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25/Sep/2025

FLV: “Fome Oculta” e os riscos da má alimentação

Em julho de 2025, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) anunciou que, mais uma vez, o Brasil estava fora do Mapa da Fome. O marco indica que a proporção de pessoas que passam fome no País ficou abaixo de 2,5% da população. Isso, no entanto, não significa que estamos nos alimentando bem. Na verdade, muitos brasileiros sofrem da chamada fome oculta ou silenciosa: significa que, mesmo alcançando uma ingestão calórica suficiente (ou até acima do adequado), há uma deficiência de nutrientes importantes na dieta. Entre os principais motivos para isso estão a falta de diversidade alimentar no dia a dia e o consumo crescente de produtos ultraprocessados. Vale destacar que a fome oculta pode inclusive ocorrer em paralelo ao sobrepeso e à obesidade, problemas que afetam 68% da população brasileira, segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2025. Para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é preciso separar fome e fome oculta.

Uma coisa é faltar alimento, outra coisa é faltar um micronutriente ou mais de um micronutriente específico. A fome oculta é frequentemente associada à carência de ferro e vitamina A, resultando em condições como anemia e hipovitaminose. Em crianças, o impacto é especialmente preocupante, já que o déficit nutricional enfraquece o sistema imunológico, prejudica a aprendizagem, compromete o desenvolvimento ósseo e, em casos mais severos, pode provocar atrasos no crescimento. O relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo (Sofi 2025) mostra que a América Latina e o Caribe vivem um paradoxo que pode ajudar a explicar, pelo menos em parte, a ocorrência da fome oculta. A região foi a que mais reduziu os índices de insegurança alimentar no mundo, mas, ao mesmo tempo, se tornou o lugar onde uma dieta saudável custa mais caro.

Em 2024, o preço médio de uma alimentação equilibrada chegou a US$ 5,16 por pessoa por dia em paridade de poder de compra (PPP). Esse foi o valor mais alto registrado em todo o mundo. A PPP é uma taxa de câmbio que ajusta os preços entre diferentes países para refletir o custo real dos bens e serviços, permitindo uma comparação mais justa do poder de compra das moedas. No Brasil, o custo de uma alimentação saudável foi estimado em US$ 4,69 PPP por dia (aproximadamente R$ 25,00). Cerca de 23,7% da população no País (50,2 milhões de pessoas) foi incapaz de arcar com esse padrão alimentar no último ano. Globalmente, a média de pessoas sem condições de pagar por uma dieta saudável é de 31,9%. Outro fator que contribui para a fome oculta é a presença cada vez mais marcante de itens ultraprocessados na mesa do brasileiro.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que esses produtos já representam cerca de 20% das calorias ingeridas no País. Esse grupo é composto por alimentos e bebidas que foram submetidos a métodos mais agressivos de alteração do produto in natura, além da adição de substâncias de uso industrial, como aromatizantes, corantes, conservantes, emulsificantes e outros aditivos. Alguns exemplos de itens classificados dessa maneira: bebidas lácteas, refrigerantes, barrinhas de cereais, macarrão instantâneo, sucos em pó, cereais matinais, tortas, pratos de massa e pizzas pré-preparadas, pães embalados, nuggets de frango, bolachas e biscoitos. Esses itens são projetados para serem atrativos, práticos e saborosos. O problema é que, de acordo com a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), eles têm baixo valor nutritivo e uma concentração muito grande de calorias.

Ou seja, não ofertam substâncias importantes para o pleno funcionamento do organismo e ainda facilitam o ganho de peso. Os ultraprocessados são, inclusive, considerados obesogênicos. Embora o componente genético tenha um papel importante na obesidade, hábitos de vida fazem muita diferença no desenvolvimento da doença. Um estudo feito pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), publicado em junho do ano passado na Revista de Saúde Pública, chegou a avaliar como é o consumo de ultraprocessados nos 5.570 municípios brasileiros. O levantamento revela uma heterogeneidade nesse sentido. Em Aroeiras do Itaim, no Piauí, esses produtos representam 5,75% do consumo alimentar da população. Em Florianópolis, Santa Catarina, eles compõem 30,5% do cardápio.

