24/Sep/2024
Há mais de 40 anos na pesquisa, a engenheira agrônoma Mariângela Hungria, da Embrapa, se converteu em uma das vozes mais respeitadas sobre insumos biológicos, com descobertas ao longo das décadas que promoveram avanço no segmento dos inoculantes, proteção e nutrição de plantas por meio da união entre biologia e agropecuária. "Posso dizer que vi realmente uma mudança incrível na qualidade dos inoculantes, comercializados no Brasil, produzidos no Brasil. Antes a gente tinha, por exemplo, há 20 anos, inoculantes com contaminantes, concentração baixa, então tanto a pesquisa quanto a indústria e a legislação evoluíram juntas", diagnostica a pesquisadora. Para ela, o Brasil tem, atualmente, a "a melhor legislação do mundo" no segmento de biológicos, mesmo entre reclamações de indústrias e produtores sobre a lentidão no registro e enquadramento de múltiplos produtos em uma mesma categoria, o que vem mudando com mais velocidade.
A legislação garante então que os produtos que vão chegar para o agricultor têm que ser isentos de contaminante numa concentração bem baixa, tem que conter as bactérias que são identificadas pela pesquisa como as melhores para as condições do Brasil e com todas as especificações. Os inoculantes, que são um de seus focos de pesquisa há pelo menos três décadas, são produtos não químicos que ajudam as plantas na absorção dos nutrientes. Podem conter microrganismos benéficos para o desenvolvimento vegetativo, como bactérias e fungos. Em uma comparação entre esses produtos fabricados no Brasil com os norte-americanos ou com os europeus, a pesquisadora qualifica que os nacionais são muito superiores, com a legislação muito melhor. O famoso bradyrhizobium, inoculante muito utilizado na soja, costuma ter mil vezes menos concentração de células nos Estados Unidos e Europa em detrimento dos que estão sendo estudados e produzidos no Brasil.
Ela também distribui elogios para o avanço da indústria de bioinsumos no País e no Uruguai e Argentina. Entre esses três países pode haver uso comum das estirpes corretas, o que pode ajudar em um futuro de exportação de biológicos mais expressivo para a balança comercial brasileira. Hoje, o Brasil é líder mundial no uso de biológicos na agricultura, posição conquistada em razão de mais de 50 anos de investimento em pesquisa e de um trabalho contínuo. Para continuar nesse ritmo, precisa haver investimento em pesquisa privada feita por parte das empresas, e muita pesquisa pública a fim de continuar com o cenário invejável de produção de bioinsumos que o Brasil tem e que o mundo admira. Para a pesquisadora, o Brasil possui um mercado regulado, invejável, de uma "qualidade incrível". A regulação tem permitido, inclusive, preços mais competitivos. Os inoculantes brasileiros estão entre os mais baratos do mundo.
A legislação e fiscalização em cima da qualidade desses produtos no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) também têm dado segurança para pesquisa e para o agricultor. Se o agricultor tiver uma dúvida, ele pode chamar um fiscal do Mapa para coletar a amostra e analisar, e se não tiver aquela concentração, aquela pureza que está anunciada no rótulo do produto, ele pode ser ressarcido e a empresa (fabricante e/ou comercializadora) podem ser multadas. Controle de qualidade é um dos pilares para o avanço do mercado. É uma época bastante crítica, com projetos de lei sendo analisados, e eles são bastante contrastantes. A posição da pesquisa é que qualquer um pode produzir, mas que deve ter responsabilidade sobre aquilo que ele está produzindo. Com os problemas da pandemia de Covid-19, que restringiram de forma significativa a compra de fertilizantes no exterior, a dependência do País se manteve em níveis altos.
Atualmente, o Brasil compra de fora mais de 85% de todos fertilizante necessário para a agricultura. A situação se agravou com a guerra da Ucrânia com a Rússia e as consequências são sentidas pelo setor, em especial nas distribuidoras e revendas de insumos. Esse cenário despertou mais fortemente a possibilidade de produzir biológicos dentro da própria fazenda, os chamados "on farm". Para o agricultor que é eficiente, não que seja trocado 100%, mas quanto mais trocar, melhor. O agricultor teve essa oportunidade, viu que o biológico realmente funciona e começou um movimento de que eles poderiam produzir os próprios insumos na fazenda. Mas, é preciso uma atenção e acompanhamento contínuo, pois as condições fora de laboratório e a céu aberto podem afetar a efetividade do produto e levar o agricultor a desacreditar em microrganismos que, muitas vezes, têm comprovação científica sobre suas ações e performances no campo.
A microbiologia é uma coisa muito específica, não tem a mesma lógica de mistura química, ou se reduz a fazer uma compostagem. Ela exige uma pureza. É muito difícil o on farm, pois é preciso ter um ambiente totalmente acético, conhecer microbiologia, saber que aquela estirpe que se está usando. Embora haja uma série de produtores de diversos portes com suas biofábricas, é importante ter profissionais especializados no acompanhamento, o que pode significar investimentos maiores em um primeiro momento para, depois, a redução de custos acontecer. Por exemplo, no caso dos inoculantes, o Brasil é o mais barato do mundo, então realmente ele tem que fazer as contas na ponta do lápis para ver se ele realmente está economizando de montar toda uma infraestrutura para produzir os biológicos. A prioridade é garantir que os biológicos usados têm total relação com o que a cultura e o agricultor precisam para determinadas condições, geografias, cultivos e situação da lavoura.
A Embrapa tem feito análise de vários produtos ‘on farm’ há quatro anos, entrando no quinto. Até hoje, não foi encontrado sequer um produto ‘on farm’ que não tivesse um problema, seja de contaminação, de baixa concentração de células, etc. No caso dos biológicos, há também a preocupação com a dosagem. Por exemplo, do Azospirillum, que é usado na coinoculação da soja, é preciso uma dose na semente (dessa média que tem no mercado hoje de concentração) e duas no sulco. Não pode passar disso, porque a quantidade de fito hormônios produzidos é tão grande que pode em vez de estimular e inibir o crescimento das raízes. Todo mundo tem o direito de produzir bioinsumo na fazenda, mas tem o dever de produzir coisas de qualidade. Porque os microorganismos não conhecem cerca, então se espalhar um patógeno na sua propriedade, ele vai para propriedade do vizinho.
É necessário cuidados minuciosos no caso de on farm, ou mesmo no uso de biológicos sem acompanhamento, porque a agricultura brasileira é pressionada pelos parceiros comerciais internacionais e possui responsabilidade nas exportações. Conforme o mercado avança, empresas também realizam suas mudanças e adaptações para expandir no mercado de biológicos. Há grandes grupos, com muitos recursos, como o SLC, que estão revendo toda essa infraestrutura de biofábrica porque, além de terem especialistas, infraestruturas e tudo, terão de investir em pesquisa. E pesquisa custa muito caro. Esse investimento está totalmente atrelado à vanguarda no mercado de biológicos, porque seria impossível ter novidades sem as investigações laboratoriais. Fonte: Globo Rural. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.