06/Sep/2023
Às margens do Rio Acará, no Pará, um grupo de oito ribeirinhas acordava às 4 horas para moer o cacau e transformá-lo em chocolate. O horário não era por acaso. Na floresta e sem local adequado, o calor amazônico desanda a pasta que não é batida nas primeiras horas da manhã. O que era um experimento aos poucos se transformou em negócio e, hoje, as “Guardiãs do Cacau” já não precisam madrugar. Em uma pequena sala refrigerada, construída na beira do rio, as empreendedoras produzem o acaraçu, um chocolate fino que carrega a Amazônia, que hoje celebra seu dia, como marca, do cacau à embalagem. A pequena empresa das “Guardiãs” é um exemplo da bioeconomia que circula no bioma e ainda é pouco dimensionada. Um estudo do World Resources Institute (WRI) Brasil, chamado Nova Economia da Amazônia, estimou que a partir de 2050 esse modelo de negócio, que tem como premissa a preservação da floresta e exploração sustentável, deve movimentar cerca de R$ 40 bilhões por ano.
A pesquisa leva em consideração apenas 13 produtos da região com informações mais robustas a respeito da comercialização, como o cacau, o açaí e a castanha, entre outros. Isso significa que, na prática, o montante movimentado nessas transações deve ser muito maior, já que há uma infinidade de produtos da floresta que não aparecem na conta. Segundo a literatura científica, a população local utiliza cerca de 270 itens na alimentação, além de centenas de ervas, o que indica a riqueza de recursos disponíveis na Amazônia. Com as estatísticas oficiais acaba-se não chegando em grande parte do que essa economia representa. A metodologia utilizada é de varredura pelas estruturas de comércio, na qual a partir das mais agregadas a se mapeia quais são os produtos que estão com rede de circulação naquela região. Somente no Estado do Pará, os pesquisadores estimam que haja 30 produtos de circulação em cadeia, dos quais nem todos são contabilizados pelos órgãos oficiais para medir o tamanho dessa economia.
O potencial da floresta para fornecer insumos de maneira sustentável fica evidente já nos fundos da pequena sala de produção do chocolate acaraçu: é possível encontrar árvores de matérias-primas amplamente comercializadas, como o cacau, a castanha-do-pará e a andiroba. A linha de produção do chocolate começa e termina em casa: as empreendedoras compram o cacau de um produtor vizinho, que faz a secagem do produto em um galpão ao lado de onde as Guardiãs manipulam o cacau até virar chocolate. Além das versões 50%, 60% e 100%, o chocolate acaraçu também comercializa bombons de cupuaçu, nibs de cacau e amêndoas caramelizadas. Luciene Moreira, de 34 anos, uma das fundadoras das “Guardiãs do Cacau”, afirma que através do trabalho, se vê que o cacau que dá no quintal de suas casas com outras árvores serve para alimentação, remédio e paisagem. Quando se vê a possibilidade de ter essa planta dentro do território e empreender com ela, mantendo em pé, impedindo que seja extinta, o grupo acaba contribuindo com a permanência não só das árvores, mas também da identidade.
A ideia de criar um negócio com a riqueza da Vila Acará-Açu, que tem cerca de 150 famílias e inspirou o nome do chocolate, surgiu durante a pandemia após uma oficina feita pelo chocolatier amazônida César de Mendes, criador da marca de chocolates De Mendes. Os produtos De Mendes têm a produção focada na preservação da floresta e valorização de pequenos produtores, que fornecem a matéria-prima para confecção do chocolate. A articulação faz com que os produtos produzidos por famílias ribeirinhas ganhem escala e cheguem aos grandes centros, como Belém (PA), que fica a cerca de duas horas do vilarejo e demanda deslocamento por carro e barco. Esse tipo de estrutura com base nos ativos do bioma, segundo estudo da WRI Brasil, pode gerar para 2050 até 833 mil novos empregos e garantir a conservação de 83 milhões de hectares de florestas.
Criada há 13 anos com foco em dar escala global aos produtos extraídos do bioma, a 100% Amazônia trabalha no processamento de mais de 50 produtos da região para exportação. A principal fonte de matéria-prima da empresa são pequenos produtores de quase 600 famílias. Entre os produtos vendidos estão óleos, manteigas e grãos de diversos itens da floresta, como açaí, copaíba, cupuaçu, entre outros, que são comercializados em 65 países. Para articular a compra dos insumos da produção familiar, a 100% Amazônia criou um programa específico para integrar os produtores no processo e promover mudanças nas comunidades onde estão localizados os recursos naturais. O programa Aryiamuru realiza visitas nas comunidades e desenha com os fornecedores a construção de planos de negócios comunitários.
A empresa é uma das companhias participantes do Plano Estadual de Bioeconomia do Pará, o primeiro do Brasil criado para desenvolver um modelo econômico pautado na sustentabilidade da exploração dos recursos da floresta. A empresa já vende o açaí orgânico com um processo de rastreabilidade. Isso significa que os consumidores poderão saber sobre toda a cadeia de produção do açaí, desde a colheita e onde ela ocorre até o processamento na Fábrica da Floresta, recém-construída pela 100% Amazônia. O mercado do açaí existia tradicionalmente, mas a escala do produto foi criada muito rápido. O açaí começou a ter uma demanda muito forte nos Estados Unidos a partir de 2006, após uma matéria da apresentadora Oprah Winfrey sobre as superfrutas e, de repente, milhões de lares ouviram que o açaí era uma das superfrutas. As indústrias tiveram um impulso. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.