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20/Oct/2023

Entrevista: Francisco C. Pessoa - LCA Consultores

Associar a queda do preço da carne bovina no mercado interno a ações do governo em favor do consumo é um erro, diz o economista Francisco Carlos Pessoa, da LCA Consultores. Ele lembra que os preços do produto refletem o ciclo pecuário, que é longo, além de flutuações da oferta e da demanda no curto prazo. Pouco o governo interfere na formação do preço. De acordo com Pessoa, governantes dão declarações em momentos positivos de queda de preços de alimentos, mas especialistas já apontaram as causas do atual cenário de maior oferta de bois prontos para o abate: pastagens melhores em função do clima, queda do preço das rações e a expansão da oferta, graças ao maior abate de fêmeas.

Se o brasileiro soubesse o quanto o Executivo não consegue controlar preços da comida no dia a dia ficaria decepcionado, disse o economista. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em outubro (até o dia 17), o preço da carne bovina no atacado de São Paulo era 8,66%menor que em igual mês de 2022. Em relação a setembro passado, as cotações já subiam 7,6%. A expectativa da LCA é de que os preços continuem subindo até 2026, quando ocorrerá nova eleição presidencial. Segue a entrevista:

O preço da carne está mais baixo que no ano passado. Qual a contribuição do governo para isso?

Francisco Carlos Pessoa: A carne bovina virou assunto político no Brasil. É normal que quedas de alimentos impactem positivamente a avaliação de governos, mas a estratégia de vincular essa queda da carne a ações do Executivo Federal pode se revelar um erro. É bem provável que o preço relativo da carne esteja subindo no período próximo à eleição de 2026.

O que explica a queda dos preços nos últimos meses e essa pequena alta no curto prazo?

Francisco Carlos Pessoa: A queda nos últimos meses está relacionada a pastagens melhores em função do clima, queda do preço das rações e a expansão da oferta, graças ao maior abate de fêmeas. Essa alta no curto prazo, aparentemente, está ligada a questões sazonais específicas, mas o cenário prospectivo mais provável é mesmo de uma reversão do movimento de queda e de recuperação mais firme dos preços.

Mas por que o preço voltará a subir no médio prazo?

Francisco Carlos Pessoa: O primeiro aspecto a ser destacado é que, como esperado, há uma relação clara entre a evolução da oferta da carne e sua cotação no mercado, como pode ser visto quando se compara a evolução do abate de bovinos com os preços das carnes bovinas no IPCA - e o abate cresceu bastante nos últimos meses. Mas é aqui que deve ser considerada uma especificidade da carne bovina: o longo período de produção de um animal pronto para o abate. O período de gestação dura pouco mais de nove meses, e a idade média dos bovinos abatidos está em torno de três anos. Ou seja, a oferta tem pouca elasticidade no curto prazo. Além disso, o próprio aumento de abates visto recentemente indica que a oferta de carne ficará mais apertada no futuro, o que sinaliza aumentos de preços mais à frente.

Poderia explicar melhor isso?

Francisco Carlos Pessoa: Isso se dá graças pelo chamado ciclo pecuário. O conceito guarda alguma complexidade e, dependendo da fonte, sua descrição pode mudar um pouco. Mas a ideia básica é que os sinais dos preços dados pelo desequilíbrio entre oferta e demanda são, depois de certo período, reforçados.

Exemplifique isso, por favor.

Francisco Carlos Pessoa: Vamos imaginar que o clima tenha beneficiado bastante a produção de carne de um grande fornecedor internacional, ou ainda que uma crise econômica tenha feito a demanda de um importante país consumidor cair. O efeito esperado é de uma queda nos preços, pressionando a margem dos pecuaristas, que por sua vez deveriam segurar o abate.

E esse movimento não deveria levar o mercado ao equilíbrio novamente?

Francisco Carlos Pessoa: A questão é que o produtor não tem como manter o boi indefinidamente no pasto. Ele pode estar precisando recuperar parte do investimento, talvez não veja sentido ou não tenha condições de manter gastos correntes, como rações e medicamentos. Além disso, o gado já pode ter chegado ao peso ou idade ideal para o abate, lembrando que a idade influencia a qualidade da carne. Se acreditar que os preços continuarão a cair, o pecuarista pode até ampliar as vendas para os frigoríficos. E como a oferta não pode ser ajustada para baixo, o preço da carne cai novamente até o momento em que o produtor decide descartar também fêmeas que estava retendo para gerar bezerros no futuro.

E qual a importância desse aumento de descarte de fêmeas?

Francisco Carlos Pessoa: A evolução do descarte de fêmeas é importante para tentar determinar em que fase está o ciclo pecuário. No caso do bovino macho a destinação é quase sempre o abate, excetuando-se os indivíduos que se tornam reprodutores, mas no caso das fêmeas o pecuarista pode decidir entre o abate e a retenção para a geração de bezerros. Quando a participação das fêmeas no total de abates sobe além da sua média histórica, isso significa que o produtor não está vendo vantagem em ofertar mais carne.

Mas até que ponto a oferta continua crescendo?

Francisco Carlos Pessoa: Aos poucos a antecipação do abate vai reduzindo a disponibilidade de indivíduos vivos no curto prazo e o descarte de fêmeas começa a sinalizar que a oferta estará mais apertada ao longo dos anos seguintes. Com isso os preços voltam a subir, aumentando o interesse de pecuaristas por bezerros e reduzindo o abate das fêmeas, que cai abaixo de sua média histórica. Ou seja, o aumento de preços acaba levando a menos oferta, portanto levando a uma nova rodada de elevação do valor pago pela carne. Os preços só voltarão a cair quando houver animais prontos para o abate, o que leva um tempo razoável, como vimos.

E analisando os últimos dados de abate a qual conclusão se chega?

Francisco Carlos Pessoa: Mantido o padrão dos últimos anos, pode-se dizer que é provável que já ao longo de 2024 se inicie a desaceleração dos abates totais e provavelmente alguma elevação dos preços das carnes e que em um período próximo a meados de 2025 aumente a retenção de fêmeas. Isso eleva a probabilidade de encarecimento do preço relativo dessa proteína animal em 2026, no ano eleitoral. Este ano o PIB agropecuário deve crescer 14,1%. No ano que vem 1%, influenciado em grande parte pela menor produção de milho, mas também pelo menor volume de abates de bovinos.

Então é um movimento no qual o governo não terá muito como influir?

Francisco Carlos Pessoa: Sim. Na verdade, a disponibilidade de produtos agropecuários segue uma lógica muito específica. No caso dos produtos das lavouras, estamos falando de clima, inclusive dos preços de hortifrutigranjeiros; quantas vezes não ouvimos falar da “inflação do tomate”? Dependendo do tipo de produto, porém, a variação do preço pode se manifestar mais ao longo de um ano ou ser mais duradoura. Os produtos da pecuária, por sua vez, também são afetados pelo clima durante o ano, em especial pelas condições das pastagens, mas há outros fatores a serem considerados.

Quais?

Francisco Carlos Pessoa: Choques causados por surtos de doenças, como a gripe aviária ou a peste suína. E, especificamente, no caso da carne bovina, há ainda os aspectos cíclicos sobre os quais falamos. Claro que se pode pensar em políticas mais estruturais, como estratégias de estoques, melhoria de infraestrutura, avanços em pesquisa agropecuária, etc. Mas se o brasileiro soubesse o quanto o Executivo não consegue controlar preços da comida no curto prazo, no dia a dia, ficaria decepcionado.

Fonte: Broadcast Agro.