23/May/2025
A Organização Marítima Internacional (IMO) aprovou recentemente um pacote de medidas econômicas para mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) da navegação internacional. A aprovação não ocorreu por consenso, como é costume, e se deu por votação, durante a 83ª sessão do Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho da IMO, realizada em Londres, após duas semanas de intensos debates. A adoção formal das medidas deve ocorrer em outubro de 2025. A IMO é composta por mais de 170 Estados Membros e as regras estabelecidas pela organização são obrigatórias para todos os países que operam na navegação internacional. O debate sobre metas de descarbonização na IMO ocorre há cerca de 10 anos, nos moldes do que acontece na aviação civil.
O transporte marítimo internacional é responsável por mais de 80% do comércio mundial e contribui com aproximadamente 2% a 3% das emissões globais de GEE. A IMO estabeleceu metas rigorosas para redução de emissões no setor, a fim de alcançar emissões líquidas zero no transporte marítimo internacional até, ou próximo de, 2050. A principal estratégia é precificar as emissões nos navios, com base na intensidade de GEEs dos combustíveis, considerando o ciclo de vida dos combustíveis (desde a produção até a emissão a bordo), por unidade de energia utilizada, criando um Fundo IMO Net Zero, que centralizará os recursos visando estimular a descarbonização no setor. A precificação é composta por três níveis de metas de descarbonização: i) Meta Base (faixa 2); ii) Meta de Conformidade Direta (faixa 1); iii) Faixa em conformidade (faixa 3, inclui combustíveis de baixa emissão e zero ou próximo de zero - ZNZs).
Os navios que não atenderem as metas (faixas 1 e 2) deverão adquirir unidades de descarbonização para equilibrar suas emissões. Já os navios em conformidade (faixa 3), poderão se beneficiar com a venda de "unidades excedentes" ou, no caso dos combustíveis e fontes de energia classificados como ZNZ, receber recompensas pagas pelo Fundo IMO Net Zero. Para os navios que reduzirem suas emissões entre 4% e 17% até 2028 (faixa1), comparado aos níveis de 2008, deverão pagar US$ 100 por tonelada de CO? equivalente ao Fundo Net-Zero. Para os navios que reduzirem menos de 4% (faixa 2), ou seja, os mais poluentes, terão que pagar US$ 380 por tonelada de CO? equivalente, além do valor correspondente à faixa 1. Com o tempo, as exigências de redução de emissões aumentam para as duas faixas, pressionando o setor marítimo a adotar cada vez mais a combustíveis limpos e tecnologias mais eficientes.
As novas regras se aplicam a navios com tamanho acima de 5 mil toneladas brutas, que correspondem a maior parte da frota comercial global, e entrarão em vigor em março de 2027. A verificação de conformidade será exigida a partir de janeiro de 2028. Os preços foram definidos até 2030 e serão reavaliados a partir desse período. Estimativas iniciais apontam que o mecanismo de precificação aprovado deve gerar uma arrecadação anual de aproximadamente US$ 10 bilhões, totalizando entre US$ 30 - US$ 40 bilhões nos primeiros dois anos de implementação. O Fundo IMO Net Zero apoiará soluções de descarbonização na navegação marítima, o que pode impulsionar investimentos em novas tecnologias, no uso de biocombustíveis com maior potencial de redução de emissões, apoiar iniciativas de inovação, pesquisa e desenvolvimento e transferência de tecnologias, dando suporte à transição energética, além de reduzir impactos negativos sobre Estados vulneráveis e segurança alimentar.
Vale apontar, no entanto, que a precificação de carbono no transporte marítimo levará, no curto prazo, a um aumento dos custos dos fretes marítimos. São estimados impactos mais negativos especialmente sobre os países importadores líquidos de alimentos, menos desenvolvidos e que ficam mais distantes dos centros consumidores. É crucial, no entanto, avaliar potenciais impactos visando reduzir custos, que tenderão a ser repassados ao longo da cadeia. As exportações brasileiras, por exemplo, podem ser impactadas pelo aumento do custo dos transportes, especialmente se os navios recaírem na faixa 1. Ao mesmo tempo, o país possui diversas oportunidades, sendo competitivo em várias rotas tecnológicas de combustíveis de baixa emissão. Os biocombustíveis produzidos de forma sustentável oferecem grande potencial para contribuir com a mitigação das emissões da navegação internacional.
Além disso, podem gerar unidades excedentes a serem comercializadas com as embarcações mais emissoras, e têm potencial para serem classificados como ZNZs, como no caso do etanol e do biodiesel produzido a partir de resíduos, por exemplo. Diante da crise do multilateralismo climático, e da expectativa de que os 10 anos do Acordo de Paris possa destravar uma agenda ambiciosa de implementação de ações climáticas que gerem resultados de mitigação, é válido situar o acordo de descarbonização do transporte marítimo como um novo paradigma. De um lado, pelo fato de criar um mecanismo de precificação de emissões que tenderá a estimular maior eficiência, visando pagar o menor preço pelas emissões ou gerar excedentes que poderão ser comercializados com navios mais emissores. De outro, o Fundo IMO Net Zero, pela dinâmica do transporte marítimo global, arrecadará vultosos recursos que serão voltados para fomentar estratégias de descarbonização no setor.
Assumindo que financiamento climático é a agenda mais desafiadora para impulsionar a adoção de ações que gerem resultados de mitigação, o acordo da IMO poderá catalisar uma revolução tecnológica no setor. Após a aprovação final do acordo na IMO, em outubro, haverá um intenso processo para definir como classificar os biocombustíveis com base na sua pegada de carbono, o que pode abrir ou fechar mercado para diferentes biocombustíveis. Ademais, será necessário negociar os detalhes sobre o uso dos recursos que serão arrecadados pelo Fundo IMO Net Zero. Seja pela preocupação com potenciais impactos no frete marítimo, seja pelas oportunidades que os biocombustíveis da agropecuária tropical podem ter no novo esquema da descarbonização do transporte marítimo, o Brasil será uma peça central nesse tabuleiro. Em linha com a agenda de mitigação da aviação civil internacional, o transporte marítimo deve movimentar uma intensa agenda de negociações visando implementar as novas regras. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.