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05/Jul/2024

Brasil e combustíveis sustentáveis para navegação

Na corrida global pela transição energética, o Brasil, que defende ter potencial para ser protagonista, pode ficar para trás quando se trata das alternativas de combustíveis sustentáveis para a navegação. A avaliação de representantes do setor é de que o País tem indicado prioridade à produção de etanol e biodiesel, que apesar de atenderem outros modais, são insuficientes para que embarcações possam atingir as metas de redução de emissões dos gases de efeito estufa (GEEs). O setor de navegação é responsável por aproximadamente 3% das emissões globais de gases de efeito estufa, tendo registrado aumento de 20% do volume emitido ao longo da última década. Se fosse um país, o setor de transporte marítimo estaria entre os 10 principais poluidores. Em linha com as movimentações de outros setores e para mitigar estes efeitos, os 175 países membros da Organização Marítima Internacional (IMO) concordaram, no ano passado, em buscar zerar as emissões líquidas de GEEs até 2050.

Zerar as emissões líquidas não significa deixar de poluir, mas alcançar um equilíbrio entre os gases lançados e medidas de compensação. Contudo, atualmente, o setor conta com opções limitadas a derivados puros do petróleo, como o diesel, e a misturas com diferentes porcentuais de biocombustíveis, blends usados em operações pontuais. No cardápio de alternativas compatíveis com as demandas dos operadores para redução de emissões estão a amônia, o metanol e o hidrogênio. O avanço no uso dessas alternativas no Brasil pode se dar a partir de políticas públicas que estão sendo editadas pelo Congresso. Já aprovado na Câmara dos Deputados e agora em tramitação no Senado, o projeto de lei (PL) dos "Combustíveis do Futuro" tem apoio do Executivo e deve ser sancionado ainda este ano. O PL prevê a criação de programas nacionais de diesel verde, de combustível sustentável para aviação e de biometano, além de aumentar a mistura de etanol e de biodiesel à gasolina e ao diesel.

No entanto, representantes do setor dizem que os diálogos em torno do projeto e diretrizes apresentadas em documentos recentes do Executivo apontam que a prioridade brasileira será a ampliação da produção de etanol e biodiesel, uma estratégia para aproveitar o potencial agrícola. Sem sinalizações similares para as demais alternativas, o receio é de que a produção nacional não se diversifique. O País precisa olhar sob a perspectiva do demandante. O mercado de navegação está dizendo que precisa de combustível que reduza as emissões em 90%. O etanol e o biodiesel são melhores que o petróleo, mas não atendem a redução exigida para o longo prazo. Não há unanimidade entre os operadores sobre qual opção, entre a amônia, hidrogênio e metanol, seria a mais viável, considerando aspectos financeiros, ambientais e logísticos. Cada produto carrega características específicas, com diferentes graus de maturidade e de desafios para que possam ser utilizados nas embarcações.

Os combustíveis são classificados de acordo com o grau de sustentabilidade de seu processo de produção. No caso da amônia, a maior parte produzida atualmente é classificada como cinza, dependendo da queima de gás natural, emitindo duas toneladas de dióxido de carbono (CO²) para cada tonelada de amônia. Para a produção da amônia verde, utiliza-se uma reação entre o hidrogênio verde e o nitrogênio atmosférico. A produção de hidrogênio cinza também envolve emissão de CO² no processo. O hidrogênio verde, por outro lado, é produzido através da eletrólise da água usando eletricidade de fontes renováveis como solar e eólica. O resultado é uma queima sem emissão de gases de efeito estufa. Por isso, é visto como "o melhor dos mundos". Apesar disso, o uso do hidrogênio no setor de transportes, especialmente para grandes navios, carrega dificuldades importantes. Com a tecnologia atual, o armazenamento e deslocamento em segurança demandam investimentos robustos em infraestrutura de abastecimento e nas próprias embarcações, encarecendo operações.

O metanol, que pode ser classificado como cinza, azul ou verde, tem a maior parte produzida atualmente com uso de gás natural ou carvão, ficando entre as duas primeiras classificações, não sendo energia limpa. Já o verde é produzido a partir de biomassa ou dióxido de carbono capturado e eletricidade de origem renovável. Como não depende de hidrogênio verde, o metanol é considerado por parte do setor como a alternativa mais promissora para porta-contêineres. A Maersk, por exemplo, encomendou 20 navios que podem operar com metanol. Para embarcações menores, as encomendas se diversificam. A Euronav, maior empresa independente de petroleiros do mundo, encomendou 60 embarcações movidas a amônia e 60 movidas a hidrogênio. Em nível global, a MTM Logix aponta que a maior parte da frota de navios porta-contêineres segue utilizando óleo combustível pesado (HFO), mais poluente que o também derivado do petróleo, o óleo combustível de baixo enxofre (LSFO). O uso do LSFO tornou-se uma diretriz internacional em 2020, que além de ser baixo enxofre (SOx), também reduz a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (PM).

No entanto, emite a mesma quantidade de dióxido de carbono. A indicação pelo uso do LSFO foi incorporada pela regulação nacional, de responsabilidade da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Contudo, a própria ANP destaca que a diretriz não é mandatória para as operações domésticas. No Brasil, a Petrobras oferece as duas opções. Durante a queima, o metanol verde emite grande quantidade de CO². No entanto, como o CO² liberado foi anteriormente capturado para o processo de produção, considera-se que as emissões líquidas são neutras. O consumo de combustível nos navios está diretamente relacionado à sua velocidade de cruzeiro. Para um navio porta-contêineres de 15.000 TEU navegando a 18 nós, o consumo diário médio de combustível é de cerca de 180 toneladas. Essa relação significa que mesmo pequenos ajustes na velocidade podem levar a mudanças significativas no consumo de combustível.

