27/Aug/2024
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta segunda-feira (26/08), o decreto que busca aumentar a oferta de gás natural no País. Esse ato, projetos de lei e uma Medida Provisória (MP) foram chancelados pelo presidente durante o lançamento da Política Nacional de Transição Energética, do qual Lula participou junto de outros ministros no Ministério de Minas e Energia (MME). A íntegra das propostas ainda não foi divulgada pelo governo. O decreto deverá "robustecer" as competências da Agência Nacional do Petróleo (ANP), ampliar oferta de gás natural, estabelecer melhorias no ambiente regulatório para atrair investidores, e desenvolver o mercado concorrencial de gás natural. O ato, na prática, vai alterar o decreto 10.712, de 2021, que regulamenta a nova Lei do Gás, também de 2021, relativa ao transporte, escoamento, estocagem e comercialização de gás natural. A MP assinada por Lula altera a lei 14.871, recentemente sancionada, para dispor sobre a depreciação acelerada de navios tanques.
A ideia do governo é de ampliar investimentos em logística para indústria de petróleo e derivados, com o intuito de reduzir oscilações de preço com o afretamento de embarcações. Além disso, dois PLs tiveram o aval do presidente para serem enviados ao Congresso. Um deles trata de conteúdo nacional, visando possibilitar a transferência de excedentes de conteúdo local entre contratos vigentes de exploração e produção. O outro cria uma nova modalidade de operacionalização do Auxílio Gás, direcionado a famílias inscritas no CADÚnico, com renda igual ou inferior ao salário-mínimo, que vai ampliar o alcance do programa. Um segundo decreto assinado revoga o ato que instituiu o comitê técnico integrado para desenvolvimento do mercado de combustíveis e demais derivados do petróleo e biocombustíveis. Hoje, o custo do gás natural no País gira em torno de US$ 14,00 por milhão de BTUs.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), a expectativa é de que as medidas possam ter uma redução de custo entre 35% e 40%, ou seja, para algo próximo a US$ 8,50 ou US$ 9,00 por milhão de BTUs. Ainda é preciso aguardar os detalhes, porque eles fazem diferença, mas o que saiu até agora veio em linha com o que os grandes consumidores queriam. É uma forma de dinamizar o mercado e aumentar a competitividade no mercado de gás. Esse vai ser o terceiro plano, em três governos diferentes, para tentar a redução do preço do gás no Brasil. Para a Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), a medida vai na direção correta. Trazer mais transparência ao acesso às infraestruturas essenciais é um movimento muito positivo que resgata a Lei do Gás. Ela prometeu um grande mercado competitivo e não veio até hoje. Permite otimismo e se soma a outras iniciativas para aumentar a oferta de gás e reduzir as emissões da indústria brasileira.
A reinjeção de gás por parte da Petrobras foi um dos pontos de atrito entre o ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira, e o ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. Silveira chegou a cobrar publicamente o presidente sobre a reinjeção de gás por parte da empresa. Prates, por sua vez, sempre alegou que havia justificativas técnicas. O decreto que o governo federal que altera o setor de gás natural no País, para tentar reduzir o preço do produto, pegou o setor de petróleo de surpresa. Fontes ligadas ao segmento já falam em quebra de contrato, risco de judicialização, além de entenderem que as medidas serão inócuas, com pouco efeito sobre os preços no curto e médio prazos. Os grandes consumidores de gás, como as indústrias química e de vidro, por outro lado, entendem que o decreto é benéfico para a economia e apoiam as medidas encabeçadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) afirmou que o entendimento entre executivos e especialistas do setor de petróleo é de que o MME está cometendo vários erros, tanto jurídicos quanto econômicos. De maneira geral, o setor de petróleo entende que o governo federal está fazendo uma intervenção no segmento de óleo e gás, quebrando contratos já firmados e jogando por terra planos de negócios e de exploração e produção das petrolíferas. Além disso, dizem que o decreto é uma afronta a Lei do Gás, aprovada pelo Congresso, e que somente uma nova lei teria força para fazer esse tipo de mudança. A consequência mais imediata será a paralisia nos investimentos e a busca por saídas jurídicas para amenizar as perdas. Para o Instituto de Energia da PUC-Rio, o decreto, além de intervencionista, não terá o efeito esperado pelo governo, de redução de preços.
