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05/Abr/2021

Ferrogrão enfrenta inúmeros desafios para iniciar

As polêmicas sobre os impactos ambientais e a viabilidade financeira que são alardeadas sobre a Ferrogrão têm camuflado outro obstáculo que se colocou no caminho dos trilhos, com a finalidade de minar o principal projeto logístico do País. A ferrovia que, por vocação, poderia mudar radicalmente o mapa nacional do transporte de grãos e ampliar a concorrência logística tornou-se alvo de uma guerra bilionária. Essa oposição ferrenha tem um nome: a Rumo Logística, maior concessionária de ferrovias do Brasil e é contra o empreendimento. A Rumo, empresa logística que pertence ao Grupo Cosan tem atuado constantemente nos bastidores, de forma a questionar a viabilidade da obra, seja por meio de disseminação em meios de comunicação de informações que coloquem em dúvida o retorno financeiro do empreendimento, seja por eventuais impactos a terras indígenas e unidades de conservação que a empresa faz questão de ressaltar.

Essa atuação também passa pelo Ministério de Infraestrutura, onde a companhia insistentemente tenta demover o governo da ideia de levar o projeto adiante. A oposição ao empreendimento tem uma razão clara: a abertura de concorrência que a nova ferrovia pode gerar sobre os trilhos que a Rumo já administra nas Regiões Centro-Oeste e Sudeste do País, jogando o preço do frete pra baixo e consolidando a saída dos grãos pela Região Norte. O leilão da Ferrogrão, depois de ser adiado mais uma vez, está previsto para o segundo semestre deste ano. Com seus 933 quilômetros de malha, a Ferrogrão tem previsão de ligar Sinop (MT), centro nacional da produção de soja e milho do País, às margens do Rio Tapajós, em Itaituba, no Pará. Ali, a produção que chegará será retirada dos trens de carga para ser despejada em barcaças, seguindo por uma hidrovia que acessa o Rio Amazonas e, deste ponto em diante, qualquer lugar do planeta.

Outras gigantes ferroviárias e investidores de logística, como a VLI, da mineradora Vale, e o bilionário Fundo Pátria, dono da empresa Hidrovias do Brasil, não escondem o interesse na Ferrogrão. Isso é tudo o que a Rumo não quer. O que está sobre a mesa é um jogo bilionário. Em março de 2019, a Rumo desbancou a VLI e venceu o leilão da parte sul da Ferrovia Norte-Sul, com um lance surpreendente de R$ 2,719 bilhões. A VLI era vista como a mais forte do páreo, porque já era dona do trecho norte da ferrovia de Porto Nacional (TO) a Açailândia (MA). Ocorre que a VLI perdeu, com lance de R$ 2,065 bilhões. Ao oferecer mais que o dobro do lance mínimo estipulado, de R$ 1,35 bilhão, a Rumo passou a controlar o trecho de Porto Nacional até Estrela D’Oeste. Além disso, no fim do ano passado, a Rumo renovou, por mais 30 anos, a concessão da Malha Paulista, trilhos que cortam todo o estado de São Paulo, até chegar ao Porto de Santos. A empresa se comprometeu a injetar mais de R$ 6 bilhões nessa rede.

Há ainda uma terceira malha nas mãos da Rumo, a Ferronorte, ou Malha Norte, que liga os trilhos de São Paulo até a cidade de Rondonópolis, em Mato Grosso. Com essa estrutura, a Rumo tem o monopólio ferroviário do transporte de grãos em Mato Grosso. É este ponto que causa divergências. A Rumo já recorreu diversas vezes ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, para pedir que seja assinada uma autorização que libere a ampliação da Ferronorte, saindo do sul de Mato Grosso, em Rondonópolis, para chegar até Lucas do Rio Verde. Isso significa estar ao lado de Sinop, onde começa a Ferrogrão. Na prática, a empresa quer se antecipar e espera que o governo libere a construção de uma nova malha de 600 quilômetros de extensão, sem submeter esse novo trecho a eventuais concorrentes interessados em explorar o traçado. Bastaria assinar um “termo aditivo” e pronto. A pressão é muito grande. O ministro da Infraestrutura resiste ao pedido, porque sabe que seria questionado judicialmente.

Hoje, novas ferrovias só podem ser construídas no País por meio de concessões. Um projeto de lei tramita no Congresso para acabar com o modelo atual e passar a emitir autorizações simples de obras, sob a conta e risco do empreendedor, mas o fato é que hoje isso é proibido. O posicionamento da Rumo sobre o projeto é de conhecimento de todo o setor ferroviário, produtivo e do governo, tendo se transformado em alvo de reclamações constantes nos bastidores. A Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), afirmou que apoia iniciativas e projetos que ajudem a promover a expansão da malha ferroviária do País e o necessário crescimento da participação do modal na matriz de transporte de cargas brasileira. A Rumo declarou que, como maior concessionária de ferrovias do Brasil, acompanha com toda a atenção os demais projetos em sua área de atuação, a exemplo de processos de renovação antecipada de outras concessionárias e o anúncio de novas licitações, sem que haja no momento nenhuma definição quanto a eventuais participações.

