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07/Mar/2023

Peixe: Brasil perde oportunidade no mercado externo

Trabalho recente da BBC, mostrou como o Brasil não só está perdendo uma grande oportunidade comercial, mas, na prática, até ajudou a China a se tornar grande produtora de peixes amazônicos. O Brasil, apesar de possuir uma costa litorânea extensa e a maior quantidade de recursos hídricos do planeta, ainda está bem longe da liderança do mercado de pescados. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) calcula que o Brasil produziu 1,3 milhão de toneladas de peixes para consumo em 2020. Isso faz com que o país ocupe a 21ª posição no ranking mundial, atrás de nações com menos território, como Equador, Marrocos, Japão e Peru. A China é de longe a líder global no mercado de pescados. Segundo os registros da FAO, o país asiático produziu 83,9 milhões de toneladas métricas de peixe com captura e aquicultura só em 2020. Dados oficiais da FAO revelam que a China é hoje a maior fonte deste peixe no mundo.

Na sequência, aparecem Colômbia (33 mil toneladas), Vietnã (23 mil), Peru (2,1 mil) e Brasil (1,8 mil). Mas como esses peixes, nativos de Amazônia e adjacências, foram parar do outro lado do mundo? Os especialistas em piscicultura consideram que é muito mais provável que essa introdução de espécies amazônicas em outros países tenha acontecido aos poucos e por meio de várias fontes diferentes. Francisco Medeiros, presidente da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), lembra de um convênio firmado nos anos 1980 entre Brasil e China. "Houve uma troca, em que nosso País recebeu carpas e tecnologias para a produção desses peixes e, em troca, ofereceu materiais sobre algumas espécies", diz. "E cada parte aproveitou as informações do jeito que quis." Um artigo publicado em 2018 destaca que o tambaqui e espécies híbridas já foram observadas em diversos países onde eles não são nativos, como Estados Unidos, China, Indonésia, Mianmar, Vietnã, Tailândia e Singapura.

As espécies híbridas por meio da manipulação genética são apreciados por aquaristas do mundo inteiro. "Hoje em dia, nós temos que importar essas matrizes diferentes do acará de China, Índia e Tailândia", diz Giovanni Vitti Moro, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura. Também é curioso notar que o peixe mais consumido pelos brasileiros é "estrangeiro": a tilápia, originária do Rio Nilo, no continente africano, reina absoluto nas cozinhas do País. O anuário de 2022 da Peixe BR aponta que a tilápia já representa 63,5% da produção brasileira (486,2 mil toneladas), e a tendência é que esse número suba para 80% até o fim da década. Na sequência, aparecem os peixes nativos do País, que representam hoje 31,2% do total (262,3 mil toneladas). E o principal representante do grupo é justamente o tambaqui.

O grande problema para a expansão da produção doméstica, apontam os pesquisadores, é que esse consumo dos peixes nativos está concentrado principalmente nas Regiões Norte e Centro-Oeste, e as carnes de tambaqui, matrinxã, pirarucu e companhia são muito menos frequentes nos lares no Nordeste, Sudeste e Sul, onde a densidade populacional é maior. Além da produção de pescados para consumo humano, a China e outras nações asiáticas viraram referência na criação de peixes ornamentais amazônicos. Hoje, há variações de uma espécie chamada acará-disco que só são encontradas na Ásia, segundo pesquisadores, ouvidos pela BBC News Brasil. Para se ter uma ideia, o segundo lugar é da Indonésia, com 21,8 milhões, um valor quase quatro vezes menor. Na sequência, aparecem Índia (14 milhões), Vietnã (8 milhões) e Peru (5,8 milhões). Dentro desse cenário, os peixes amazônicos ainda representam uma fatia muito pequena, quase insignificante, do mercado piscicultor chinês.

Um estudo de 2011 feito na Universidade de Zagreb, na Croácia, tentou desvendar como duas pirapitingas foram parar em rios da Europa Central. A principal hipótese levantada é a de que aquaristas jogaram, por algum motivo, esses seres em reservatórios de água locais, que reuniam as condições básicas para que eles pudessem sobreviver e se reproduzir. Em 2020, foram produzidas 59,4 mil toneladas de pirapitinga na China. Por lá, a pirapitinga atende a alguns nichos específicos, vendido para públicos com baixo poder aquisitivo de África e Índia. Além das espécies criadas para consumo (como o tambaqui e a pirapitinga), também chama a atenção o que aconteceu com os peixes ornamentais amazônicos. "O acará-disco, nativo da Amazônia, é vendido no exterior com novas colorações e características que não existem no próprio Brasil", aponta Giovanni Vitti Moro, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura. Essas novas linhagens da espécie foram desenvolvidas a partir de cruzamentos ou pela seleção de características desejadas.

