17/Jun/2025
Filho de produtor de banana, o agrônomo João Marcelo Caíres Antunes, de 35 anos, rompeu uma tradição familiar de 30 anos. Em 2022, começou a plantar cacau no norte de Minas Gerais, na fazenda Lageado, no município de Jaíba. Nos últimos tempos, por causa de novas técnicas de cultivo e variedades de mudas clonadas, mais produtivas e resistentes a regiões quentes, o norte de Minas Gerais despontou como uma das mais promissoras fronteiras agrícolas de cultivo de cacau no Brasil. Além de Minas Gerais, a expansão do cacau para novas áreas, como o interior do Estado de São Paulo e oeste da Bahia, ocorre no momento em que o preço da principal matéria-prima do chocolate quase triplicou em dólar desde o início do ano passado. O motivo da disparada foi a redução da oferta dos principais produtores mundiais, que são Costa do Marfim e Gana, na África. Ambos foram afetados pelo clima e por doenças. Em abril do ano passado, a cotação do cacau atingiu o pico e superou 12 mil dólares por tonelada. Atualmente, o preço gira em torno de 10 mil dólares na Bolsa de Nova York. Os preços estão acima da média histórica dos últimos cinco anos, e é baixa a possibilidade de eles caírem fortemente, segundo Anna Paula Losi, presidente executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC). Os estoques mundiais seguem baixos, e há incertezas sobre o aumento da oferta no curto prazo.
É nesse cenário que agricultores fora das regiões tradicionais de produção — sul da Bahia e Pará — decidem apostar no cacau. Até três anos atrás, os 200 hectares irrigados de Antunes em Jaíba (MG), por exemplo, eram divididos entre o plantio de banana-nanica e de banana-prata. Mas o mal-do-Panamá, também conhecido como fusariose da bananeira, doença causada por um fungo, começou a dizimar a banana-prata da região em 2019. Antunes relata que foi necessário começar a pensar estrategicamente. Com boa parte dos agricultores do norte mineiro migrando para a produção da banana-nanica, não afetada pelo fungo, a oferta dessa variedade aumentou muito, pressionando os preços. Para não ficar exposto ao risco do preço baixo, a saída foi diversificar.
Normalmente cultivado em regiões úmidas, como a Amazônica, de onde é nativo, e o sul da Bahia, o cacau entrou no radar dos produtores do semiárido mineiro, escasso em chuva, por causa de pesquisas agronômicas bem-sucedidas feitas pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Os experimentos comprovaram a viabilidade do cultivo na região. Em 2014, começaram a ser testados os genótipos de cacau para o semiárido e foram identificados clones recomendados para regiões quentes e secas, segundo o agrônomo e professor da Unimontes, Victor Martins Maia. A recomendação é que o cacau seja plantado com a bananeira na fase inicial e compartilhe a irrigação. A bananeira garante a sombra e corta o vento, criando um ambiente adequado para que o cacau ganhe força. Outro ponto favorável é o econômico: as safras de banana pagam o investimento do cacau nos três primeiros anos, quando as árvores ainda não produzem frutos. Depois, a banana é retirada e o cacau segue crescendo a pleno sol, mas irrigado.
Após olhar os resultados das pesquisas, Antunes e o pai reuniram um grupo de produtores do norte de Minas e fizeram uma excursão até o sul da Bahia para entender o manejo do cacau. Em julho de 2022, Antunes começou a plantar cacau com banana em uma área de 10 hectares. Hoje tem 74 hectares consorciados com banana. A médio prazo, pretende ter 88 hectares só com cacau e manter 112 hectares apenas de banana-nanica. Ele afirma que se arrepende de não ter começado antes. Seu custo de produção é de R$ 8,3 mil por tonelada, enquanto o preço de mercado do cacau gira em torno de R$ 56 mil por tonelada.
