21/May/2024
Na busca por uma mineração mais “verde”, as startups e as gigantes multinacionais formam um par perfeito. As primeiras são ágeis para colocar projetos no ar e olham para metodologias e técnicas com foco na sustentabilidade e na redução de custos. As empresas pesos pesados do setor têm a capacidade financeira de bancar novas maneiras de exploração e mantê-las em vigência por décadas, com visão de longo prazo e escala. No Brasil, é assim que o setor trabalha para renovar a maneira como a exploração do subsolo acontece, mirando a redução da pegada de carbono em toda a cadeia produtiva. O ‘cupido desse par perfeito’ é o Mining Hub, fundado em 2019 em Belo Horizonte (MG) e considerado o maior hub de inovação focado em mineração no País. O objetivo da organização é unir pequenas startups a grandes empresas por meio de editais de inovação aberta, formato bastante conhecido em outros campos do mercado de startups, como finanças (fintechs) e saúde (healthtechs).
Com a intermediação do Mining Hub, uma multinacional pode colocar a público um desafio a ser resolvido, e as startups saem à procura de soluções que possam resolver o problema com tecnologia. Quem tiver a melhor proposta firma a parceria e fecha negócio. Esse é um setor em que grandes empresas costumam fazer negócio com outras grandes empresas. Então, o Mining Hub começou a trabalhar a inovação aberta de uma maneira que as startups desenvolvem possíveis soluções para as grandes mineradoras. Os ciclos de aceleração incluem desafios em algumas áreas-chave da mineração, como circularidade na cadeia (com reaproveitamento de resíduos), descarbonização e utilização de fontes alternativas de energia, por exemplo. Ao todo, foram 15 ciclos de desafios, com mais de mil startups de 14 países e 22 mineradoras participando do programa, como Anglo American, Samarco e Vale. A mineração não é um jogo para pequenas empresas. Então, as startups buscam parcerias com as grandes companhias.
Elas têm a oportunidade de trabalhar na melhoria de produtos e processos na indústria da mineração. A startup Beyond Mining é uma das empresas que passaram pelo Mining Hub. Nascida em 2019, a empresa passou por quatro ciclos de desafios de inovação aberta, tornando-se a companhia mais frequente nos desafios do hub. Além disso, vem crescendo a um ritmo impressionante, de mais de 300% ao ano. O segredo vem da sua aposta no campo da inteligência artificial (IA). A Beyond Mining usa aprendizado de máquina (machine learning) para otimizar processos e tarefas cotidianas das mineradoras. Não se trata de uma IA generativa, que cria texto, imagens ou vídeos, como o ChatGPT, da OpenAI. Trata-se de uma ferramenta para entender rotinas e que, por meio de bilhões de cálculos, pode prever cenários que um humano levaria horas ou dias para antever. Na prática, a tecnologia da startup consegue realizar muitas tarefas para diferentes setores.
Por exemplo, a solução pode reduzir de 5% a 10% o uso de água em uma indústria ou diminuir em 10% a emissão de gases de efeito estufa, diz a empresa. De maneira mais extrema, a IA pode antecipar acidentes e mitigar riscos da operação de uma mineradora em uma barragem. A empresa defende a disseminação da IA na cadeia de mineração. Mas, a tecnologia nem sempre pode resolver tudo. Às vezes, instalar sensores ou enviar drones podem ser saídas mais eficientes em algum cenário. Em outros, leitura de dados e aprendizado de máquina se saem melhor. A IA é só uma ferramenta, não uma ‘bala de prata’ para tudo. Mas, onde ela puder ser aplicada, ela vai ser a melhor solução. Para dar certo, todo modelo de IA precisa de bilhões de dados para ser treinado. No caso da Beyond Mining, a startup utilizou pacotes de dados de pesquisadores mundo afora, bem como de outras empresas, para desenvolver um algoritmo próprio que consiga ser uma solução faz-tudo para diversas áreas do setor.
A depender do projeto escolhido, alguns ajustes são feitos no algoritmo. Em meio ao boom da IA, a Beyond Mining vê uma oportunidade de crescer não só no Brasil, mas também em outros países. A startup prospecta clientes na África do Sul e Austrália, bem como estuda abrir uma filial em Londres, na Inglaterra, onde já possui alguns funcionários freelancers da área de ciência de dados (essencial para o desenvolvimento de IA). De lá, a empresa quer ter um posto internacional para conseguir comercializar de forma global a sua solução. Para a startup de Campinas (SP) Konker, fundada em 2021, o Mining Hub representou uma virada na história da companhia. Aprovada no programa de desafios do hub de inovação, a companhia conseguiu fechar negócio com a Anglo American e, depois, firmou parceria com a Tetra Tech. A Konker trabalha com uma tecnologia pouco explorada no Brasil e um tanto quanto “futurista”: raios cósmicos.
