07/Nov/2025
Há 50 anos, desde que o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi criado, em 1975, a cana-de-açúcar é o insumo predominante do etanol brasileiro. A novidade é que outras matérias-primas começam a ganhar relevância na geração do biocombustível. Em 2024, o milho respondeu por cerca de um quinto da produção de etanol no país. As primeiras usinas comerciais que utilizam sorgo e trigo devem entrar em operação ainda este ano. O agave, por sua vez, apresenta potencial para se tornar um insumo de etanol nacional. A planta, um gênero de suculentas típicas de regiões semiáridas, é utilizada no México para fazer tequila e, na Bahia, fibra de sisal. A produção brasileira de etanol em 2024, a maior já registrada, foi de 36,8 bilhões de litros, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica). De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia 2035, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a demanda total do biocombustível deverá crescer para 48,2 bilhões de litros ao fim de 10 anos.
O estudo da EPE também avalia que haverá no próximo decênio uma expansão significativa da oferta de etanol de milho. Hoje, a principal alternativa à cana-de-açúcar, passará dos 7,4 bilhões de litros verificados em 2024 para em torno de 16,3 bilhões de litros em 2035, correspondendo a 30% da produção nacional. A União Nacional do Etanol de Milho (Unem) relaciona 24 usinas de etanol em operação no país que usam o cereal e 38 projetos de construção de novos estabelecimentos, sendo que 19 deles já foram autorizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Sinop, em Mato Grosso, abriga a maior usina do mundo dedicada à produção de etanol de milho. Operada pela Inpasa, tem capacidade para processar 4,6 milhões de toneladas de milho e produzir 2,1 bilhões de litros de etanol por ano. Uma das grandes vantagens do milho como insumo do etanol é a possibilidade de armazenamento do cereal, que pode ser processado em qualquer momento do ano.
A cana-de-açúcar precisa ser beneficiada em até 48 horas após ser colhida, antes que o açúcar seja degradado. Além disso, devido ao seu processo de crescimento e maturação, a cana não está pronta para a colheita em todos os meses do ano. Essa característica faz com que as usinas de cana parem no período de entressafra, entre novembro e março. O milho utilizado para a produção de etanol no último ano, de acordo com a EPE, representou apenas 15% da safra colhida em 2023/2024. No Brasil, mais de 75% da produção de milho ocorre na 2ª safra, durante a entressafra da soja, que ocorre no outono e inverno. Outro cereal de cultivo na 2ª safra é o sorgo, usado na alimentação animal. Além de etanol, as usinas que processam milho e outros cereais geram um subproduto destinado principalmente à ração animal, conhecido pela sigla DDGS, de grãos secos de destilaria com solúveis. Segundo a Embrapa Milho e Sorgo, por apresentar um custo entre 15% e 25% menor do que o milho para um rendimento em etanol e DDGS quase equivalente, o sorgo tem sido adotado desde 2024 por usinas de etanol de milho para compor o mix de insumos.
Empresários já falam em processar 50% milho e 50% sorgo. Em 2025, foram anunciadas as primeiras usinas de etanol planejadas para trabalhar especificamente com sorgo, no Maranhão, em Mato Grosso do Sul e Alagoas. Em regiões e microrregiões mais secas, o sorgo, que tem menor necessidade hídrica, apresenta desempenho melhor do que o do milho. A área produtora de soja do Matopiba (Maranhão, do Tocantins, do Piauí e Bahia), e municípios do leste de Mato Grosso, conhecidos como Vale do Araguaia, apresentam-se como os mais propícios para investimentos em usinas de etanol a partir do sorgo, conforme pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo. Para o Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e a Força Tarefa para a Descarbonização do Transporte com Biocombustíveis da Agência Internacional de Energia (IEA), diversificar as fontes de matérias-primas proporciona maior garantia à oferta de etanol. Não é bom depender de uma única biomassa, que pode ter sua oferta e preço afetados de acordo com condições climáticas, doenças na lavoura e alterações na cotação internacional das commodities agrícolas.
Na Região Sul do País, o trigo começa a ser utilizado para a produção de etanol. A primeira usina foi construída em Santiago, no Rio Grande do Sul, e terá capacidade para produzir mais de 13 milhões de litros por ano, assim que sua licença operacional for aprovada, o que é aguardado para ocorrer ainda este ano. O Estado quase não produz cana-de-açúcar, e o etanol, adquirido principalmente da Região Sudeste, não é competitivo diante da gasolina devido ao custo logístico. Na usina de Santiago será utilizado um trigo de baixa qualidade não aproveitado para a alimentação humana. É um trigo que, por condições climáticas, não atinge o padrão de qualidade exigido. Com isso, perde valor e acaba destinado para nutrição animal, detalha a CB Bionergia, companhia que investiu R$ 110 milhões na instalação da usina. Além de trigo, a planta poderá processar etanol com o uso de arroz, milho, sorgo, triticale, cevada e centeio.
