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26/Jul/2024

Rodovias e a agenda de descarbonização do setor

Adaptações da infraestrutura rodoviária brasileira podem ser uma das chaves para acelerar a substituição dos veículos dependentes de combustíveis fósseis por alternativas sustentáveis. Essa avaliação já compõe a formulação de políticas públicas para o setor e alcança os planos econômicos das concessionárias, que apostam em medidas como a implantação de corredores com pontos de abastecimento para veículos elétricos. O Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa (GEEs) do mundo, com forte contribuição do setor de transportes. Conforme os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de GEEs, mantido pelo Observatório do Clima, o País emitiu 2,3 bilhões de toneladas em 2022. Do total, 216,87 milhões de toneladas foram atribuídas ao setor de transporte. Quase a totalidade disso seria de responsabilidade do modal rodoviário, conforme indica a série histórica.

A importância da construção de uma agenda de descarbonização para rodovias fica ainda em maior destaque diante da forte dependência do modal rodoviário para cargas e passageiros. Na matriz de transporte de cargas, 68% são movimentados por rodovias, porcentual muito superior ao de países também de dimensões continentais como os Estados Unidos (40%) e a China (35%). No transporte de passageiros, o setor é ainda mais soberano, com 95% de participação, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT). O fluxo rodoviário ficou, por décadas, marcado por uma baixa variedade de fontes energéticas, conforme destaca a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A infraestrutura também era, ou ainda é pouco diversificada, limitada a rodovias, vias urbanas e postos de abastecimento, com pouca ou nenhuma conectividade. No ambiente de baixo estímulo a mudanças, os gestores de infraestrutura ficaram, por décadas, isolados do debate sobre aspectos ambientais.

O Ministério dos Transportes afirma que, diante desse quadro, a atual gestão precisou reposicionar a atuação do Executivo, assumindo uma posição mais propositiva. O potencial das adaptações na malha rodoviária influenciarem na redução de emissões é tanto direto como indireto. Embora os projetos sejam de infraestrutura, controle de transporte e trânsito, se lida diretamente com veículos, isso sem invadir a competência sobre as políticas relacionadas à motorização. Por parte das concessionárias, a avaliação é de que os recentes ajustes na posição do governo frente ao tema de fato fortalecem iniciativas verdes. Agora, há uma edição de políticas públicas que se mostram convergentes com as políticas orgânicas que as concessionárias já vinham tomando, afirma a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). Um dos projetos mais avançados entre os que poderão ilustrar o poder de influência da infraestrutura rodoviária é a implantação de corredores com eletropostos, pontos de carregamento para veículos elétricos.

Isso é crucial, porque muitos evitam adquirir elétricos devido à preocupação com viagens além da capacidade das baterias. Outros estudos em curso incluem pontos de abastecimento para gás liquefeito, aposta para veículos pesados. Há duas principais diretrizes públicas que amparam, financeiramente, projetos de infraestrutura alinhados às demandas por despoluição. Em portaria publicada em junho, o Ministério dos Transportes prevê a formação de fundos para demandas relacionadas às mudanças climáticas. Neste mês, foram publicadas as novas regras para emissão de debêntures incentivadas para rodovias, estabelecendo que o projeto a ser financiado deverá, necessariamente, seguir a agenda ambiental do País. A portaria sobre a formação dos fundos prevê um exclusivo para obras e outro para ações. Ambos serão abastecidos por recursos das próprias concessionárias, a partir da destinação de parte dos lucros anuais em porcentuais fixados pela gestão pública.

O fundo para obras deve contar com destinação de 1% da receita bruta anual da concessionária, podendo ser utilizado para medidas estruturais defensivas ou corretivas relacionadas às mudanças climáticas. Entre os exemplos está o uso para a ampliação de bueiros ou para mudança de traçado de rodovias. O fundo destinado para ações dialoga diretamente com a demanda por inovações para perseguir as metas ambientais. A reserva deverá ser formada por cerca de 1,5% da receita bruta anual, podendo ser utilizada, por exemplo, em estudos de eficiência energética ou mesmo para instalação de pontos de recarga para carros elétricos. Na avaliação do Ministério dos Transportes, as novas diretrizes têm um potencial maior que o que pode ser lido de forma superficial. A estimativa é de que, com novos leilões e repactuações, serão mais de R$ 300 bilhões de investimentos em rodovias. Com as novas regras, pode-se induzir uma das frentes de maior investimento para a transição energética do País.

As definições finais sobre os fundos, incluindo as percentagens, estão em debate na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Será também a agência a definir adaptações nos contratos vigentes para atender as novas políticas ambientais. A expectativa é de que sejam realizados estudos técnicos para identificar áreas vulneráveis e mapear necessidades de ações para promover a adequação nesses contratos. A dependência do transporte rodoviário no Brasil, combinada com uma extensão de mais de 1,7 milhão de quilômetros de estradas e o alto teor poluente do modal, tornam a descarbonização uma equação complexa no setor. Para ajudar a fechar essa conta, especialistas apontam que não basta focar em soluções mais verdes para as frotas. É preciso também buscar alternativas estruturais nas próprias rodovias, o que já começa a ser feito a partir de inovações como o pedágio "free flow" e o uso de asfalto reciclado.

