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27/Oct/2025

Cacau aliado da preservação da Floresta Amazônica

Lendas da Amazônia atribuem ao pássaro uirapuru propriedades sobrenaturais: boa sorte para quem ouve seu canto, prosperidade nos negócios de quem tiver um amuleto feito com penas dessa ave. Coincidência ou não, a boa fortuna tem acompanhado o agricultor Pedro Pereira, o Pedro da Gabriela, desde que seu caminho cruzou com o "músico-da-mata". Dono do chocolate "Canto do Uirapuru", ele produz cacau em meio à vegetação nativa, e numa propriedade vizinha preserva 200 hectares para servir de santuário para o uirapuru que dá nome ao produto. Ele e os biólogos que estudam a propriedade estimam haver ao menos seis casais do uirapuru na área. "Toda vida gostei da floresta", conta Pedro. Em 80% da área de mata, segundo ele, existe cacau. A história do agricultor ilustra uma realidade frequente na Amazônia: o cacau tem sido um dos principais aliados na preservação da floresta. Hoje, o Pará é o maior produtor de cacau do Brasil, ultrapassando a Bahia, que historicamente ostentou esse título.

Segundo o governo paraense, o Estado produz 137,46 mil toneladas por ano, que movimentam R$ 7,72 bilhões. Na cidade de Medicilândia, os números são superlativos: 1.190 Kg de cacau por hectare, superando significativamente a média brasileira de 483 kg por hectare, e até mesmo a média da África, maior produtora global, de 500 Kg por hectare. A produção fez com que a cidade se tornasse a "capital nacional do cacau". E tem mudado o destino de uma região conhecida por ser rota da Transamazônica, rodovia construída nos anos 1970 que acelerou o desmatamento na região. Estratégias para estimular a geração de renda e a manutenção da floresta em pé estão entre os temas que ganham a atenção com a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP30), que será realizada em Belém em novembro. Mas o que levou o cacau a se tornar uma ferramenta de preservação da floresta? O biólogo Rodrigo Freire, gerente de áreas privadas da organização TNC na Amazônia brasileira, explica que a adaptabilidade do cacaueiro às espécies nativas favorece a produção harmônica com o bioma.

Além disso, a cultura do cacau é fortemente vinculada à agricultura familiar, com grande impacto social. Pelo fato de a árvore do cacau ser originalmente amazônica, ela é adaptada ao clima e ao solo da região. "É uma espécie que naturalmente pode ser produzida em arranjos agroflorestais com outras espécies agrícolas e arbóreas de interesse econômico", diz Freire. Ao longo do tempo, uma das principais estratégias de plantio do cacau ocorreu no sistema "cabruca", surgido na Bahia, no qual há remoção de algumas árvores para abrir espaço para plantio do cacau entre a vegetação nativa. Com isso, o fruto cresce à sombra das outras espécies, convivendo de maneira harmônica com a mata original. Nos últimos 15 anos, houve expansão do plantio de cacau em sistemas agroflorestais. A diferença entre o modelo cabruca e os SAFs é que este último geralmente é construído em áreas já degradadas, sendo usado para recompor a floresta a partir do plantio de espécies agrícolas e florestais nativas.

Esses arranjos têm conseguido recompor áreas degradadas sobretudo pela pecuária extensiva e rústica, com grande produção no Pará. "O cacau é uma cultura agrícola que historicamente não tem relação tão significativa com o desmatamento no território, pois mesmo quando se substituía florestas para seu plantio, dificilmente era feito em grandes áreas", afirma Freire. O caminho que leva ao sítio de Pedro, em Medicilândia, traz de volta o trajeto feito por milhares de brasileiros que, impulsionados pelo regime militar há cerca de cinco décadas, chegavam à Amazônia para ocupar um território ainda desconhecido. Pedro foi um desses migrantes, que deixou o Espírito Santo na década de 1980 para fincar raízes no Pará. "Nossa intenção era buscar sobrevivência num pedaço de terra que seria suficiente para a família toda", lembra. Na época, a propriedade que passou para a família estava tomada pelo plantio de cana-de-açúcar. A expansão forçada pelos militares trouxe danos à floresta que persistem.

