29/Jun/2022
A pressão que o governo Bolsonaro e o presidente da Câmara, Arthur Lira, têm feito para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria o vale-caminhoneiro e amplia auxílios voltados à população de baixa renda atropela o rito legislativo que está previsto na votação de um texto desta relevância. Nos planos de Lira, a PEC 16 será votada em dois dias, um processo que, em condições normais de consenso parlamentar, costuma levar meses para ser concluído, pelo simples fato de a PEC ser um dos textos mais importantes do processo legislativo, ao mexer diretamente com a Constituição Federal. No cronograma do governo, o texto deve ser submetido ao plenário do Senado já nesta quarta-feira (29/06), para seguir no dia seguinte ao plenário da Câmara, sendo votado pelos deputados e, então, promulgado pelo Congresso. Pelo rito legislativo, qualquer PEC que seja apresentada, seja pelo presidente da República, por um terço dos deputados (171) ou por um terço dos senadores (27), tem que ter seu texto submetido, inicialmente, à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
É a CCJ que avalia se a proposta viola alguma cláusula pétrea prevista na Constituição. Se o texto for aprovado na CCJ, forma-se, então, uma comissão especial para analisar o mérito dessa PEC. É o momento de discussão aprofundada do texto. A comissão tem que realizar ao menos dez sessões parlamentares, para avaliar o texto e eventuais alterações sobre a proposta original. Se for necessário, a comissão pode fazer até 40 sessões até que o texto siga para votação. Uma vez aprovada, a proposta vai ao plenário de cada Casa. Neles, tem que passar por dois turnos de votação, sendo que a aprovação só é confirmada com os votos favoráveis de 308 deputados e ou 49 senadores, equivalentes a três quintos de cada. Só após todo esse processo é que a PEC pode ser promulgada, em sessão realizada pelo Congresso Nacional. Segundo o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), é preciso aguardar o relatório, para entender como se fez a amarração deste conjunto de improvisos e devaneios.
E também lembrar o descumprimento do acordo de manutenção de valores para Fundeb, Educação e Saúde, que foram vetados por Bolsonaro. Este é um ponto que deve ser resolvido antes de avançar em qualquer outra coisa. Na avaliação de Vieira, se tudo corresse de forma acelerada, com matéria consensual, seria possível aprovar uma PEC em algumas semanas. Não é este, porém, o cenário da PEC 16. De uma só vez, o governo pretende criar um vale-caminhoneiro de R$ 1.000,00 por mês, até dezembro, para reduzir o impacto dos combustíveis sobre a categoria. A criação de programas em ano eleitoral é proibida por lei, mas o governo quer driblar essa limitação com um decreto de "situação de emergência". Paralelamente, a "PEC do desespero", como o texto tem sido chamado nos corredores do Congresso, prevê o pagamento mensal do vale-gás a famílias de baixa renda. Hoje, esse repasse é bimestral e tem valor de R$ 52,00. Bolsonaro quer que o repasse chegue a R$ 120,00 e passe a ser dado a cada 30 dias.
Outra medida prevê o aumento do Auxílio Brasil, o programa social que substituiu o Bolsa Família, de R$ 400,00 para R$ 600,00. Bolsonaro disse ainda que o repasse vai ser replicado a mulheres com direito a duas cotas do benefício. Com o aumento do Auxílio Brasil, mulheres em certas condições vão ganhar R$ 1.200,00 por mês. O valor total do pacote é estimado em cerca de R$ 37 bilhões, cifra que ainda bancaria a gratuidade do transporte público a idosos e a compensação aos Estados que reduzirem para 12% o ICMS sobre o etanol. Há, porém, uma enxurrada de dúvidas básicas sobre as medidas. O governo sequer conta com uma base de dados consolidada e confiável para fazer os repasses aos caminhoneiros. Não se sabe sequer se o benefício seria dado a autônomos ou se incluiria funcionários de empresas com registro na carteira de trabalho. O líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), discorda sobre o atropelo do processo legislativo e compara com ações de outros países, que já fizeram repasses de dinheiro à população.
Ele afirma que outras PECs seguiram direto ao plenário. O sistema implementado desde a Covid-19 é esse, afirmou. O senador nega ainda divergências com a oposição e diz que impera a harmonia sobre a PEC no colégio de líderes. A PEC Emergencial (186/2019), por exemplo, entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em março de 2020. O texto sofreu diversas alterações nos meses seguintes, devido ao avanço da pandemia, quando foi nele incluída uma nova rodada de pagamentos do auxílio emergencial, no fim de 2020, momento em que o Senado recebeu o relatório. O texto final, porém, só foi promulgado em 15 de março de 2021, após ter a aprovação nas duas Casas. Foram cerca de três meses, portanto, de análise para liberar o auxílio, no momento mais agudo da crise. O atropelo na tramitação da PEC tem reflexos na falta de tempo para análise técnica do impacto das medidas de aumento de gastos incluídas no pacote eleitoral.
Os técnicos estão batendo cabeça para colocar em pé as medidas e sendo pegos de surpresa a cada medida negociada pelo núcleo político de Bolsonaro, sem cálculo de impacto e, muito menos, de eficiência. Nas últimas horas, a extensão do alcance do pacote está aumentando. Além da intenção de dobrar o valor e entrega do vale-gás, Bolsonaro antecipou que mulheres "em certas condições" terão direito a duas cotas, recebendo R$ 1.200,00. A medida, anunciada em evento eleitoral em Alagoas, lembra o auxílio emergencial quando as chamadas "mães solo" (aquelas que assumem de forma exclusiva todas as responsabilidades pela criação do filho) receberam um benefício de R$ 1.200,00. A medida não passou pelo crivo dos ministérios da Economia nem da Cidadania. No Ministério da Economia, técnicos ressaltam que o pior temor com a tramitação de uma PEC está acontecendo: o de abrir a porteira para a inclusão de medidas extras de despesas e de passada a boiada dos gastos, já que tudo está ocorrendo sem tempo para negociação.
É o caso da compensação aos Estados para atender a gratuidade dos idosos no transporte público. A medida foi anunciada na sexta-feira (24/06) passada pelo relator da PEC, senador Fernando Bezerra (MDB-PE). Além do impacto negativo nas contas públicas, a preocupação é com o “depois das eleições” e as dificuldades em reduzir o valor do Auxílio Brasil. Os técnicos identificaram dados que apontam uma piora do risco fiscal refletida nos preços dos ativos. Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), a PEC 16 é uma manobra para burlar as regras que norteiam o Direito Eleitoral e que incluem princípios e normas constitucionais. Ela é populista, assistencialista e fere os princípios da razoabilidade e da moralidade, à medida em que estão falindo o Estado brasileiro para financiar uma reeleição. A Constituição se preocupa com a normalidade e legitimidade das eleições e veda o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta. Essa PEC destrói tudo isso.
Trata-se de uma compra de votos institucionalizada e por atacado que pode atingir, inclusive, congressistas coniventes que serão partícipes dessa barbaridade eleitoral. PEC não pode tudo. Salta aos olhos a celeridade imposta ao projeto, fato não replicado nos demais temas que tramitam no Congresso. No que diz respeito à legislação eleitoral, não há nenhum óbice específico. Apesar disso, o prejuízo orçamentário deve ser calculado e pode ocasionar problemas em relação ao teto de gastos e à Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente no último ano de mandato. As ações poderão ter desdobramentos na Justiça. Permeia a questão uma análise quanto ao aspecto imediatista e eleitoreiro da medida, espaço este que trará possibilidade de discussão em âmbito judicial quanto ao desvio de finalidade da medida, dado o contexto eleitoral. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.