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12/Sep/2023

Produção de “leite” através de fermentação bacteriana

Leite que até então era produzido por vacas hoje pode ser produzido por fungos com exatamente a mesma composição, mesmo cheiro, com caseína, lactose, e tudo mais. É leite de verdade. Uma empresa chamada Future Cow, que já produz leite advindo de fermentação bacteriana nos Estados Unidos está no Brasil, produzindo ainda pequenas quantidades de leite em forma experimental, mas com pedido de registro feito ao Ministério da Agricultura. Além disso, outras empresas no Brasil e no mundo estão nessa corrida. Antes de tudo, pairam dúvidas neste momento. Afinal, esse leite deve estar entre aspas ou é leite de verdade? É sabido que a tecnologia utilizada na produção de leite já existe há décadas. Trata-se da técnica recombinante que insere porções específicas de DNA de vacas em microrganismos e estes, por sua vez, vão produzir o que essa porção de DNA as comandar.

Isso já é usado por laboratórios há muitos anos para produzir insulina e BST por exemplo, sendo muito mais barato ter grandes câmaras de fermentação com bactérias do que com vacas, que ocupariam mais espaço e comeriam muito mais. Todavia, a lógica não pode ser simplesmente extrapolada para o leite pois não se está falando de uma molécula simples em pequenas quantidades e sim de um composto líquido com certa complexidade e alto nível nutricional, ou seja, a produção em escala continua sendo uma grande questão a ser respondida. Além disso não basta produzir em escala, é preciso legislação específica para isso com delimitações de padrões, qualidade e segurança do produto ao consumidor. Em 2020, a Perfect Day havia angariado US$ 300 milhões na sua primeira rodada de negócios.

Após 3 anos vende whey, que é uma proteína relativamente mais fácil de produzir, mas leite propriamente dito ainda não tem escala, lembrando que a empresa existe desde 2014. Outro importante player é a Change foods, empresa australiana criada em 2019, também angariou fundos de investimentos empolgados com o segmento. É uma “corrida do ouro”, pois se trata de um processo difícil que exige transgenia de um fungo e como ter tecnologia e competitividade de custos para brigar com essas empresas gigantes e que contam com financiamento de grandes fundos e apoio governamental. Fica a questão se essa é uma solução para as pressões por menores impactos ambientais da atividade. É uma tentativa de primeiramente produzir algo em escala com custo atrativo, mas que trará o bônus da mensagem de menor impacto ambiental e ser livre de questões sobre bem-estar animal.

Ou seja, o grande propulsor dessa corrida é a lucratividade e traz consigo ganhos secundários como respostas ao consumidor moderno. O caso do Reino Unido foi noticiado mundialmente prevendo o incentivo ao uso da fermentação bacteriana ou de precisão na produção de queijos para reduzir 1,2% da emissão de gases de efeito estufa (GEE) atribuída a produção de queijos nesse território. Importante notar que toda essa mobilização para reduzir 1% das emissões parecem muito mais uma ação em resposta a pressão de consumidores do que uma ação efetiva para mitigação de efeitos ambientais causados pela atividade. Um total de 1.249 participaram do estudo no Reino Unido com um 'experimento de escolha discreta', em que os participantes foram confrontados com diferentes tarefas de escolha exigindo que eles escolhessem entre seis opções: “muçarela” à base de nozes, muçarela premium, muçarela bola, “muçarela” livre de animais (derivada de fermentação de precisão), ou não comprar.

O preço foi uma característica fundamental do experimento. Outra pesquisa feita no Canadá determinou que o preço é o fator mais importante dessa decisão. Tratando-se de uma economia de país ainda pobre e com grandes desafios de distribuição de renda, o consumo desse leite parece, enquanto não houver escalabilidade, ser algo nichado a um público mais rico e com acesso e preferência por informações contra a produção animal e isso traria o consumo de leite sem peso na consciência, mesmo que lhe custasse mais. No mercado de massa, a alternativa do leite advindo de fermentação de precisão poderia ser uma possibilidade contanto que o custo de aquisição seja realmente muito competitivo. Se, conforme citado, para canadenses o preço é o fator mais decisivo, para brasileiros com certeza não será diferente. Na Inglaterra, um estudo demonstrou que havendo paridade de preços se prevê que o queijo sem origem animal conquistará um terço (33%) da participação no mercado de queijos.

E se a demanda do mercado crescer, as colaborações da indústria se fortalecerem e os avanços tecnológicos continuarem em ritmo acelerado, esses números estão a caminho de experimentar um salto surpreendente, considerando países ricos. Deve se tratar de um negócio muito mais B2B do que efetivamente para abastecer mercados, pelo menos a médio prazo. Assim, a pecuária tradicional vai continuar abastecendo o mercado de leite fluído, mas vai perder fatias importantes como fornecimento de proteína Whey para indústrias, já que este produto é o mais consolidade e de maior facilidade de produção até o momento. Nos Estado Unidos, a licença junto ao Food and Drug Administration (FDA) pela Perfect Day já foi aprovada desde 2020, a startup Future Cow também já teve sua licença aprovada. A expectativa da Future Cow é que os processos sejam finalizados em até doze meses, quando pretendem construir uma fábrica e assim escalar a produção.

A ideia da startup é ser apenas um fornecedor para a indústria, e não uma empresa de marca. No Brasil, a Future Cow será o primeiro investimento da gestora, que tem cerca de US$ 100 milhões em ativos. Nos Estados Unidos, a Perfect Day é o ‘case’ mais emblemático. Fundada em 2019, a startup já levantou mais de US$ 750 milhões, e virou um unicórnio, justamente com a produção de leite usando a fermentação de precisão. O maior diferencial da Future Cow em relação a outras startups é que ela desenvolveu uma técnica que permite aos hospedeiros (a levedura ou fungo) serem alimentados com resíduos da agroindústria em vez da glicose, que é usada pelos concorrentes. Isso reduz muito o custo unitário de produção, que é um dos grandes gargalos dessa indústria. Nesse modelo, a redução foi de mais de 200%. Ao mercado cabe aguardar os novos desdobramentos dessas iniciativas e prever possíveis movimentos que possam mudar esse jogo ou criar novas oportunidades de negócios. Fonte: MilkPoint. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.