Não vai ter uma solução única para todas as unidades, até por causa da regionalidade do País, afirma a EcoRodovias. Não basta falar só sobre descarbonização, é necessário readaptar sua infraestrutura às mudanças climáticas e tratar destes temas com uma agenda com diretrizes claras. De olho nisso, o "free flow" (cobrança automática de pedágios que já é uma realidade em algumas rodovias) é considerado promissor. O modelo, atualmente em ambiente de testes, elimina a necessidade da construção e manutenção das praças, diminuindo a geração de resíduos e consumo elétrico pelas concessionárias. Além disso, permite que os automóveis passem sem precisar frear ou aguardar em filas, o que reduz o consumo de combustíveis e, consequentemente, as emissões. Se projetar um futuro em que todas as praças sejam transformadas em pórticos de 'free flow', trata-se de eliminação de 2 bilhões de frenagens e acelerações desnecessárias, contribuindo para a descarbonização, afirma a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR).

No entanto, ainda não é possível mensurar em quanto o instrumento pode reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEEs). A CCR explica que o "free flow" passa ainda pelas etapas iniciais de implementação no Brasil, mas a expectativa é que o uso cresça de forma acelerada e que a solução ganhe mais espaço nas rodovias do País. O cenário de cobrança de pedágio vai se transformar radicalmente nos próximos cinco anos. Vai ser muito mais rápido do que se imagina. A pesagem dinâmica de caminhões é outra alternativa que já vem sendo adotada, ainda que de forma inicial. A lógica é a mesma do "free flow", já que evita que os motoristas precisem parar, acelerar ou desacelerar no processo de fiscalização. A EcoRodovias implementou o modelo, de forma pioneira no País, em trecho da BR-365, também em caráter experimental, em ambiente de testes que está sendo acompanhado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Apesar da eletrificação de suas frotas auxiliares também estar no radar, as concessionárias encontram dificuldades. A CCR destaca que boa parte da frota que faz fiscalização ainda depende de combustíveis fósseis. A indústria automobilística brasileira, especialmente a de veículos pesados, ainda não se desenvolveu suficientemente para oferecer alternativas de veículos elétricos ou híbridos que possam ser utilizados. Por outro lado, a frota leve da CCR, composta por aproximadamente 1.250 veículos, é totalmente flex, com o etanol representando 91% do combustível utilizado. A companhia opera com alguns ônibus elétricos em aeroportos e metrôs e tem estudado, em parceria com montadoras europeias e chinesas, a incorporação de equipamentos pesados elétricos. Mas, isso ainda vai demorar um pouco, porque toda a infraestrutura precisa ser eletrificada, considerando que esses veículos operam 24 horas por dia, sete dias por semana.

Na frente energética, a companhia vem instalando usinas solares para suprir o consumo de energia de suas concessionárias. Até o final de 2023, foram instaladas 30 usinas solares para a autogeração de energia limpa. Até 2030, a EcoRodovias planeja ter 74% de seu consumo de energia elétrica suprido pela autogeração. Os 26% restantes também serão renováveis, garantidos com a compra de energia limpa certificada (I-RECs). As três maiores concessionárias do País têm apostado ainda no uso de Pavimento Asfáltico Recuperado (RAP), conhecido popularmente como fresado. O RAP é gerado pelas atividades de manutenção a partir da fresagem de pavimento antigo, que é posteriormente transportado para usinas onde é incorporado na fabricação de novas misturas asfálticas. Estudos feitos entre as concessionárias em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) demonstram que o uso do RAP pode representar redução de até 50% das emissões de CO2.

Essas misturas também têm potencial de incorporarem maior resistência, incentivando concessionárias como a CCR a manterem laboratórios próprios de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de asfalto. A CCR mira alcançar, neste ano, a substituição de 30% do Concreto Betuminoso Usinado a Quente (CBUQ) por RAP. A meta é utilizar 100% do RAP nas obras, embora não seja possível substituir completamente o CBUQ. Mesmo em países que utilizam muito RAP, como Japão e Estados Unidos, ainda há uma pequena quantidade na mistura. A Arteris está usando, na ViaPaulista, parte de material asfáltico reciclado em microrrevestimento, técnica utilizada para corrigir pequenas fissuras e irregularidades na superfície do pavimento. Na Ecosul, administrada pela EcoRodovias, foi desenvolvido um projeto piloto para reutilizar materiais na usinagem de massa asfáltica nova, reduzindo a necessidade de extração de brita e outros tipos de resíduos. Outras unidades do grupo também começaram a utilizar RAP, seja na composição do pavimento ou na microfresagem. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.