30/Sep/2024
O uso de biocombustíveis no Brasil remonta à década de 1970, quando crises de petróleo despertaram o interesse em fontes alternativas de energia. Desde então, o desenvolvimento de biocombustíveis passou por diversas fases, desde os chamados biocombustíveis de primeira geração, como o etanol e biodiesel, para o atual desenvolvimento de tecnologias mais avançadas e com grande potencial futuro, como o hidrogênio. Os tipos de hidrogênio utilizados para produção de energia são classificados por cores, que representam seu método de produção e impacto ambiental. O uso do hidrogênio em si não tem impacto emissivo, porém o aspecto principal que define a qualidade ambiental do hidrogênio e suas emissões está em seu processo de produção, que exige grande quantidade de energia. Existem três tipos principais:
- Hidrogênio Verde: É o tipo o mais limpo e sustentável ambientalmente. Produzido através da eletrólise da água, usando energia renovável como solar ou eólica. Não emite gases de efeito estufa (notadamente CO2) durante sua produção, sendo o único tipo neutro em carbono.
- Hidrogênio Azul: considerado uma opção intermediária. Produzido a partir do gás natural, mas inclui a captura e armazenamento do CO2 gerado. Emite menos carbono que o hidrogênio cinza, mas não é totalmente livre de emissões.
- Hidrogênio Cinza: é o tipo mais comum atualmente, mas também o mais poluente. Produzido a partir do gás natural sem captura de carbono, resultando em altas emissões de CO2.
Por não gerar emissões de gases poluentes durante sua produção ou utilização, o hidrogênio verde é considerado uma solução promissora para a transição energética em direção a uma economia de baixa emissão de carbono. A produção de hidrogênio verde oferece uma rota importante para a descarbonização de setores-chave da economia global, apresentando soluções inovadoras para indústrias de difícil abatimento. No setor siderúrgico, o hidrogênio verde pode substituir matérias-primas como o coque e o gás natural no processo de redução direta do minério de ferro (DRI), reduzindo drasticamente as emissões de CO₂. Estudos recentes indicam que a utilização de hidrogênio verde na produção de aço pode reduzir as emissões em até 98% em comparação com os métodos convencionais. No setor de transportes, especialmente para veículos pesados e de longa distância, o hidrogênio verde apresenta-se como uma alternativa promissora, oferecendo maior autonomia e tempos de reabastecimento mais curtos em comparação com as baterias elétricas.
Além disso, o hidrogênio verde é crucial na produção de amônia verde para fertilizantes, contribuindo significativamente para a descarbonização da indústria química. A amônia verde não só reduz as emissões na produção de fertilizantes, mas também emerge como um potencial combustível limpo para o transporte marítimo, oferecendo uma solução de duplo impacto para a redução de emissões globais. Os usos finais do hidrogênio são diversos e promissores, com aplicações transformadoras nos setores de transporte e indústria. No setor de transportes, o hidrogênio alimenta células de combustível em veículos elétricos, oferecendo uma alternativa de zero emissões aos combustíveis fósseis. Sua aplicação é particularmente vantajosa em veículos pesados, como caminhões e ônibus, onde supera as limitações de autonomia e tempo de recarga das baterias elétricas convencionais. Na indústria, o hidrogênio verde não só substitui o hidrogênio convencional na produção de amônia e outros produtos químicos, mas também oferece soluções inovadoras para processos de alta temperatura em indústrias como a de cimento e vidro.
O hidrogênio também desempenha um papel importante no armazenamento de energia renovável que não é imediatamente utilizada, funcionando como um “amortecedor” (ou “buffer”). Isso significa que ele ajuda a equilibrar a diferença entre a quantidade de energia disponível e a quantidade que está sendo consumida, especialmente em redes elétricas que utilizam fontes renováveis, como solar e eólica, que produzem energia de forma intermitente (ou seja, nem sempre produzem energia de maneira constante). A capacidade do hidrogênio de armazenar energia por longos períodos é fundamental para garantir que essas redes continuem estáveis e confiáveis, facilitando uma transição mais segura para uma economia de baixo carbono. Neste sentido, o hidrogênio verde está emergindo como um elemento crucial para a transição energética global e a descarbonização. De acordo com o relatório do World Economic Forum, o hidrogênio verde tem o potencial de contribuir com cerca de 10% das reduções de emissões necessárias para atingir a neutralidade de carbono até 2050.