Ao falar sobre seus próprios projetos, a Rumo declarou que também vem estudando e discutindo investimentos atrelados à renovação antecipada da concessão da Malha Sul e à extensão da Ferronorte, além de projetos portuários que eventualmente tenham sinergia com suas operações. A pressão que a Rumo exerce dentro e fora do governo para questionar a viabilidade da Ferrogrão deve-se, basicamente, ao receio de que outros gigantes do setor possam retirar a carga que hoje a empresa transporta sozinha pelos trilhos que levam aos portos do Sudeste, por meio das malhas Paulista e Norte, administradas pela empresa. Ocorre que a migração das cargas para o chamado “Arco Norte” já é uma realidade consolidada. Os terminais portuários da Região Norte do País, abastecidos pelo que chega até as hidrovias dos rios Madeira, Amazonas e, agora, Tapajós, já respondem hoje por praticamente metade da carga do agronegócio que deixa Mato Grosso. Essa mudança de rota tem ajudado a desafogar os portos abarrotados de Santos (SP) e Paranaguá (PR), no Sudeste-Sul.

Com a construção da Ferrogrão, porém, a reviravolta é total, porque impacta profundamente o preço do frete ferroviário em toda a região, que hoje é um monopólio controlado pela Rumo. Os concorrentes se posicionam. A VLI, companhia de soluções logísticas integradas, com forte presença em operações e investidora em prol do desenvolvimento do arco norte brasileiro, apoia o avanço da infraestrutura nesta região, a nova fronteira agrícola do País. A empresa declarou que um dos importantes projetos nesse sentido é a Ferrogrão, porque trará um incremento de competitividade ao mercado, com resultados positivos para o País no longo prazo. O humor é o mesmo entre os executivos da gigante financeira Pátria Investimentos, dona da Hidrovias do Brasil, empresa de logística que já atua com seus terminais em Miritituba (PA), lugar previsto para ser o ponto final da Ferrogrão. A Hidrovias do Brasil confirmou que avalia parcerias para disputar o leilão. Há muitos interessados neste momento, pois esse é o projeto de ferrovia com maior viabilidade no Brasil hoje, além de ser completamente sustentável.

A Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) está entre aqueles que veem a expansão da malha com bons olhos e acreditam que há carga para todos transportarem, dado o volume de crescimento projetado para a produção agrícola. Quanto mais malha ferroviária, melhor para o País. A chegada da Ferrogrão é muito bem-vinda, assim como seria ótimo ter outros trechos construídos por qualquer concessionária. As projeções mostram que não vai faltar carga para nenhuma ferrovia. A indústria cresce com a expansão da malha. Por isso, a entidade apoia todos os projetos. Hoje, o processo de licenciamento da Ferrogrão está em análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), depois que o ministro Alexandre de Moraes acatou um pedido de liminar do PSOL que pedia sua paralisação, sob a alegação de que o projeto afeta terras indígenas e unidades de conservação florestal.

O governo foi ao STF, garantiu que o traçado previsto não corta terras indígenas e que vai ouvir todos os povos indígenas que vivem em áreas próximas ao eixo da ferrovia, previamente, como prevê a lei, para definir medidas de redução de impacto e compensação ambiental. A expectativa é de que o STF reveja a sua posição. No Tribunal de Contas da União, a análise do edital está em vias de ser concluída pela unidade técnica, para que o texto seja votado no plenário da corte. Com essas duas questões resolvidas, o governo publica o edital. Há sete anos, os produtores rurais de Mato Grosso esperam um desfecho sobre a construção da Ferrogrão. A possibilidade de contar com uma ferrovia que passe a carregar os grãos para a Região Norte do País, encurtando em quatro dias o tempo de viagem até o litoral brasileiro, além de reduzir a rota até a Ásia e o mercado europeu, foi o que levou os próprios empresários a proporem sua construção.