A impressão é que o decreto ficou muito amplo, abrangente, com viés muito intervencionista, e isso vai trazer muita incerteza e insegurança jurídica, porque afronta os princípios da Lei do Gás. Qualquer resultado sobre os preços só pode acontecer no muito longo prazo. Entre as petrolíferas, ninguém aposta em queda imediata dos preços, como acreditam os consumidores de gás e o MME. Uma das principais medidas do decreto é a diminuição da reinjeção de gás nos poços de petróleo, o que é feito pelas petrolíferas para acelerar a extração do óleo. Na visão da Pasta, isso iria obrigar as empresas a venderem mais gás, o que aumentaria a sua oferta. Isso é muito estanho, porque o plano de desenvolvimento de cada poço é aprovado pela ANP, para só então ser colocado em prática pelas empresas, que fazem investimentos elevados.
O decreto diz que a ANP poderá mudar de ideia e forçar uma redução da reinjeção. O custo será altíssimo, porque cada plataforma é feita sob medida e pode custar até US$ 5 bilhões (cerca de R$ 27,5 bilhões). Além de ter um custo elevado, as empresas alegam que isso poderá levar cerca de três anos, a depender da disponibilidade dos grandes estaleiros. Outros elos da cadeia também precisarão ser adaptados, como as unidades de processamento de gás natural (UPGN), o que também levaria tempo. De acordo com minuta do decreto, que ainda poderá sofrer modificações, será criado o Comitê de Monitoramento do Setor de Gás Natural, com a finalidade de "assessoramento, articulação, monitoramento de políticas públicas, formulação de propostas e deliberações para o setor de gás natural". Esse papel de "monitoramento e deliberação" do Comitê foi visto como forma de rebaixar o papel da ANP, já que será criada uma outra instância, acima dela, para atuar no setor.
Também será criado um Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano (PNIIGNB), sob responsabilidade da Empresa de Planejamento Energético (EPE). As duas medidas são vistas como uma intervenção direta do governo no setor de gás. O que foi proposto é que o governo vai definir toda a cadeia e infraestrutura de gás. Isso não é viável. Deveria ser apenas indicativo. As empresas não vão gastar dinheiro para realizar estudos geológicos para depois ter que vencer licitações em leilão e outro concorrente pegar o projeto dele. Uma outra medida questionada é a possibilidade de a ANP estabelecer um preço teto de remuneração pelo uso dos gasodutos de escoamento. Eles passarão a ser classificados como "infraestrutura essencial", sob regulação da agência. Para a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), contudo, o decreto é a melhor norma regulatória para o setor de gás natural em décadas. Vai completamente na direção certa.
É o melhor decreto em décadas para o mercado de gás no Brasil, ao colocar a necessidade de revisar a reinjeção de gás natural, ao estabelecer que tem que fazer a precificação adequada das infraestruturas de escoamento, processamento e transporte de gás natural. Para a indústria química, vai destravar investimentos. Para indústria química, o gás é matéria prima fundamental. E vários outros setores da economia, como aço, vidro, alumínio, dependem de gás barato no País para serem competitivos, mas não conseguem. Há um ruído de que seria intervenção do Estado brasileiro. Não tem nada disso, todas as etapas são reguladas. Deixar desregulado é que era o problema. É o melhor instrumento regulatório desde a descoberta do pré-sal. Cabe agora implementação. A produção de petróleo é sempre acompanhada de produção de gás em alto-mar. Cada campo tem a sua realidade, mas, de modo geral, parte do gás é reinjetado no poço, para aumentar a sua pressão, o que aumenta a produção de petróleo.
O elo de produção se divide em várias etapas: no Brasil, a maior parte acontece em alto-mar com a extração do petróleo e do gás. Esse gás, posteriormente, é escoado até a costa, por meio de gasodutos. Em terra, ele passa por uma Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN), para depois ser transportado até os chamados citygates, que vão mudar a pressão do gás. Só depois haverá a distribuição até os consumidores. Uma das queixas dos consumidores de gás é de que o produto é de interesse nacional, e as petrolíferas acabam privilegiando a extração de petróleo, que é mais lucrativo. Com a escassez de gás, o preço do produto sobe, o que torna o segmento mais interessante para o negócio das companhias: "vende-se metade do gás possível pelo dobro do preço", queixou-se um representante dos consumidores. As petrolíferas entendem que a reinjeção de gás cumpre normas ambientais e seguem os planos de exploração e produção que já foram aprovados pela ANP. Uma alteração por decreto representaria quebra de contrato. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.