Isso posiciona o hidrogênio verde entre as seis principais vias tecnológicas para redução de emissões em escala global. O World Economic Forum também destacou que o Brasil, com seus vastos recursos de energia renovável, tem potencial para se tornar um importante player no mercado global de hidrogênio verde. Estima-se que até 2030, o Brasil possa produzir entre 0,6 e 1,1 milhões de toneladas de hidrogênio verde por ano, com 60% dessa produção destinada ao consumo doméstico. Até 2050, projeta-se que o país tenha potencial para produzir entre 21 e 32 milhões de toneladas anualmente, podendo competir por 10% do mercado global. Esse potencial significativo coloca o Brasil em uma posição estratégica para liderar o desenvolvimento da economia do hidrogênio verde nas próximas décadas. Dentro deste contexto, uma importante vantagem comparativa do Brasil em relação a esse produto é o chamado hidrogênio verde-musgo, em outras palavras, uma subcategoria dentro do hidrogênio verde, que é produzido a partir da utilização de resíduos agroindustriais.
Como um dos principais produtores agrícolas globais, o Brasil possui abundância de subprodutos agrícolas que podem ser transformados em hidrogênio verde-musgo. Este processo é vantajoso porque agrega valor a resíduos que normalmente seriam descartados e, ainda, pode gerar um produto com emissões de carbono negativas. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou a produção brasileira de resíduos agroindustriais em 291 milhões de toneladas anuais, demonstrando o enorme potencial para a produção de energia sustentável. Outro avanço significativo ocorre na pecuária, onde biodigestores são utilizados para transformar dejetos animais em biogás, rico em metano, que pode ser convertido em hidrogênio verde. Esse processo estabelece uma ligação entre a pecuária e a produção de energia limpa. No entanto, o alto custo de implementação dos biodigestores representa um obstáculo significativo, particularmente para os produtores de pequeno e médio porte, apesar dos benefícios a longo prazo.
Ainda no contexto agrícola, a produção de hidrogênio a partir do etanol tem ganhado relevância como uma alternativa promissora para a geração de energia limpa. Nesse cenário, o projeto da Shell Brasil, em parceria com a Raízen, Hytron, Universidade de São Paulo (USP) e Senai Cetiqt, merece destaque. A iniciativa busca demonstrar a viabilidade da produção de hidrogênio renovável utilizando o etanol como matéria-prima, aproveitando a infraestrutura existente da indústria sucroalcooleira brasileira. De acordo com a Shell Brasil, o objetivo do projeto é demonstrar que o etanol pode ser um vetor para produzir hidrogênio renovável, utilizando a logística já existente da indústria de etanol. O Brasil também tem potencial para produzir hidrogênio a partir do biometano gerado em aterros sanitários. Esta abordagem não só cria uma fonte de energia limpa, mas também reduz significativamente o volume de resíduos sólidos no ambiente.
O aproveitamento energético em aterros sanitários traz benefícios cruciais para a agropecuária e sustentabilidade: diminui a necessidade de terras para disposição de resíduos, liberando áreas para uso produtivo, incluindo agricultura; e evita a contaminação do solo e lençóis freáticos, preservando recursos vitais para a produção agrícola. A Região Nordeste do Brasil, com sua intensa incidência solar ao longo do ano, possui outro grande potencial para o desenvolvimento de hidrogênio verde. A região já se destaca pela competitividade na geração de energia renovável, especialmente solar e eólica, o que oferece uma base sólida para a eletrólise da água e a produção desse combustível limpo. Apesar dos benefícios e das diversas matérias-primas disponíveis no Brasil, o hidrogênio ainda enfrenta desafios, principalmente em relação ao transporte e ao custo. Devido à sua alta inflamabilidade, o hidrogênio precisa ser comprimido ou liquefeito, processos que demandam muita energia, são caros e ainda apresentam algum grau de risco.
Seu transporte requer infraestrutura especializada, como tubulações ou caminhões-tanque adaptados, o que eleva os custos logísticos. A conversão do hidrogênio verde em amônia facilita o transporte a longas distâncias, mas esse processo, junto aos custos de transporte e fracionamento, pode dobrar o preço final. Diante deste cenário, a amônia verde surge como uma solução promissora para o transporte e armazenamento de hidrogênio em larga escala. Sendo um líquido facilmente armazenável e transportável, a amônia verde pode funcionar como um eficiente carregador de hidrogênio por longas distâncias. Uma vantagem significativa é a possibilidade de utilizar a infraestrutura existente para o transporte de amônia fóssil, que já é bem desenvolvida. Ao chegar ao destino, o hidrogênio pode ser extraído novamente para uso final. O custo elevado da produção de hidrogênio verde continua sendo um dos maiores obstáculos para sua expansão em larga escala.