A Ferrogrão, ao contrário de todos os demais projetos de grande porte que hoje compõem o plano de expansão das estradas de ferro no País, não brotou do setor público, mas dos empresários. Foram as tradings que decidiram se unir para apresentar o projeto: Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus contrataram a estruturadora Estação da Luz Participações (EDLP) para abrir o mapa e riscar o traçado da ferrovia, paralelamente à rodovia Cuiabá-Santarém, a BR-163. O fato de o projeto nascer do setor privado decorre diretamente do interesse que as empresas têm no empreendimento. Segundo o Grupo Bom Futuro (empresa que planta soja, milho e algodão), não é só o produtor que precisa dessa ferrovia, isso é um projeto de País, porque ela será um divisor de águas e vai mexer com a economia nacional. Atualmente, as cargas que deixam Mato Grosso já saem pelas quatro bandas do Estado: as ferrovias da Rumo pelo sul, e às estradas BR-364 via Rondônia; e BR-163 e BR-158, pelo Pará.

Falta, porém, rotas ferroviárias. “em espaço para as duas ferrovias, a Ferrogrão e a malha da Rumo. Está havendo um equívoco nessa ideia de que, se uma fizer um trecho primeiro, vai abafar o trecho da outra. As duas rotas são interessantes porque trazem competitividade. O monopólio não é considerado bom. As projeções de crescimento na produção de Mato Grosso reforçam os argumentos. Os dados do Movimento Pró-Logística, que reúne o setor produtivo de Mato Grosso, apontam que, anualmente, 72 milhões de toneladas de soja e milho são entregues pelo Estado. Esse foi o volume verificado no ano passado e que deve se repetir em 2021. Até 2030, porém, o cenário previsto é que esse volume salte para 125 milhões de toneladas. O Movimento Pró-Logística chama a atenção ainda para o declive favorável da ferrovia, ao longo de seus 933 Km. Os estudos mostram que essa ferrovia tem início com uma altitude de 384 metros em Sinop, para chegar com 15 metros de altitude em Miritituba. Tem algumas serras no caminho, mas são facilmente ultrapassadas.

Os cálculos oficiais estimam que a Ferrogrão tem potencial de reduzir o preço do frete em pelo menos 40%. Essa ferrovia já tem um mercado cativo. Há disputas, porque todos sabem que vai baixar o valor do frete. Mas, tentativas de reduzir o interesse pelo empreendimento não se sustentam e não interessam ao País. A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja) afirma que os produtores já levaram suas preocupações com o posicionamento da Rumo ao ministro da Infraestrutura, além da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Para a entidade a ideia de a Rumo dominar os trilhos todos do País não tem lógica. Não se pode impedir o crescimento do País por causa de um interesse só. A Ferrogrão tem que vir e nas mãos de outra empresa. A percepção é de que é preciso concorrência, é preciso ter outra empresa que vá explorar esse trecho. Isso é o que fará o produto chegar mais barato na mesa do consumidor. Nenhum outro projeto logístico recebe mais atenção dentro do Ministério da Infraestrutura.

Há mais de cinco anos, Tarcísio Gomes de Freitas trabalha na estruturação da concessão da Ferrogrão. Nos últimos dias, ele falou com diversos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para apresentar dados do projeto e obter aval para que o processo de licenciamento ambiental prossiga. O ministro evita comentários sobre os embates entre concorrentes e as críticas que a Rumo tem feito nos bastidores. Porém, ele defende o projeto, pois há empresas interessadas, o projeto é viável e será um exemplo em licenciamento ambiental. No ano passado, a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Infraestrutura fez um convite a investidores para conhecer o projeto. Recebeu respostas para 22 agendamentos de entrevistas para tratar do tema. O ministro acredita que a Ferrogrão será seu “maior legado”, porque reposiciona a matriz ferroviária no mapa nacional. O projeto já tem o que é mais difícil em qualquer empreendimento, que é o investidor interessado. A viabilidade ambiental do empreendimento será confirmada naturalmente.

Trata-se de uma ferrovia que terá selo verde, um modal sem emissões, que será erguido ao lado de uma rodovia em área já desmatada. Isso significa menos acidentes em estradas e zero emissões de gases. Freitas reafirma que as condicionantes ambientais do projeto serão detalhadas e a prioridade máxima é fazer a obra sem atropelos. Os povos indígenas serão ouvidos, bem como todos os interessados. Essa ferrovia será um modelo de sustentabilidade. As ferrovias representam cerca de 15% do transporte de cargas do País, enquanto as rodovias respondem por 65% e as hidrovias, 15%. Para se ter uma ideia, a participação dos trilhos na China chega a 37% do que é transportado, a 43% nos Estados Unidos e a 81% na Rússia. O Brasil destina apenas 0,6% a 0,8% de seu PIB anual para o setor de transportes, longe do cenário ideal de 2,5% do PIB que teria de manter, por duas décadas de investimentos, para modernizar a sua matriz logística. O Plano Nacional de Logística prevê que o transporte sobre trilhos possa chegar a 30% da matriz nacional até 2025. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.