02/Sep/2025
No nordeste do Pará, a 200 quilômetros de Belém, produtores de Tomé-Açu cultivam cacau, dendê, açaí, pimenta-do-reino, cupuaçu, pupunha, baunilha e frutas locais em consórcio com a Floresta Amazônica. Por lá o sistema ganhou nome próprio: Safta - sistema agroflorestal de Tomé-Açu. Na área em que o Código Florestal é mais restritivo, onde 80% da área deve ser mantida em reserva legal sem desmatamento, produtores cultivam pelo menos 15 itens agrícolas diferentes em uma mesma área. Na terceira maior colônia japonesa do Brasil, no coração da Floresta Amazônica, o tema da manutenção da floresta em pé em paralelo às atividades produtivas, em voga nas discussões atuais pré-Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, está presente por lá desde a chegada dos primeiros imigrantes. É um modelo de produção que preserva o equilíbrio ecológico, usa menos insumos e diminui a pegada de carbono no solo porque planta várias culturas na mesma área.
Então, evita o desmatamento e é economicamente viável, porque garante receita ao produtor durante o ano todo com as colheitas alternadas, segundo a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta). Para a Amazônia, o Sistema Agroflorestal é uma alternativa sustentável. Na região, as agroflorestas foram iniciadas pela comunidade ribeirinha com a produção de frutas no entorno das residências, associadas às plantas perenes nativas. Diferentemente das monoculturas, o sistema agroflorestal reúne várias espécies vegetais na mesma área. São plantados produtos extrativistas que contribuem para a conservação do bioma amazônico, incluindo açaí, andiroba, babaçu, baru, borracha, buriti, cacau, castanha do Brasil, juçara, macaúba, mangaba, murumuru e umbu. A maioria das espécies é nativa nas regiões, portanto, mantêm as florestas locais "em pé".
As agroflorestas se inserem ainda nos conceitos mais contemporâneos de agricultura sustentável, de baixo carbono, regenerativa e conservacionista. Uma das principais vantagens econômicas das agroflorestas aos produtores rurais é o fato de que o cultivo consorciado de produtos permite que os agricultores tenham colheita ao longo de todo o ano, gerando renda contínua ao produtor, e incentivando as comunidades locais. Em Tomé-Açú, por exemplo, a safra do cupuaçu vai de dezembro a junho, quando entra a colheita da pimenta-do-reino, seguida pela safra do cacau. Na sequência, vem a safra do açaí, que se estende até outubro. Com a diversificação, o produtor tem receita mensal. Os produtos são divididos entre curto, médio e longo prazo para assegurar renda ao agricultor. A Camta reúne 170 produtores locais e a produção é destinada à exportação e ao mercado nacional, com faturamento que chegou a R$ 125 milhões no último ano. A cooperativa recebe também produção de 1.800 agricultores familiares não cooperados, desde andiroba, acerola, a maracujá.
Hoje, a cooperativa mantém uma indústria de processamento dos frutos e comercializa 60% da produção para o mercado doméstico e 40% para exportação. O açaí é o carro-chefe da cooperativa, com produção de aproximadamente 4,5 mil toneladas por ano, sendo 3,5 mil toneladas destinadas à exportação (destas 3 mil toneladas por ano vão para o Japão) e 1 mil toneladas para consumo doméstico. A fruta é processada e vendida sob forma de polpa, sucos e sorbet. A área de produtores da Camta chega a 45 mil hectares. Destes, 7 mil hectares já são cultivados em sistemas agroflorestais que permitem mais de 200 combinações de modelo na associação de cacau, açaí, banana, pimenta, dendê, baunilha, guaraná, cupuaçu. Outros 10 mil hectares, destinados à monocultura, estão em processo de renovação para conversão para agrofloresta, sem abertura de novas áreas. Não é feito desmatamento. As áreas são renovadas e são incluídos novos produtos cultivados.
É um sistema de produção de alimentos com duração, em boas produtividades, de 25 a 30 anos até serem renovadas. Um dos principais projetos dos cooperados agroflorestais da Camta é o Saf Dendê, modelo validado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ao todo 500 hectares já são cultivados neste sistema. A produção é processada pela cooperativa e o óleo é destinado para produção de cosméticos e para indústria alimentícia, utilizado em margarinas, biscoitos. Outro produto que ganha espaço nas lavouras da região no sistema agroflorestal é o cacau. O boom dos preços da commodity, de US$ 3 mil por tonelada para US$ 13 mil por tonelada impulsionou o cultivo. O cacau deve se consolidar entre US$ 5 mil e US$ 6 mil por tonelada, com margens boas para operação. Ao todo, são mais de 1 milhão de cacaueiros monitorados via satélite que, juntos, produzem 1 mil toneladas por ano.