A startup usa a radiação vinda do espaço em direção à Terra para calcular massa, volume, densidade e até a qualidade do minério de ferro sob um terreno, com menor impacto ambiental do que as tecnologias de prospecção atuais e com mais precisão. O feito acontece por meio da muografia. A chegada dos raios cósmicos à Terra produz os múons, partícula subatômica semelhante a um elétron e de fonte inesgotável no planeta. Esses múons acabam colidindo com toda e qualquer matéria física, de humanos, animais e plantas a construções, vulcões e subsolos. Com telescópios próprios, é possível ver quantos múons atravessaram algo sólido ou vazio, calcular a densidade dos objetos, mapeá-los tridimensionalmente e transmitir as informações em tempo real. O processo é semelhante a uma tomografia com raio x computadorizado, mas é inofensivo para humanos e a natureza e consegue ser mais preciso no cálculo de grandes volumes de matéria, como pilhas de minérios de ferro.
O caso mais conhecido de muografia aconteceu nas Pirâmides de Gizé, no Egito, em 2016. Cientistas têm usado essa tecnologia para descobrir túneis, câmaras e túmulos subterrâneos no edifício erguido há mais de 4,5 mil anos. Os cientistas instalaram detectores de múons em diversos pontos da construção e, ao final do processo, conseguiram mapear locais até então inéditos, com localização e tamanho exatos. A Konker faz a mesma coisa, mas com telescópios próprios criados no Brasil para a mineração. O resultado é que a análise da startup consegue ser precisa para uma mineradora, discernindo o que é minério de ferro ou rejeitos, por exemplo. A precisão chega a 97%. Atualmente, a Konker testa se sua medição de múons consegue ir além de minérios de ferro, como a área de óleo e gás. Em provas recentes, a startup não conseguiu obter precisão ao medir pilhas de açúcar, mas a ideia é continuar procurando outras áreas em que a muografia pode ser útil.
Atualmente, a startup conta com dez funcionários, que são físicos, eletricistas e analistas de dados envolvidos com pesquisa na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A ideia é escalar para outras áreas que têm desafios parecidos. A startup Certimine, de São Paulo, tem uma grande missão: melhorar a reputação do Brasil no mercado de minérios. Fundada em 2018, a empresa faz a certificação anual de ouro, ferro, cobre e lítio para atestar a origem desses minerais para joalherias e mineradoras interessadas em saber a procedência das commodities que compram. Se o item está propriamente certificado, sem origem ilegal, a Certimine coloca um selo “verde” no produto. Os compradores internacionais não têm confiança em comprar minérios do Brasil. Nos últimos anos, episódios colocaram o País no meio de uma crise internacional, com a Suíça barrando a importação de ouro ilegal brasileiro ou a crise dos Yanomami, cujas terras são invadidas por garimpeiros ilegais.
Não existem mecanismos de checagem no País nem algum tipo de controle. Foi daí que a startup foi criada. Para fazer a rastreabilidade, a Certimine coloca na mina e no garimpo um funcionário equipado com capacete com câmera e um tablet para fazer registros do local. O processo presencial permite detectar se há trabalho análogo à escravidão ou infantil, segurança, impacto ambiental e outros parâmetros. As informações coletadas são transformadas em relatório e exibidas em uma plataforma blockchain, cuja tecnologia permite atestar transações e registrar patentes de forma segura, sem permitir que haja alterações na base de dados; é como um “cartório da internet”. O impulso no negócio da startup veio em 2022, quando o tema da rastreabilidade e origem das commodities ganhou força no mundo, principalmente na União Europeia. O mercado mudou muito e de forma drástica. Existem mais clientes dispostos a pagar por rastreabilidade.
No próximo mês, a Certimine deve lançar mais selos que indiquem a procedência de uma commodity. Selos como “carbon free” (com compensação de carbono na cadeia), “Amazon free” (não foi produzido na Amazônia) ou “mercury free” (sem mercúrio) devem estar disponíveis. A startup, hoje com 30 funcionários e 400 clientes, procura investidores que possam aportar dinheiro na empresa e ajudar a alavancar o negócio. Com negócios internacionais (a Certimine tem escritórios no Canadá e na China), há muito o que crescer na certificação de minérios no Brasil e no mundo. A Certimine está com uma fração do mercado e tem tudo para surfar em uma eventual escalada. O Brasil é um mercado enorme. Na outra ponta, as principais mineradoras do setor também estão em busca do “par perfeito”. É o caso da brasileira Vale, que lançou um fundo de venture capital corporativo (CVC) para selecionar startups que possam contribuir com o negócio da gigante brasileira. Batizado de Vale Ventures, o fundo nasceu em junho de 2022 e tem US$ 100 milhões (R$ 514 milhões) para serem gastos em até seis anos.
O alvo são startups de estágio inicial a nível maduro (ou semente a série B, no jargão do mercado), com algum tipo de sinergia com a proposta de sustentabilidade da Vale. A Vale busca por startups das áreas de descarbonização (como siderurgia verde e hidrogênio verde), resíduos e processamento de minerais (com aposta em circularidade das operações), mineração sustentável (como minas inteligentes, aprendizado de máquina e sensores) e metais de transição energética. A Vale Ventures surgiu com investimentos em duas startups: Boston Metal, de produção de aço verde, e Allonia, de biotecnologia. Ambas são americanas. A companhia afirma que, no seu plano de investimento, não faz distinção entre negócios nacionais ou internacionais, basta que haja um “match” com o negócio da mineradora brasileira. Mais investimentos devem surgir, mas, até agora, nenhum detalhe adicional é dado pelo fundo. É o início da jornada de conseguir ser uma alavanca para contribuir para a estratégia de sustentabilidade da Vale. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.