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30/Mar/2023

Paulo Pianez (Marfrig) fala sobre sustentabilidade

O diretor de Sustentabilidade da Marfrig, Paulo Pianez, garante que a pecuária formal, ou seja, regularizada, não é o principal responsável pelo desmatamento da Amazônia, bioma em que a companhia adquire 49% de todo o gado que abate. O executivo afirma, inclusive, que é possível desvincular essa pecuária da derrubada de florestas no bioma. Ele acrescenta que um dos passos seria identificar e monitorar todos os fornecedores de gado do País, trabalho que poderia levar entre 10 e 12 anos. Quanto aos fornecedores de gado da própria companhia, diz que já conseguiu identificar 71% deles na Amazônia e 72% no Cerrado. Para aprimorar essa rastreabilidade, ele defende a permissão do governo para que os frigoríficos lancem mão dos dados da Guia de Trânsito Animal (GTA), documento obrigatório no transporte de animais em todo o País, com a finalidade principal de controle sanitário, e que traz a origem e o destino de cada bovino. Se for possível viabilizar uma política pública para cumprir esse desafio, o Brasil já daria uma resposta robusta para mostrar a origem da produção pecuária e da carne. Mas, isso não é suficiente.

É preciso que se crie um mecanismo de identificação individual de bovinos, como já se faz no Uruguai e na Austrália. A ação é importante para que o Brasil continue a exportar carne bovina para mercados importantes, porém exigentes ambientalmente, como a União Europeia, que aprovou, em dezembro, uma regulação que proíbe a entrada, no bloco, de commodities produzidas em áreas desmatadas (de maneira legal ou ilegal) após 31 de dezembro de 2020. E, dos três pilares dos compromissos ESG (agenda ambiental, social e de governança), é na área ambiental que recai com mais força a pressão internacional. Mesmo assim, Pianez garante que a Marfrig está pronta para mostrar que cumpre todas as exigências socioambientais. Em relação à meta para que a companhia alcance a neutralidade de carbono, o executivo aponta que, até 2050, a exemplo do compromisso assumido no Acordo de Paris, durante a Conferência do Clima da ONU, em 2015, certamente a Marfrig já será net zero, embora não tenha formalizado, propositalmente, essa meta em nenhum documento. Segue a entrevista:

Há um ano a Marfrig informou que pretendia fechar 2022 com 70% a 75% dos seus fornecedores indiretos de gado identificados. A meta foi alcançada? Quais são as medidas que vêm sendo adotadas? E as metas para 2023?

Paulo Pianez: Foi atingida. Na verdade, fechamos com 71% de monitoramento dos indiretos na Amazônia e 72% no Cerrado. Estão identificados, monitorados e controlados, dentro da estratégia de implementação de identificação e controle de origem do gado. Partimos da definição das áreas de mais alto risco, indo para as demais, até chegar ao baixo risco. Então, hoje, estamos neste índice geral de 70% para os dois principais biomas no Brasil. Para 2023, focamos na identificação dos fornecedores de áreas de médio risco, e os números (de identificação) devem ficar entre 75% e 77%. Então, temos absoluta certeza de que, até 2025, teremos 100% da cadeia rastreada para a Amazônia e esperamos estar muito próximos de ter uma rastreabilidade completa também para o Cerrado.

Como está a regularização dos fornecedores de bovinos que ainda têm alguma pendência socioambiental?

Paulo Pianez: Em dois anos até o fim de 2022, nós regularizamos, reintroduzimos ou introduzimos mais de 2,6 mil produtores que tinham algum tipo de pendência socioambiental e que, por isso, estavam bloqueados na lista de fornecedores de bovinos para a Marfrig. Para reintegrá-los à cadeia de fornecedores, demos suporte e assistência técnica em regularização documental, ambiental ou fundiária. Temos profissionais que podem atender os produtores que querem voltar a ser nossos fornecedores. Quando fazemos isso, nós, obviamente, adotamos em seguida os processos de controle e monitoramento (dos reintegrados). Eu diria que, no geral, o modelo tem se mostrado bastante robusto nos resultados e é perfeitamente possível aplicá-lo em larga escala. Se eu tenho 10 mil fornecedores diretos ativos no decorrer do ano, estamos falando em um quarto deles que foram reintegrados. Achamos um caminho para fazer isso.

Quais os planos em relação a este tema para 2023?

