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30/Sep/2025

Etanol de Milho: mercado passa por transformações

Da consolidação do etanol de milho nos Estados Unidos à expansão das usinas no Brasil, o setor enfrenta pressões da eletrificação da frota, disputas comerciais e a necessidade de se reinventar em uma matriz energética mais diversa. O mercado do milho e do etanol tem passado por transformações aceleradas, com efeitos que vão além da energia e chegam até a pecuária. Nos Estados Unidos, maior produtor mundial de milho, o preço do etanol está diretamente atrelado ao do cereal. O avanço do uso do biocombustível a partir de meados dos anos 2000 provocou um verdadeiro "boom" na construção de usinas de etanol de milho. Com isso, a demanda adicional elevou os preços do grão, tema que foi amplamente abordado por diversos estudos e que levantou questionamentos se o avanço do biocombustível afetou o custo da alimentação dos norte-americanos.

Recentemente, mudanças técnicas, como a popularização de carros híbridos e totalmente elétricos, passaram a questionar o modelo vigente de consumo energético, reduzindo o espaço dos combustíveis fósseis e colocando sob atenção o futuro do próprio etanol. No Brasil, o debate em torno do etanol ganhou contornos políticos. Os Estados Unidos criticam a tarifa de 18% aplicada pelo Brasil ao etanol norte-americano, classificando-a como uma medida protecionista. Ao mesmo tempo, os países do Mercosul continuam a exportar livremente o biocombustível para cá, sem incidência de tarifas. Paralelamente, a expansão das usinas de etanol de milho no Brasil lembra o movimento vivido pelos norte-americanos nos anos 2000. Com frequência, são anunciadas novas plantas ou ampliações das existentes, o que reforça a importância crescente desse setor na matriz energética e agrícola nacional. Nesse cenário, a pecuária brasileira ocupa uma posição importante.

As usinas de etanol de milho se tornaram fornecedoras fundamentais de insumos para a alimentação bovina em sistemas intensivos, especialmente por meio dos coprodutos como os conhecidos DDGs, que contribuem para reduzir custos e aumentar a eficiência da produção pecuária. A aprovação da Lei de Política Energética de 2005 (Energy Policy Act) foi um divisor de águas no mercado norte-americano. Foi nesse momento que surgiu o programa Renewable Fuel Standard (RFS), determinando a adição crescente de biocombustíveis aos combustíveis fósseis e criou uma demanda firme para o etanol. Dois anos depois, a Lei de Independência e Segurança Energética de 2007 (Energy Independence and Security Act) ampliou de forma expressiva o RFS. O etanol de milho ganhou então uma demanda garantida em grande escala, consolidou-se como peça central da matriz agroenergética dos Estados Unidos e afetou diretamente tanto os preços quanto a área semeada com milho.

Entre 2006 e 2010, o país expandiu de maneira significativa a área cultivada com milho, direcionando uma fatia cada vez maior da produção para abastecer as usinas de etanol. A participação do milho destinado à produção de etanol nos Estados Unidos era baixa até o início dos anos 2000. A virada ocorreu a partir de 2005, quando o avanço das políticas de biocombustíveis impulsionou a demanda. Em 2006, o uso avançou para 19% e saltou para 24% em 2007. Em 2012, essa participação atingiu o pico de 41,9%. Ainda que a participação tenha parado de crescer nos últimos anos, o setor continua absorvendo mais de um terço da safra norte-americana. Mesmo com a expansão da área plantada e o aumento da produção, a cotação do milho nos Estados Unidos avançou de forma significativa nos anos posteriores da adoção das leis de biocombustíveis. Entre 2006 e 2011, os preços do milho se mantiveram, em média, 30% acima do que seriam sem lei dos biocombustíveis.

Nos últimos anos do período analisado o impacto se intensificou e cotações até 45% maiores foram estimadas. A cada 3,8 bilhões de litros de etanol produzidos, a cotação subiu entre 2% e 3% no longo prazo, chegando a 9% em janelas de curto prazo. Quando é considerado o uso dos coprodutos (DDGs na alimentação de animais), os impactos são mais moderados, mas ainda significativos e não alteraram a conclusão central. Com a expansão das usinas de etanol de milho, houve elevação nos preços do grão e, em consequência, impacto relevante no custo de alimentação da população norte-americana. De fato, esse movimento ocorreu. A questão que se coloca é: essa relação se manteve como uma verdade absoluta após o advento do etanol de milho nos Estados Unidos? Os estudos foram publicados em 2013, período em que o país ainda vivia os reflexos do pico histórico das cotações.