Atualmente, a produção desse combustível é mais cara do que os métodos convencionais, como a reforma a vapor do metano ou a gaseificação do carvão. No entanto, devido à sua alta densidade energética e ao potencial de redução de custos com avanços tecnológicos e economias de escala, o hidrogênio verde se destaca como uma solução promissora para acelerar a transição para uma economia de baixo carbono. A América Latina, especialmente países como o Brasil e o Chile, emerge como uma região estratégica nesse contexto de queda de preços do hidrogênio. A abundante capacidade de geração de energia renovável e os custos competitivos de produção colocam a região como uma potencial exportadora global (seja do hidrogênio ou de um de seus “transportadores”, como a amônia verde). Projeções indicam que, até 2030, a América Latina poderá atender entre 25% e 33% da demanda global de hidrogênio, colocando a região em concorrência direta com mercados como Austrália e África.
Esse potencial é impulsionado pela vasta capacidade de geração de energia renovável da região, como solar e eólica, o que torna o custo de produção do hidrogênio mais competitivo. No Brasil, por exemplo, o desenvolvimento de um hub de hidrogênio verde no Porto de Pecém, no Ceará, está posicionando o país como um potencial exportador de hidrogênio, com foco nos mercados da Europa. Um hub é um centro estratégico onde a produção, armazenamento e distribuição de hidrogênio ocorrem, facilitando o transporte em larga escala. Nesse caso, uma joint venture entre o Porto de Pecém e o Porto de Rotterdam está investindo na criação da infraestrutura necessária para o hub, além de estabelecer um corredor marítimo Brasil-Holanda que facilitará a exportação de hidrogênio verde para a Europa. Paralelamente, a América Latina está se consolidando como um ator estratégico na transição energética global, com 11 potenciais hubs de hidrogênio limpo já identificados na região prontos para capitalizar essa oportunidade.
Para incentivar a promoção do hidrogênio verde, o Brasil vem se destacando na criação de políticas voltadas para o hidrogênio verde, com a sanção da Lei No 14.948, conhecida como “Lei do Hidrogênio Verde”, em agosto de 2024. Essa lei estabelece o marco legal para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, oferecendo incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura e exportação. A legislação também prevê a redução de contribuições sociais para empresas envolvidas na produção e comercialização de hidrogênio verde. Esses incentivos buscam estimular o crescimento do setor e posicionar o Brasil como um líder global na transição para uma economia de baixo carbono. Além da nova lei, o Brasil já havia lançado em 2021 o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), com o objetivo de promover o hidrogênio verde como fonte de energia sustentável.
O PNH2 estabelece metas para a criação de plantas piloto de produção em várias regiões do País até 2025, buscando aumentar a competitividade do Brasil nesse mercado emergente. No entanto, embora o programa represente um avanço significativo, o orçamento de R$ 200 milhões destinados até 2025 é modesto quando comparado aos grandes investimentos realizados por outras nações. Em comparação com países desenvolvidos que dispõem de maior capital para investimentos, o Brasil ainda está em uma fase inicial no desenvolvimento do setor de hidrogênio verde. Enquanto nações como os Estados Unidos, Alemanha e China estão alocando bilhões de dólares em suas estratégias de transição energética, o Brasil enfrenta limitações financeiras que podem retardar seu avanço nesse mercado promissor.
À medida que o mundo avança em direção a uma nova era de energia limpa, o Brasil encontra-se em uma encruzilhada com imenso potencial para liderar essa revolução. As bases já foram lançadas, com a Lei do Hidrogênio Verde e o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2) atuando como pilares estratégicos. No entanto, o sucesso dessa jornada exigirá mais do que apenas legislações promissoras. Para garantir seu lugar no topo do mercado global de hidrogênio verde, o Brasil precisará superar desafios significativos em infraestrutura, financiamento e competitividade internacional. Ao capitalizar suas abundantes fontes de energia renovável e investir em tecnologia e inovação, o país pode transformar seu potencial em realidade. Com os passos certos, o Brasil não apenas contribuirá para a transição energética global, mas também consolidará sua posição como líder na nova economia de baixo carbono. Fonte: Agro Insper. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.