Ao redor da Rodovia Transamazônica, que rasgou o bioma há mais de 50 anos ao longo de 4,2 mil quilômetros, os acessos foram abertos deixando passivo ambiental marcado pelo desmate. "A Transamazônica, ao longo do tempo, foi a principal mancha de redução do estoque florestal para a pecuária. E hoje é a região que concentra a maior produção de cacau do Brasil", disse o governador Helder Barbalho (MDB). "Houve percepção de que o valor da atividade de plantio e do negócio do cacau se demonstrou muito mais rentável. Além de ser atividade que gera emprego e renda, restaura e recupera áreas antropizadas e faz captura de carbono", completou. Um estudo da TNC com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostrou que a renda gerada pela produção rural da sociobiodiversidade na Amazônia pode chegar a R$ 170 bilhões até 2040. Segundo a pesquisa, o cacau é uma das principais culturas a alavancarem recursos e, ao lado de produtos como açaí, castanha-do-pará, palmito, borracha, tucumã, cupuaçu-amêndoa, cumaru, murumuru e óleo de castanha-do-pará, responde a 96% da renda gerada pela bioeconomia na região.

Com o cacau como âncora da economia local, uma das principais dificuldades tem sido verticalizar a produção: fazer com que os agricultores da Amazônia consigam ir além da mera venda das amêndoas como commodity e dominem a cadeia de produção até os produtos finais, com valor agregado. Nesse contexto, a fábrica "Cacauway" se tornou pioneira na Transamazônica. Formada por um grupo de agricultores cooperados, a Cacauway produz chocolates finos, geleias, amêndoas caramelizadas, entre outros produtos, para comercializar. "Tem um desafio, a gente tem pouco conhecimento do mercado. Entrar no mercado não é difícil, mas ficar nele é outra política, porque tem dinâmicas diferenciadas, tem de botar o teu produto concorrendo com as grandes marcas e, para isso, não basta só ter qualidade do produto, precisa ter embalagem que concorra. “É muito caro”, explica Ademir Venturin, membro da Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica (Cooptrans) e um dos fundadores da Cacauway.

Por ser uma commodity global, o preço do cacau varia de acordo com o mercado internacional, mas hoje está na casa de R$ 19,00 por Kg. Projeção da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca do Pará mostra expectativa de que o cacau gere um valor bruto de produção de R$ 8,13 bilhões este ano. O montante considera o desempenho de todas as lavouras do Estado. "Para dar escala, os serviços prestados por esse modelo de produção precisam ser valorizados e incorporados no preço final”, afirma Pedro Zanetti, especialista em Transição de Uso da Terra, Sistemas Alimentares e Bioeconomia do Instituto Clima e Sociedade (ICS). “Para cada quilo de cacau em sistema agroflorestal, você leva junto carbono capturado, biodiversidade, regeneração da qualidade do solo." Apesar dos resultados positivos para o meio ambiente, o cacau também oferece riscos quando não é produzido de modo adequado.

Assim, pesquisadores e organizações acenderam o alerta para a criação de monoculturas de cacau no bioma. Na década de 2020, começou-se a perceber nova correlação do plantio do cacaueiro com o desmatamento de florestas nativas ou substituição de SAFs mais antigos, para a implantação de áreas de monocultura de cacau, principalmente de cultivares usando a técnica de mudas clonadas, explica a TNC. Para evitar que esse formato se sobreponha à produção responsável, é preciso garantir mercado para as culturas produzidas em consórcio com o cacau, como banana, mandioca, milho e açaí. Na teoria, toda cultura agropecuária pode ser desenvolvida de forma sustentável, de acordo com sua forma de produção, manejo e comercialização mais responsável. Mas, culturas originalmente manejadas em consórcios sociobiodiversos são mais sustentáveis. Fonte: Broadcast Agro.