convencional em seus plantios, sem o custo relacionado a royalties ou a outras taxas. Ainda na decisão, se escolheram fazer uso desta variedade específica, é porque lhes pareceu economicamente vantajoso, devendo arcar com as consequências dessa opção. O advogado dos sindicatos e da Fetag-RS afirmou que oito pontos foram questionados no embargo de declaração dos produtores. Entre eles, a continuidade da cobrança de royalties sobre a RR mesmo após a expiração da última patente, em agosto de 2010, e o acórdão ter considerado partes de DNA como micro-organismo transgênico.

Ele considera que é preciso esclarecer que micro-organismo é um pequeno organismo funcional, porque no Brasil não se permite patenteamento de ser vivo nem de parte de animal e planta. E a semente de soja é uma parte da planta de soja e não pode ser objeto de patenteamento direto nem indireto no Brasil em razão dos artigos 10 e 18 da Lei de Propriedade Industrial. A questão da disponibilidade de sementes convencionais também preocupa. A decisão diz que quem planta semente transgênica tem que pagar propriedade intelectual inclusive em semente própria e, se não quiser pagar, que não plante semente transgênica. Só que quase não existe mais semente convencional, a própria Monsanto, em plenário, reconheceu que 94% das sementes são transgênicas. Os agricultores torcem para que a decisão seja revertida. Caso contrário, ficarão extremamente dependentes de uma empresa só. A cadeia alimentar como um todo pode ser comprometida. Os produtores já pagam o detentor da tecnologia ao adquirir a semente para o plantio. O produtor questiona, entretanto, de que adianta ter o direito de salvar a semente própria se será necessário pagar royalties na hora da comercialização da soja produzida a partir dessas sementes. Assim, os agricultores vão ter de ficar sujeitos ao domínio dos detentores da tecnologia.

Em nota, a Bayer afirmou que a decisão do STJ de 9 de outubro consolida os fundamentos legais para o acesso e o desenvolvimento da inovação agrícola no Brasil. Os produtores continuarão se beneficiando dos produtos de biotecnologia, pois o Brasil sempre demonstrou uma aplicação coerente do sistema legal em relação aos direitos de propriedade intelectual e à proteção de cultivares. Ainda segundo a Bayer, qualquer tecnologia, seja na área de sementes ou defensivos, leva um prazo longo para ser desenvolvida e tem um custo alto e que a patente é o que permite recuperar o investimento. A empresa descobre um 'trait' (uma biotecnologia), introduz em uma semente e tem um direito por um período X de ter o retorno desse investimento. Todo ano que o agricultor vai plantar aquela semente ele está usando a tecnologia e é obrigado a pagar esse royalty, que é o direito de recuperar o investimento feito na tecnologia. A empresa considerou a decisão do STJ favorável e se diz satisfeita, pois só concorda com o princípio do retorno do investimento em tecnologia, que é extremamente importante, porque não havendo a proteção da propriedade intelectual, a empresa não investirá. Os produtores, inclusive, deveriam estar interessados que a Bayer continue investindo em um clima tropical para desenvolver tecnologias, concluiu a empresa. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.