O Sistema Agroflorestal (SAF) funciona como uma produção consorciada de culturas arbóreas, geralmente produtivas e perenes, e agrícolas e reúne várias espécies vegetais na mesma área, diferentemente das monoculturas. O sistema cresce no Brasil combinando produção e conservação, sem supressão vegetal. Cerca de 13,9 milhões de hectares são cultivados em sistemas agroflorestais no País, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Tomé-Açu, o agricultor Ernesto Suzuki, cooperado à Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), é um dos que aderiram ao Sistema Agroflorestal dendê (Saf dendê). O modelo é validado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ele cultiva a palma desde 2008 e atualmente possui 50 hectares no sistema agroflorestal em uma área total de 430 hectares incluindo a reserva. Ele começou em monocultivo de dendê e hoje cultiva outras espécies florestais aliadas ao dendê em três áreas.
Em meio às linhas de dendê, ele cultiva açaí e espécies florestais nativas, como a andiroba e ingá, e sob as sombras das palmas crescem as lavouras de cacau. A produção de dendê de Suzuki é vendida à Natura, que pretende alcançar 40 mil hectares de Saf dendê na região, e utilizada na linha de cosméticos Ekos. O sistema reduz o volume de adubação de 10% a 15% e evita a queima da área para o preparo. O plantio alternado cria uma espécie de corredor ecológico com microclima próprio e propicia maior controle térmico. Ele utiliza apenas controle biológico, sem uso de defensivos, para manejo das pragas. Atualmente, Suzuki possui ainda 20 hectares de dendê em sistema de monocultivo, os quais pretende migrar gradativamente para o SAF. Além dos benefícios ambientais, a produtividade das lavouras aumentou expressivamente com a adoção do SAF, segundo Suzuki, que possui de 12 a 15 espécies no sistema consorciado.
No dendê, o rendimento saltou de 170 quilos por cacho em sistema de monocultura para 216 quilos por cacho, chegando a 2,3 mil toneladas por ano. No cacau, a produtividade das lavouras chega a 600 amêndoas secas por ano, ante a média nacional de 300 amêndoas secas por planta ao ano, alcançando 5,2 toneladas ao ano. No ano passado, a falta de chuvas em julho gerou estresse hídrico e diminuiu a produção, mas com perdas inferiores à palma semeada em monocultivo já que é um sistema mais resiliente à seca e às mudanças climáticas. O cacau é o principal produto do sistema agroflorestal cultivado pelo agricultor Armando Mineshita. Em uma área de 15 hectares, ele colhe, em média, por ano 10 toneladas de cacau, 7 toneladas de açaí, 7 toneladas de cupuaçu e 50 toneladas de pupunha. É possível produzir com floresta em pé. São plantas de pequeno, médio e grande porte. Na mesma área, Mineshita cultiva pimenta-do-reino, cacau, baunilha e açaí.
Terminando o cacau, já colhe o açaí e, com isso, todo mês tem renda para subsistência. Mineshita atribui ao sistema agroflorestal a boa produtividade das áreas, apesar das secas frequentes observadas na região. A 1.100 quilômetros de Tomé-Açu e a 1.221 quilômetros de Belém, em Santarém, no oeste do Pará, floresta em pé e mudanças climáticas também fazem parte do vocabulário de comunidades ribeirinhas. Às margens do Rio Arapiuns, afluente do gigante Tapajós, os efeitos das mudanças climáticas já deixam prejuízos aos produtores locais. Produtores de mel e piscicultores amargam as perdas registradas no ano passado e tentam recuperar a produção. A produção de mel da cooperativa Turiarte, que reúne 180 cooperados de 12 comunidades locais, caiu de 400 Kg por ano para 200 Kg por ano em 2024, afetada pela seca que atingiu o Estado, a pior na Amazônia nos últimos 20 anos. Até 2019, a produção alcançava 400 Kg de mel por ano. Hoje, não chega a isso por causa dos efeitos climáticos. Agora, caiu para 200 Kg por ano. Lá, o mel silvestre cultivado é de abelhas canudo e é comercializado em Manaus (AM) e Belém (PA).
As floradas ocorrem entre setembro e janeiro. Todo o mel provém de polinização feita pelas abelhas em árvores originárias, como cipó de fogo. Diferentemente da apicultura, o mel é líquido e não forma favos de mel. Os agricultores familiares atuam também com piscicultura na região no âmbito da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, que se estende por mais de 650 mil hectares. No Arapiuns, os agricultores criam peixes em tanques redes, de espécies como tambaqui, tambatinga e matrinxã. Cerca de 25 mil peixes para abate ocupam os tanques com capacidade de criação de 800 a 1 mil peixes cada. Parte da produção é direcionada a compras governamentais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Indígena voltado à merenda escolar. Não precisa de desmatamento para produzir. No momento, os piscicultores buscam produzir a ração própria com caroço do açaí, da acerola e do cupuaçu para não somar ao desmatamento atrelado à ração comercial feita à base de soja. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.