14/Oct/2024
Uma parceria entre os governos de São Paulo e do Paraná pretende reativar um canal marítimo aberto há 70 anos para interligar os litorais dos dois Estados. O Canal do Varadouro, que no passado serviu para o escoamento de pesca e até o transporte de passageiros, está desativado para navegação há mais de três décadas por causa do assoreamento. Mas, o Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito civil público para investigar o projeto de rota turística marítima entre Cananeia, no sul de São Paulo, e Paranaguá, no Paraná. O governo do Paraná, que detém a maior parte do canal, entrou com pedido no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para aprofundar e alargar a passagem marítima. O objetivo é criar uma nova rota turística navegável entre os dois Estados. Para o governo de São Paulo, o projeto pode alavancar o turismo no extremo sul do seu litoral, região que tem grande potencial, mas ainda é pouco procurada pelos visitantes.
Apenas o Parque Estadual Ilha do Cardoso, em Cananeia, tem fluxo permanente de turismo ecológico. Em agosto, o projeto foi apresentado no 9º Congresso Internacional de Náutica, em São Paulo. O projeto seria uma espécie de ‘BR do mar’. Em março do ano passado, os secretários de Turismo do Paraná e de São Paulo assinaram protocolo de intenções de ações conjuntas para revitalizar o Canal do Varadouro. Conforme a Secretaria de Turismo de São Paulo (Setur), a exemplo do Paraná, também foram iniciados estudos para a dragagem da parte paulista do canal. Com seis quilômetros de extensão, o canal liga Paranaguá, no Paraná, a Cananeia, no extremo sul de São Paulo, passando pelas Ilhas das Peças e de Superagui. Hoje parque nacional, a Ilha do Superagui fazia parte do continente até se tornar ilha pela abertura do canal, nos anos 1950. Atualmente, o canal tem trechos não navegáveis, pois há pontos com bancos de areia em que se atravessa a pé.
O projeto prevê alargar o curso d’água, deixando o canal com largura mínima de 30 metros, e utilizar dragas para aprofundar a calha em até 2,4 metros. Com isso seria possível a passagem de iates e barcos turísticos, além de permitir a pesca embarcada. Outra possibilidade é utilizar a rota para transportes de passageiros entre a Baía de Paranaguá e as cidades paulistas de Cananeia, Iguape e Ilha Comprida. Segundo a Secretaria de Planejamento do Paraná, mesmo com o canal assoreado, os habitantes das comunidades tradicionais da região ainda usam a passagem marítima para se locomover em barcos pequenos. O canal está no coração da Mata Atlântica. Tem potencial para turismo náutico, podendo trazer gente de São Paulo para navegar no litoral do Paraná, o que também vai gerar empregos para os ribeirinhos. Um inquérito civil sigiloso, instaurado em julho, apura possíveis prejuízos ambientais ligados ao Varadouro e o impacto nas comunidades tradicionais.
Os governos de São Paulo e Paraná dizem que não haverá dano ambiental e afirmam que todos os cuidados serão tomados. O Ibama diz que o processo de licenciamento para a dragagem do Varadouro foi aberto, mas por causa da ação dentro do Parque Nacional do Superagui, o ICMBio identificou impedimento legal para a atividade. O interessado (governo do Paraná) recorreu da decisão e o recurso está em processo de avaliação. O governo de São Paulo diz que a previsão é de um canal para a navegação de motos aquáticas, pequenas embarcações, lanchas, que não implicam qualquer comprometimento ambiental, uma hidrovia de enorme potencial para estimular o turismo entre os dois Estados. O governo do Paraná aguarda o retorno do Ibama, que deverá indicar no Termo de Referência as necessidades ambientais a serem observadas. O Estado diz que seguirá todas as orientações e tomará todos os cuidados a fim de preservar áreas protegidas e patrimônio arqueológico, respeitando os protocolos de consulta às comunidades tradicionais.
A Fundação SOS Mata Atlântica vai cobrar os Estados sobre o projeto de dragagem, qual o tipo de navegação será praticado e qual a proposta. Será exigido debate transparente sobre o licenciamento por se tratar de área extremamente frágil no coração da Mata Atlântica, com porção rica de manguezais, sambaquis e comunidades tradicionais. É importante prever uma capacidade de suporte, voltado para o turismo regenerativo e de natureza. Tem um desafio grande que é integrar as áreas protegidas, as várias unidades de conservação. O turismo tanto pode ser alternativa de desenvolvimento sustentável, como vetor de degradação. Para o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), a área do Lagamar de Paranaguá até Peruíbe abriga alguns dos últimos remanescentes de natureza costeira do Sudeste e do Nordeste, em mosaico de áreas protegidas sem similar. É uma área de extrema vulnerabilidade que já mostra muitas variações de terrenos em função das mudanças climáticas. Praias sendo comidas pelo mar, casas ruindo, ilhas se partindo em duas.
É delirante a ideia de pôr nesse conjunto magnífico uma ‘rodovia marinha’ de grande circulação. O Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) estuda a região desde 2014 e fez diagnóstico de 18 comunidades tradicionais no entorno do Parque de Superagui que estão na área onde está prevista a dragagem. Em alguns trechos, o canal tem 10 m de largura e 30 cm ou 40 cm de profundidade. São trechos estreitos e, aprofundando o leito, as margens vão desbarrancar. Embarcações maiores e potentes nunca circularam na região. A história do Canal do Varadouro remonta ao início do século 19, quando a Câmara de Cananeia pediu ao governador geral da Capitania de São Paulo a abertura de uma via de comunicação entre a cidade e a Baía de Paranaguá. Em 1820, os próprios moradores começaram a abrir com ferramentas de mão o canal; o nome “varadouro” vem da necessidade que tinham de arrastar suas canoas para “varar” os trechos rasos. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.