O dilema sobre a velocidade tem sido ainda mais desafiador com as recentes disrupções no cruzamento do Mar Vermelho, que tem forçado navios a navegar mais rápido para manter seus cronogramas. Essa necessidade de aumentar a velocidade amplifica o consumo de combustível e as emissões, explica a MTM Logix. As empresas de navegação que operam no Brasil poderão ficar menos competitivas e até serem punidas caso não alcancem as metas internacionais de redução de emissões dos gases de efeito estufa (GEEs). Para tomar distância desse cenário, o País precisa de, além de avançar sobre a produção de combustíveis sustentáveis, ampliar investimentos na infraestrutura de portos e canais de acesso. Os investimentos necessários listados pelo setor incluem adequação de portos para as futuras cadeias de abastecimento. Ainda em maior destaque está a demanda por obras de dragagem, para o aprofundamento dos leitos. As instalações brasileiras não conseguem receber os navios mais modernos disponíveis, que demandam canais mais profundos.

O Centro de Navegação Transatlântico (Centronave), que representa 19 empresas operadoras, diz que a profundidade dos canais de acesso dos portos brasileiros resulta em perdas financeiras diretas, por conta da impossibilidade de diluir custos com grandes embarcações. Sem poder operar com os navios maiores e mais modernos, Loureiro avalia que as empresas também serão prejudicadas com relação às emissões. Para atender ao aumento da demanda com a atual infraestrutura de acesso, é preciso seguir utilizando navios menores, que são energeticamente menos eficientes. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) concorda sobre a avaliação de que a infraestrutura é um gargalo importante a ser superado. Porém, afirma que o poder público já está se movimentando sobre isso. Em sua avaliação, a principal saída para aprofundamento de leitos é a concessão dos canais de acesso. No Porto de Itajaí (SC), a alternativa foi se fazer concessões. O mesmo será feito para o Porto de Paranaguá (PR).

Para o Porto de Santos (SP), o BNDES já começou um trabalho para concessão do acesso aquaviário. A Antaq promete um mapeamento dos demais portos para que seja decidido entre concessões e outras alternativas. O abastecimento também é uma preocupação, já que os portos brasileiros não possuem a infraestrutura necessária para receber os novos tipos de combustíveis, que também contribuem para o aumento da eficiência e lucratividade. Para a Frente Parlamentar Mista de Portos e Aeroportos (FPPA), o Brasil não deve ter dificuldades para se tornar produtor dos combustíveis sustentáveis para a navegação. Contudo, chama a atenção para a demanda por infraestrutura de abastecimento. Uma coisa é produzir o combustível. A outra é você dispor de instalações para atendimento dessas embarcações, ou seja, terminais de abastecimento. A superação para esse problema, já está sendo estudada. A ideia é que o Brasil tenha, principalmente nos clusters portuários estratégicos, terminais de abastecimento para atender a esse mercado. Apesar da mobilização, os operadores do mercado ainda veem o Brasil atrás de outros países, mesmo vizinhos, como Chile e Uruguai.

Esses países estão se preparando para a descarbonização. Não só a produção, mas também a infraestrutura para conseguir disputar esse mercado, afirma o grupo Maersk. A Maersk, que é a segunda maior empresa de navegação do mundo, diz que, caso o País acabe atrasado em relação ao resto do mundo, a navegação brasileira poderá ser punida de forma direta, com multas e sobretaxas. Para a exportação de minério, por exemplo, a Austrália é um forte competidor, que fica muito mais próxima da China. Se houver uma sobretaxa por emissão acima do permitido, resulta no desbalanceamento das operações brasileiras, por exemplo. A Antaq afirma que, ainda que reconheça as preocupações com relação ao tempo, considera que o País não está atrasado e que há fôlego para aguardar alinhamentos internacionais. Essa corrida pela transição energética está muito associada à guerra da Ucrânia. Embora ela esteja ocorrendo de maneira bem célebre, tem muitas indefinições. Não está definido que as novas embarcações serão movidas a amônia ou metanol. Então ainda há tempo.

No bojo da defesa de que ainda há tempo e espaço para que o Brasil se adapte às demandas da navegação, a Antaq diz que o País poderá definir alternativas próprias para embarcações que operam na navegação interior e na cabotagem, que é a navegação entre portos brasileiros. É uma questão de políticas públicas, definir, por exemplo, se o etanol brasileiro é uma alternativa. O País pode estimular para ser o combustível das embarcações de cabotagem, da navegação interior. É muito mais competitivo que os outros. Contudo, o País estará preparado para as demandas estimuladas pelos acordos internacionais. Quando for definido, há dúvidas se será preciso um marco legal específico para atender as demandas dessas embarcações. Talvez algumas coisas possam ser estabelecidas por decreto mesmo. Para a Maersk, o Brasil segue com chances concretas de liderar a produção dos combustíveis alternativos. Para isso é preciso estar disposto a discutir a tributação de fontes antigas de energia e, portanto, altamente poluentes, como, por exemplo, o petróleo. A outra demanda, considera, é a disposição do poder público de estimular e ter um planejamento para disputar a vanguarda tecnológica. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.