O biólogo Adalberto Luis Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, aponta que o Brasil também está ficando para trás nesse mercado do aquarismo. Isso porque os produtores locais ainda dependem do extrativismo, que se baseia em coletar esses peixes diretamente na natureza, em vez de criá-los e reproduzi-los em tanques. "Nós precisamos desenvolver tecnologias para a produção desses animais em cativeiro. A China já faz isso, e o mercado de aquarismo sinalizou que, entre 2025 e 2030, vai reduzir aos poucos a importação de peixes ornamentais oriundos do extrativismo", conta o pesquisador e professor. E o mesmo processo já começou a ser feito com o próprio tambaqui mais recentemente. Além dos trabalhos realizados na China e no resto da Ásia, os pesquisadores brasileiros também pensam em como desenvolver esse setor por aqui. "Nos últimos cinco ou seis anos, temos trabalhado na Embrapa formas de garantir a rastreabilidade dos tambaquis, para garantirmos que aquele produto não foi retirado da natureza de forma indevida", destaca Giovanni Moro, da Embrapa.

"Isso é algo que certamente fará a diferença, especialmente na hora de exportar o pescado para mercados cada vez mais preocupados com o manejo sustentável dos recursos." Cientistas brasileiros também descobriram linhagens do tambaqui que possuem pouca ou nenhuma espinha entre os músculos, o que futuramente pode render cortes maiores e mais fáceis de preparar ou consumir. Entre os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, não há dúvidas de que peixes como o tambaqui podem turbinar o mercado nacional e até as exportações. "Trata-se de uma carne de excelente qualidade, muito apreciada pelo público, com a qual é possível fazer diferentes cortes e pratos, como o lombo, a costelinha, a moqueca, as iscas fritas ou os filés assados", diz Antonio Leonardo, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Pescado Continental, do Instituto de Pesca de São Paulo. Outro ponto positivo do tambaqui está na facilidade de produção. Afinal, trata-se de uma espécie resistente e que cresce com velocidade. Na natureza, ele pode chegar a até 30 ou 40 quilos.

"Além disso, o tambaqui se alimenta principalmente de frutos. Isso significa que, para se desenvolver, ele não depende de farinhas de peixe usadas em outras criações", afirma o zootecnista Alexandre Hilsdorf, pesquisador do Núcleo Integrado de Biotecnologia da Universidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo. "Essas farinhas estão se tornando um problema de sustentabilidade, pois as empresas precisam capturar peixes para processar e transformar em ração para os outros peixes." "Reunindo todas essas características, para mim não há dúvidas de que peixes como o tambaqui podem se transformar em uma commodity no futuro", opina Hilsdorf. Com a grande preocupação com a economia sustentável como o aumento da produção de pescados nativos pode representar uma ameaça à biodiversidade? "A piscicultura depende do meio ambiente. Sem o equilíbrio dos recursos naturais, nosso negócio fracassa", responde Antonio Leonardo, do Instituto de Pesca de São Paulo.

Para Luis Val, é possível incentivar esse mercado sem destruir a natureza: "O segredo está no manejo das espécies". O biólogo, inclusive, acredita que há potencial em desenvolver a produção não apenas do tambaqui, como também do pirarucu, do jaraqui, do matrinxã e de outras variedades populares entre os moradores da Amazônia. "Sabemos que o matrinxã, por exemplo, pode ser produzido em pequenos igarapés espalhados pela Amazônia. Um canal de 20 metros de extensão, 2 metros de largura e 1 metro de profundidade é capaz de gerar até 1 tonelada desse peixe por ano", calcula o biólogo. Deve ser observado, finalmente, que a troca de espécies entre países era bem menos regulada há três ou quatro décadas. Só mais recentemente que surgiram leis rígidas que impedem ou dificultam a saída e a entrada de vegetais, animais, fungos e outros seres vivos entre fronteiras.

O acordo Mercosul-União Europeia, por exemplo, estabelece padrões normativos para a pesca no mar territorial, zona contígua e zona e no espaço internacional onde o Brasil, por força de acordos internacionais, possui o dever de fiscalizar. Como indicado no trabalho Diplomacia Ambiental, publicado pelo IRICE, com o apoio de pesquisadores da USP, existe uma desordenada regulação jurídica federal sobre o tema. A existência de sobreposições normativas na esfera federal, traz consequências políticas e jurídicas negativas para a gestão dos recursos pesqueiros marítimos nacional. Espera-se que o novo Ministério da Pesca, André de Paula, possa influir para a mudança desse quadro negativo para a participação da piscicultura nacional no mercado internacional, dentro de uma estratégia de médio e longo prazo. Em entrevista recente, De Paula disse que a retomada das exportações para a União Europeia, interrompidas desde 2018, é uma das prioridades de seu trabalho. Fonte: Rubens Barbosa. Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). Broadcast Agro.