Paulo Pianez: Para 2023, esperamos regularizar pelo menos mais 500 pecuaristas. Agora, trabalhamos com aqueles produtores que exigem um nível de ação um pouco mais complexa, mas não impossível, porque sua regularização e reintegração à lista de fornecedores de gado à Marfrig envolve recomposição da reserva legal. É um tema no qual se leva mais tempo, pois envolve órgãos públicos, seja a Secretaria de Meio Ambiente ou algum órgão regulador ambiental local.

Quantos fornecedores a Marfrig tem na Amazônia e quantas plantas operam no bioma? Qual a quantidade adquirida de gado da região?

Paulo Pianez: Entre 80% e 85% do fornecimento vem dos biomas Amazônia e Cerrado. A Marfrig originou 49% de gado da Amazônia, onde possui três unidades de abate. No Cerrado também são três unidades, e a região é responsável por cerca de 29,8% do gado adquirido pela empresa. Os outros 15% se distribuem, principalmente, no Sul do País. E muito pouco é proveniente do Pantanal e da Mata Atlântica. Então, o grosso do fornecimento de gado hoje está concentrado na Amazônia e no Cerrado e mais ou menos a metade para cada um desses biomas.

O senhor avalia que é possível desvincular, no curto prazo, a pecuária de desmatamento na Amazônia?

Paulo Pianez: Não tenho dúvida disso. E é importante que a gente consiga mostrar isso por meio de um instrumento, como a identificação de origem. O meu sentimento, até em função do que concretamente a gente vê, é de que o Brasil, neste setor específico, vai poder dar uma resposta bastante contundente, de que a pecuária formal não é o principal driver de desmatamento (da Amazônia). Aliás, quando falamos de pecuária que está vinculada ao desmatamento, eu nem chamo de pecuária. Na verdade, é muito mais a rotação de boi para marcação de áreas que são especuladas do ponto de vista fundiário. Então eu diria que é absolutamente factível que haja essa demonstração da desvinculação da pecuária formal como principal driver do desmatamento.

A Marfrig tem conseguido convencer investidores de que não há vínculo da companhia com desmatamento?

Paulo Pianez: Eu acho que sim, os investidores estão cientes deste contexto todo. Praticamente dia sim, e o outro também, eu falo com os investidores. E isso fica claro para eles. Na outra ponta, nós temos as entidades que fazem o ativismo ambiental - que são fundamentais e entendemos perfeitamente. Mas eles acabam usando dados que geram relatórios que, quando olhamos a fundo, nem sempre é um fato. Nós temos demonstrado isso e passado inclusive para jornalistas, para investidores e entidades que nos pedem esse tipo de informação. Acho que a pressão faz parte do jogo. Resumo da ópera: sim, os investidores têm entendido e mantido as suas posições.

Quando serão divulgadas as metas públicas de neutralidade de carbono da Marfrig e quais devem ser elas?

Paulo Pianez: Estamos trabalhando para entender o que seria a neutralidade dentro do nosso segmento, tendo em vista o seu grau de complexidade. Mas o que eu posso dizer é que, até 2050 certamente seremos (neutros em carbono), tendo em vista o compromisso global e o que foi assumido no Acordo de Paris (na Conferência do Clima da ONU, em 2015). Tem havido muito questionamento em relação à qualidade das metas "net zero" (de outras empresas), pois o papel aceita tudo. Aqui na Marfrig, obviamente, tivemos pressão para que também divulgássemos essas metas, mas é muito mais complexo do que isso. Botar no papel é fácil, mas, depois, fazer a prestação de contas adequadas são outros quinhentos. Então não vamos fazer. Esta é a nossa estratégia. E, sendo muito transparente, admito que não é um negócio simples. O mais sensato a se fazer é trabalhar na redução, mostrar os resultados obtidos e incorporar desafios dentro dessas metas. No momento adequado, quando tivermos segurança de que reduzimos tudo o que temos para reduzir, e o que falta, vamos falar sobre isso. Porque, afinal, somos uma indústria muito pouco provável de ser positiva ou negativa em emissões. E nós temos que ter muito cuidado para dizer efetivamente o que seria essa compensação.

Como o sr. avalia a recente decisão da União Europeia, de não adquirir commodities provenientes de áreas desmatadas? Isso pode prejudicar o Brasil? O que a Marfrig tem feito para se adequar a essa legislação?

Paulo Pianez: É inevitável. Há três regulações, uma na Europa, outra no Reino Unido e uma terceira nos Estados Unidos, e que se conversam. Elas possuem suas nuances e particularidades, mas todas embutem os mesmos desafios. Ou seja, para que uma empresa possa exportar, ou para que as empresas de lá possam comprar de companhias produtoras de commodities, as primeiras terão que estar absolutamente de acordo com essa legislação. A lei europeia, por exemplo, eu diria que a Marfrig vai estar absolutamente de acordo, assim que ela entrar em vigor, com mecanismos auditáveis, assegurando que a produção não vem de área de desmatamento e que está de acordo com as leis. Então, assim, do ponto de vista da companhia estamos super "ok". Nós vamos atender a essas três regulações. E eu vejo, inclusive, que em breve a Ásia deve seguir o mesmo caminho.