O que não foi plenamente considerado, porém, são as transformações econômicas geradas pelos preços mais altos, como a incorporação de tecnologia e ganhos de eficiência por parte dos agricultores, fatores que ajudaram a redesenhar a dinâmica do mercado nos anos seguintes. De 2014 em diante, até o cenário pandêmico, a cotação ficou em níveis mais baixos do que em comparação com os anos de alta passados, e quando se considera o cenário deflacionado a cotação posterior a 2014 se manteve em níveis semelhantes ao anterior dos mandatos de biocombustíveis. O preço do etanol e o preço do milho nos Estados Unidos andam de forma quase que conjunta. No entanto, o “acoplamento” entre os dois preços ocorreu somente após as leis de biocombustíveis. Entre o período de janeiro/1997 e dezembro/2009, a correlação entre a cotação do etanol e do milho era de 0,41. Entre o período de janeiro/2010 e maio/2025 o número foi de 0,84, indicando que os dois mercados andam juntos a maior parte do tempo.

Ainda nesse último período, o coeficiente de determinação (R²) foi de 0,71, mostrando que 71% da variação do preço do etanol pode ser explicada pela cotação do milho. Recentemente, aventou-se a hipótese de que a venda de carros elétricos nos Estados Unidos estaria diminuindo a demanda por combustíveis, tanto fósseis quanto renováveis. De 2010 até 2024, foram vendidos 4,7 milhões de veículos exclusivamente elétricos e 11,8 milhões de veículos híbridos nos Estados Unidos, enquanto a frota total de veículos leves norte-americana registrada em 2024 era de 259,2 milhões. Ou seja, a frota totalmente elétrica representa 1,8% enquanto a híbrida representa 4,6%, pelo menos até 2024. Juntas, o percentual é de 6,4% de todos os carros rodando nos Estados Unidos. Mesmo com a participação dos veículos híbridos e elétricos cada vez maior no total da frota, o consumo de gasolina pelos norte-americanos ficou praticamente estável nos últimos anos.

Assim, levantam-se duas hipóteses: a primeira é de que o consumo de gasolina realmente diminuiu, com base no consumo maior em 2019 do que em comparação com 2024, não considerando a pandemia no meio do caminho. A segunda é que o consumo não foi afetado pelos veículos híbridos e elétricos, levando em conta o cenário pós pandemia (a partir de 2021), em que o consumo de gasolina aumentou desde então. Dessa forma, entendemos que os efeitos da eletrificação da frota norte-americana devem se consolidar em uma escala de longo prazo. A penetração dos veículos elétricos e híbridos avança de forma gradual e ainda representa uma parcela pequena diante do total de automóveis circulando nos Estados Unidos. O movimento de transição energética está em curso, mas seus reflexos diretos sobre o consumo e a precificação dos combustíveis devem ser observados em uma escala de tempo mais longa. O Brasil externalizou, em 2024, 1,9 bilhão de litros de etanol, com os Estados Unidos sendo o destino de 16,6% desse volume. A exportação em 2024 correspondeu a 5,1% da produção brasileira. De forma geral, o percentual nos últimos anos sempre permaneceu entre 5% e 8%.

A participação norte-americana nas vendas pelo Brasil era alta até 2019. Desde então, os norte-americanos reduziram as compras. Mesmo sendo um grande produtor do biocombustível, o Brasil também internaliza uma quantidade significativa, embora o volume tenha diminuído consideravelmente nos últimos anos. O pico de importação em 2017 resultou em uma combinação de preços baixos do etanol nos Estados Unidos, puxados por preços mais baixos do milho, além de uma pequena quebra na produção brasileira de etanol. A partir de 2019, o Brasil começou a importar etanol do Paraguai e, em menores quantidades, da Argentina. O ponto é, os Estados Unidos, ainda com a tarifa de 18% aplicada sobre eles, seguem exportando mais do que outros países do Mercosul. Há um fator que pode explicar isso: a competitividade norte-americana que, mesmo com os 18%, continua entrando no Brasil em maior volume do que o produto de países vizinhos, o que indica preços mais competitivos, maior disponibilidade e/ou melhor logística comercial.

A internalização ocorre através dos portos da Região Nordeste, o que sugere que o etanol norte-americano chega no Nordeste com preços mais competitivos do que o transportado internamente. Durante os anos de 2017 e 2018, o nível de importação foi tão grande que a balança comercial do etanol, em litros, ficou negativa. Ou seja, o Brasil mais importou etanol do que exportou. Os norte-americanos exportaram em 2024 o maior volume de etanol da história, foi 1,9 bilhão de galões de etanol, algo em torno de 7,2 bilhões de litros. A participação brasileira neste ano foi quase inexistente, uma redução drástica frente à participação anterior do Brasil. O etanol é o elo estratégico entre energia e agricultura, mas seu futuro dependerá da capacidade de competir em um cenário de eletrificação crescente e disputas comerciais cada vez mais acirradas. Fonte: Alcides Torres. Broadcast Agro.