A pesquisa mostra que, em geral, municípios de menor renda consomem menos ultraprocessados. No entanto, a dieta ainda é pobre em diversidade. A alimentação se concentra em arroz, feijão e carnes, mas com baixo consumo de frutas e hortaliças, o que mantém a população vulnerável à falta de micronutrientes e, portanto, à fome oculta. Segundo os pesquisadores, renda e urbanização são fatores que se destacam nessa distribuição. Municípios mais urbanizados apresentam maiores estimativas de consumo de ultraprocessados; todas as capitais, por exemplo, superam os demais municípios de seus respectivos Estados, e um padrão semelhante aparece nas regiões metropolitanas. Localidades com maior poder aquisitivo também exibem estimativas mais altas, o que é coerente com a evidência de que, no Brasil, pessoas de maior renda consomem mais ultraprocessados. Outros fatores podem contribuir para essas diferenças, como o ambiente alimentar local, além da oferta e do acesso a alimentos ultraprocessados.

Crianças e adolescentes tendem a compor o grupo de maior vulnerabilidade de exposição aos ultraprocessados. Um pacote de salgadinho antes do almoço, por exemplo, pode saciá-los momentaneamente e acabar ocupando o espaço do almoço. Ou seja, troca-se uma refeição nutritiva por aquilo que os nutricionistas chamam de “calorias vazias”, já que salgadinhos não são fontes de vitaminas, minerais e outros compostos considerados benéficos. Para se ter ideia, o Inquérito Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani 2019-2020) revelou que os ultraprocessados compuseram a dieta de 80,5% das crianças de até 2 anos de idade no dia anterior à pesquisa. Embora 63,4% tivessem atingido a chamada diversidade alimentar mínima, as desigualdades regionais e socioeconômicas ficaram evidentes: a Região Norte e famílias com menor escolaridade apresentaram os piores indicadores.

Não à toa, a obesidade superou o baixo peso e se tornou a forma mais comum de má nutrição entre crianças e adolescentes, segundo um relatório divulgado no dia 9 deste mês pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A fome oculta pode permanecer silenciosa por anos. Quando os sintomas aparecem, geralmente incluem fadiga, sonolência, fraqueza, baixa imunidade, irritabilidade, queda de cabelo, unhas quebradiças, problemas hormonais e dificuldade de cicatrização. Para as crianças, os riscos são mais graves e duradouros: além da irritabilidade e da maior propensão a doenças, a deficiência nutricional pode prejudicar o desempenho escolar e limitar oportunidades futuras. Isso perpetua o ciclo da pobreza e da desigualdade. O Brasil já adota algumas estratégias para enfrentar as deficiências nutricionais. Farinhas de trigo e milho recebem fortificação obrigatória com ferro e ácido fólico; o sal de cozinha é iodado; e programas como o NutriSUS distribuem sachês de vitaminas e minerais em creches públicas.

A mais recente iniciativa, a Nova Cesta Básica Nacional, passou a incluir frutas, verduras e legumes, medida que pode favorecer preços mais acessíveis e ampliar o acesso a alimentos frescos. Além disso, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) estabelece que no máximo 15% dos alimentos da merenda escolar podem ser processados e ultraprocessados. Segundo os especialistas, a proibição da comercialização desses itens em cantinas escolares é um passo importante para frear o consumo entre as crianças. Medidas individuais também podem ajudar. Por exemplo: combinar feijão com alimentos ricos em vitamina C, como suco de laranja ou limão, melhora a absorção de ferro; evitar o consumo de leite logo após as refeições principais pode reduzir o risco de anemia; e eleger os ovos como substitutos de carnes garante proteínas e micronutrientes sem pesar tanto no bolso. Outra dica é, sempre que possível, priorizar alimentos in natura. A suplementação com cápsulas, sachês e afins só é indicada em alguns casos, após a comprovação de déficit de algum nutriente na dieta.

Ou seja, não deve substituir refeições completas e deve ser orientada por um profissional especializado. É importante pensar nesse recurso como uma ferramenta de prevenção ou reparação de um problema, que seria a deficiência de micronutrientes. Até porque, o uso de suplementos pode levar um indivíduo ao outro extremo, isto é, a hipervitaminose. Todos os micronutrientes têm um valor recomendado por dia e um valor máximo de consumo. Acima disso, seria uma ingestão de risco, porque eles poderiam provocar uma sobrecarga. Em excesso, esses produtos podem resultar em toxicidade, principalmente para os rins e o fígado. E não é incomum que as pessoas recebam prescrições de vitaminas de forma indiscriminada. Para quem tem uma dieta balanceada e diversificada conforme o padrão alimentar brasileiro, não existe recomendação de suplementos, a não ser que haja uma deficiência constatada por meio de exames. Quanto mais cores a gente tiver no prato, mais vitaminas ele terá. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.