O que falta para que a rastreabilidade comece a andar de fato em toda a cadeia pecuária?

Paulo Pianez: É importantíssimo que conheçamos o contexto do que é a pecuária no Brasil. Temos 2,5 milhões de produtores, dos quais 75% se dedicam à cria, os chamados pequenos e médios produtores. Um setor que está em áreas de baixo índice de desenvolvimento, mas que se coloca como importante para a geração de renda. Quando nós entendemos um pouco do que é o contexto desses produtores, conseguimos entender sua realidade e necessidades. Os produtores de cria, que são maioria, possuem pouco nível de tecnologia aplicada à produção, pouco acesso à assistência técnica e, normalmente, não têm acesso aos mecanismos de financiamento, como crédito rural. Não raro, têm problemas de regularização fundiária e ambiental. Eu diria que é uma pecuária de característica familiar, em que trabalham a família e alguns outros que estão no entorno, que acabam ajudando e se empregando junto com essa população.

Em termos de políticas públicas o que falta para a rastreabilidade ser efetivada no País?

Paulo Pianez: Primeiro, é preciso que se tenham mecanismos financeiros construídos para poder dar acesso a essa população que precisa melhorar a assistência técnica para aplicar melhores práticas de produção, intensificar, fazer com que não haja necessidade de suprimir áreas de floresta porque simplesmente o seu pasto se esgotou. Tecnologia e assistência técnica são fundamentais. Mas, para isso, precisa de dinheiro. Acredito que o mercado bancário brasileiro tenha condições de redesenhar produtos que já existem, sob essa perspectiva de atingir o pequeno produtor. Porque vai precisar de uma carência maior, de taxas melhores. Acho que nós, da indústria, temos a condição também de trabalhar juntos para poder sermos um mitigador de risco. Mas também é importante o papel do governo. O poder público tem que ter políticas públicas que atendam ao desafio da rastreabilidade. Para isso, temos dois momentos, um que seria mais imediato, que é, por exemplo, usar instrumentos e informações oficiais que o Brasil já tem, desde que sejam redesenhadas. Por exemplo, a própria Guia de Trânsito Animal (GTA). Ela tem finalidade sanitária, mas nada impede que possa ter finalidade ambiental também. Não como algo que vá punir, que faça com que aquele produtor possa ter um risco em função dessa identificação (na GTA), pelo contrário. Acredito que a perspectiva, em vez da exclusão, tem que ser da inclusão. Identificando de onde vêm esses animais e se porventura houver algum tipo de problema, tanto em nível de governo em uma regulação, quanto da indústria e dos bancos, temos a obrigação de prover as condições para a regularização. Com esses instrumentos que já existem, a indústria como um todo pode fazer esse mesmo tipo de controle numa perspectiva de suporte e apoio ao produtor. Numa outra ponta, sabemos que tem um problema do crime propriamente dito. Aqueles que especulam terra, principalmente terra pública e fazem a demarcação dessa terra. Depois de desmatar com corte raso, colocam o boi. Mas isso não é para a produção pecuária, é muito mais um marcador. Mas aí já entramos numa outra seara, que é a do crime. O tratamento é outro. É uma questão do Ibama, de fiscalização e até mesmo de incorporação de força policial para que haja esse controle. Então são duas coisas diferentes.

Qual seria a solução mais premente, então?

Paulo Pianez: Se conseguirmos viabilizar uma política pública para solucionar esse desafio, o Brasil já daria uma resposta muito robusta para mostrar a origem da produção pecuária e da carne. Mas isso, na minha visão, não é suficiente. Acho que o Brasil precisa caminhar para um mecanismo de identificação individual de animais, a exemplo do que se tem no Uruguai, na Austrália. E para isso também precisa de política pública. Talvez depois de três ou quatro ciclos produtivos, estamos falando de 10 a 12 anos, teríamos toda a produção do Brasil identificada. Não tem segredo, é um modelo que o Uruguai usou. "Ah, mas o Uruguai tem 12 milhões de cabeças de gado", mas como modelo serve perfeitamente para nos inspirarmos. A Austrália também tem muito menos animais, mas serve também como modelo, como algo para se inspirar.

Fonte: Broadcast Agro.