14/Jul/2025
A dependência brasileira de fertilizantes sintéticos importados é uma bomba-relógio geopolítica. O País importa 85% dos fertilizantes que utiliza, com a Rússia respondendo por 23% desse total e o Irã por 17% das importações de ureia. A guerra na Ucrânia em 2022 já havia exposto essa fragilidade: os preços do cloreto de potássio (KCl) dispararam de US$ 300 para US$ 1.200,00 por tonelada, pressionando os custos de produção em plena safra recorde. Agora, em junho de 2025, o conflito Israel-Irã volta a expor o País ao risco de desabastecimento e ao aumento expressivo nos custos de produção.
A paralisação de fábricas iranianas de ureia (que produzem 9 milhões de toneladas/ano) e a interrupção do fornecimento de gás israelense ao Egito reduziram 20% da oferta global de nitrogenados, elevando os preços da ureia de US$ 398,00 por tonelada para US$ 435,00 por tonelada em 4 dias (+9,3%). Os impactos imediatos são: logística, custos e desabastecimento. Um agravante é que a guerra entre Israel e Irã não afeta apenas preços, mas toda a cadeia logística. O ponto crítico é o risco no Estreito de Ormuz, por onde passam 20 milhões de barris de petróleo/dia e 42% das exportações globais de ureia.
Um bloqueio iraniano elevaria fretes marítimos e custos de seguros, impactando de 15 a 20% dos custos de importação brasileiros. Cálculos ilustram que, em se mantendo a tendência atual, a relação de troca é insustentável: produtores de milho precisam de 75 sacas de 60 Kg para comprar uma tonelada de ureia, ante 60 sacas de 60 Kg antes do conflito, o pior patamar desde 2022. Além disso, o timing é crítico. As compras para a 2ª safra de 2026 (milho, algodão) estão em curso, e o desabastecimento pode afetar o plantio a partir de setembro.
- Bioinsumos: resposta estratégica à crise
Os biofertilizantes vêm se apresentando como alternativa viável e urgente nesses contextos, com vantagens comprovadas. Vejamos:
a) Redução de dependência: Produzidos localmente a partir de resíduos agroindustriais (vinhaça, tortas vegetais) e microrganismos endêmicos, eliminam riscos geopolíticos;
b) Economia de 30 a 40% nos custos: Enquanto a ureia sintética dispara, bioinsumos mantêm preços estáveis, com potencial de economizar US$ 5,1 bilhões/ano nas culturas de milho, trigo e cana-de-açúcar.
Benefícios ambientais: Inoculantes como Azospirillum brasilense reduzem em 30% o uso de nitrogênio sintético em soja e milho e cortam emissões de N2O (gás 300x mais poluente que CO2) em 70%.
- Gargalos e soluções: o papel das políticas públicas
Apesar do potencial, a transição dos produtos sintéticos para os bioinsumos enfrenta grandes obstáculos em diferentes dimensões:
a) Regulatório: O registro de novos produtos na Mapa/Anvisa leva até três anos, desincentivando inovações;
b) Escala industrial: O Brasil precisa ampliar a capacidade da oferta, sendo que utilizando as biofábricas, por exemplo, seria necessário atender 30 milhões de hectares até 2026, o que requer R$ 10 bilhões em investimentos;
c) Falta de métricas: Não há dados sistematizados sobre elasticidade-preço entre sintéticos e bioinsumos, dificultando políticas de subsídios eficazes.
- Medidas propostas para reduzir os impactos negativos:
a) Acelerar o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF): Com metas para expandir em 25% a produção de organominerais até 2025 e triplicar a área com microrganismos até 2027;
b) Criar um "BioIndex" nacional: Um índice em tempo real para monitorar preços, demanda e estoques de bioinsumos, permitindo ajustes ágeis em subsídios e contratos.
- Conclusão: da vulnerabilidade à liderança verde
As guerras no Leste Europeu e Oriente Médio escancararam uma verdade inconveniente: o modelo de dependência de fertilizantes sintéticos é insustentável economicamente e estrategicamente. Os bioinsumos não são mais uma alternativa marginal, mas um pilar de segurança alimentar e soberania tecnológica. O Brasil tem 60% das terras agrícolas tropicais do planeta e potencial para liderar uma revolução bio-based. Para isso, precisa:
a) Converter crise em ação: Usar o PNF para reduzir as importações de 85% para menos de 60% até 2030.
b) Posicionar-se como exportador de tecnologia verde: Bioinsumos são a chave para transformar vulnerabilidade em vantagem competitiva global.
c) A resposta do Brasil definirá não apenas seu futuro agrícola, mas seu papel na geopolítica da alimentação do século XXI. A hora dos bioinsumos é agora!!
Fonte: Heloisa Burnquist. Cepea.