Mais antigo no cultivo do cacau que Antunes, o produtor Luiz Schwarcz, dono da SWZ Agropecuária, em Jaíba (MG), começou em 2020. Schwarcz já está no segundo ano de colheita comercial e considera o negócio interessante. Egresso do setor financeiro, começou a produzir banana incentivado por um amigo. Hoje cultiva 18 hectares de cacau consorciados com banana e 150 hectares só com banana. Em dois anos, planeja ter 50 hectares com cacau e 50 hectares com banana, além de gado. Ele afirma que continuará com a banana, mas o cacau será o carro-chefe. A busca por outra lavoura ocorreu para escapar dos problemas da comercialização da banana. Como o cacau é uma commodity cotada nas bolsas internacionais, os preços oscilam menos que os da banana, cujas cotações são ditadas pelo mercado interno. Além disso, a banana é perecível, enquanto o cacau, após secagem, pode ser estocado. Schwarcz também destaca sinergias entre cacau e banana na fase inicial de cultivo, como o compartilhamento da irrigação e o uso da compostagem da casca do cacau, rica em potássio, como fertilizante.
Antunes e Schwarcz são exemplos de agricultores que estão transformando a paisagem do semiárido mineiro, tradicionalmente fora da rota do cacau. Segundo a Faemg (Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais), nos últimos dez anos o cacau no norte de Minas vem sendo alvo de estudos. Já existem cerca de 400 hectares plantados. Em abril deste ano teve início o projeto Agro+Verde, uma parceria da Faemg, do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e da Cargill, empresa que compra as amêndoas dos produtores, faz a moagem e revende o cacau à indústria de chocolate. O objetivo é expandir o cultivo de cacau para áreas não tradicionais do norte mineiro, por meio do consórcio entre cacau e banana. O programa inclui 11 municípios da região. A expectativa é que até dezembro de 2026 sejam implementados mais 3 mil hectares com cacau. A Faemg oferece assistência técnica e gerencial aos agricultores participantes. Cada produtor recebe R$ 9,5 mil em mudas de cacau por hectare, com contrapartida de devolução de R$ 7 mil por hectare em amêndoas à Cargill em até cinco anos. Não há contrato de exclusividade na venda das amêndoas.
Matheus Leite, supervisor agrícola da Nestlé, afirmou durante o seminário Cacauicultores do Futuro, em Janaúba (MG), que Minas Gerais tem potencial para ser o terceiro maior estado produtor de cacau do Brasil até 2030. O evento faz parte das ações da multinacional suíça para atrair jovens agricultores e fomentar a produção sustentável de cacau. A fronteira agrícola do cacau no norte de Minas é a mais avançada em relação a outras regiões e pode crescer rapidamente, segundo Igor Mota, gerente de Agricultura para Cacau da Nestlé Brasil. Ele destaca a estrutura já existente com Emater, Senar e programas governamentais subsidiando mudas. Mota ressalta a importância da pesquisa do professor Victor Maia, que validou o cultivo consorciado com banana em Janaúba e apontou que a produtividade pode chegar a 3 mil quilos por hectare, cerca de seis vezes a média nacional medida pelo IBGE (483 quilos por hectare). A pesquisa deu confiança aos produtores para investir na cultura.
Além do norte de Minas, a região de São José do Rio Preto, no interior paulista, tradicional no cultivo de seringueira e citros, também desponta como nova fronteira do cacau. O agrônomo George Sodré, pesquisador da Uesc (Universidade Estadual de Santa Cruz), em Ilhéus (BA), afirmou que São Paulo será um grande player na produção de cacau. No planalto paulista, o cacau está substituindo a laranja, afetada pelo greening, e também é cultivado em consórcio com a seringueira, que fornece sombra e quebra-vento para o cacaueiro. Fernando Miqueletti, diretor da Cati (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) regional de São José do Rio Preto, disse que os primeiros estudos sobre a viabilidade do cacau na região começaram em 2010. O objetivo era encontrar culturas que convivessem bem com a seringueira. Em 2014 foi identificado o primeiro cultivo integrado de cacau e seringueira em Tabapuã (SP). Desde então, foram realizados intercâmbios com outras regiões produtoras e centros de pesquisa, até se concluir que o cacau era viável no solo paulista desde que irrigado.
O número de produtores interessados cresceu tanto que o projeto regional virou um programa de Estado. Os primeiros plantios comerciais começaram em 2021 e já estão iniciando a produção. Pelo programa, foram plantados cerca de 300 hectares em 60 propriedades espalhadas por 38 cidades. No Estado de São Paulo, já são quase mil hectares cultivados com cacau.
Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.