Uma segunda usina de etanol de trigo e outros cereais, com capacidade para 210 milhões de litros anuais a partir do fim de 2026, também está sendo erguida no Rio Grande do Sul, pela companhia Be8, com investimentos anunciados de R$ 1,2 bilhão. O uso de milho e sorgo é predominante nos Estados Unidos, o maior produtor mundial do biocombustível, enquanto na Europa o trigo é mais usual. As usinas brasileiras que produzem etanol de cereais recorrem principalmente a fornecedores de tecnologia estrangeiros. Nos cereais, o principal componente energético é o amido. O processo de produção do etanol demanda a moagem do grão e sua mistura com água aquecida, formando um mosto de alta viscosidade. Nesse mosto é acrescentada uma enzima, a alfa-amilase (ou a-amilase). Como detalha a IFF América Latina, uma das principais fornecedoras de tecnologia para a produção de etanol de cereais no País, a enzima quebra a estrutura molecular do amido em cadeias menores.
Essa etapa é conhecida como cozimento e liquefação. Em seguida, um segundo conjunto de enzimas, denominadas glucoamilase, “picota” as cadeias menores liberando glicose, um tipo de açúcar, permitindo o processamento pelas leveduras. Essa segunda etapa é conhecida como sacarificação e fermentação simultânea. Na sequência, o processo de fabricação do biocombustível é idêntico ao da cana-de-açúcar. O líquido obtido é encaminhado para destilação, onde ocorre a separação do etanol. Uma das tarefas da IFF é fornecer a combinação de enzimas e leveduras, dentro do acervo, mais adequadas para as características do insumo que vai ser processado em cada momento da safra, aumentando o rendimento do processo produtivo. Uma tendência que ganha força entre os produtores de etanol de cana-de-açúcar é o investimento em estabelecimentos flex. Essas unidades são usinas tradicionais de cana-de-açúcar que incorporam as etapas de processamento enzimático de cereais.
Com isso, sua estrutura produtiva é aproveitada durante todo o ano, pois passam a ser utilizadas durante o período da safra da cana e na entressafra podem dedicar-se à fabricação do etanol de milho, trigo ou sorgo. O agave poderá tornar-se dentro de alguns anos uma alternativa para a produção de etanol no país. Uma iniciativa nesse sentido é o programa Brazil Agave Development (Brave). Seu objetivo é estabelecer soluções para elevar a produtividade da planta e criar rotas de processamento visando à geração de diferentes tipos de biocombustíveis. O Brave tem origem em um projeto financiado pela Fapesp e investimento de R$ 110 milhões da petroleira anglo-holandesa Shell e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia (Cimatec) também participam da iniciativa. Não há ainda produção de etanol de agave no Brasil nem em outro país.
O primeiro plantio experimental teve início este ano em uma área de 1.400 hectares do Cimatec Sertão, em Ourolândia (BA). A planta leva entre cinco e sete anos para chegar ao ápice. Nesse período, ganha 100 toneladas de biomassa por ano, desempenho superior ao da cana-de-açúcar, que gera em média 80 toneladas por ha por ano. Estudo feito por pesquisadores britânicos e australianos, publicado no periódico Journal of Cleaner Production, em 2020, apontou que 1 hectare de agave poderá proporcionar 7.400 litros de etanol por ano, rendimento inferior ao da cana-de-açúcar (9.900 litros/ha/ano) e superior ao do milho (3.800 litros/ha/ano). O processo produtivo do etanol de agave é parecido ao da cana-de-açúcar, mas obstáculos ainda precisam ser superados. O biocombustível é gerado a partir do suco extraído das folhas e da pinha do agave, rico em inulina, um açúcar tipo frutano. Um dos problemas é que a levedura Saccharomyces cerevisiae, usada para converter os açúcares presentes no caldo de cana em etanol, não metaboliza a inulina.
Para superar esse obstáculo, a equipe da Unicamp sequenciou o genoma do fungo Aspergillus welwitschiae, que se alimenta do agave, e com isso conseguiu obter uma enzima capaz de metabolizar a inulina. O sequenciamento foi tema de artigo publicado na Genomics, em 2022. Com essa enzima, desenvolveram uma cepa geneticamente modificada de S. cerevisiae. Os cientistas brasileiros também investigaram a espécie de agave, entre as mais de 200 existentes, mais adequada à produção de etanol, e buscaram desenvolver soluções voltadas à mecanização do plantio e da colheita e ao processamento do etanol. O Brasil é o maior produtor mundial de Agave sisalana, planta que fornece a fibra de sisal. A Bahia concentra 90% da produção nacional da fibra, estimada em 93 mil toneladas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Fonte: Revista Pesquisa Fapesp. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.